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31/05/2010

A bola de pingue-pongue


Era uma vez uma bola de pingue-pongue.
Um dia, a bola de pingue-pongue disse assim:
– Já chega de andar aos trambolhões de um lado para o outro: encontrão daqui, safanão ali, toma lá, dá cá e volta ao princípio, numa roda viva entres duas senhoras raquetes. Afinal nunca passo da mesma mesa.
Realmente, aquela vida de tão, badalão, e torna e deixa o pingue e pongue e pongue e pingue cansava qualquer um, quanto mais uma bola de pingue-pongue com aspirações a outros voos…
– Ainda se fosse uma bola de futebol – suspirava ela. – Corria o campo de lés a lés e, quando fugisse para dentro das redes, punha tudo a gritar: goooolo! Era mais emocionante. Mas, mesmo assim, deve haver melhor destino.
É que havia mesmo. E a pequenina bola de pingue-pongue queria conhecê-lo. Ser bola de futebol, de basquetebol não lhe bastava. O que ela queria era correr mundo!
E foi. Saltaricou da mesa para o chão, desceu escadas, escorregou por colinas, e foi ter – vejam bem a sorte que ela teve! – e foi ter a um sítio muito especial, que era assim a modos que um centro espacial. Deste centro especial espacial atiravam para os céus bolas e bolinhas, que uma vez lá de cima, a dançar no meio dos astros, lançavam para a terra uns sinais esquisitos – bip! bip! bip! – como se fossem grilos… Mas não eram grilos essas bolas espaciais. Eram satélites dos artificiais.
– Se as outras conseguem, também eu hei-de conseguir – pensou a bola de pingue-pongue.
Ela que sabia dizer "pingue" e "pongue", e "pongue" e "pingue", depressa aprendeu a dizer "bip!" "bip!" "bip!".
Não custava nada.
E lá foi pelos ares, viajante do espaço, à roda do mundo, tão redondo como ela.
– Ena tantas bolas! – exclamou a bola de pingue-pongue, quando se viu lá no alto, a rodar entre planetas. – Afinal somos todas da mesma família. Umas maiores, outras mais pequenas, mas redondas todas. Que seria do mundo, se não fossem as bolas…
E, de contente que estava, soltou um "bip! bip!" mais forte, que atravessou o espaço e atarantou as estrelas lá do fundo.
– Tirem-me de ao pé de mim este satélite maluco. Não consigo dormir em paz – gritou a Lua, que é assim uma espécie de bola de pingue-pongue, mas em grande.
Os sábios fizeram a vontade à Lua e mandaram descer a nossa bolinha de pingue-pongue.
– Estou satisfeita – contou a bola, ao regressar à Terra. – Vi o que queria e fiquei consolada de ver tantas bolas irmãs a navegar pelo céu. Agora quero repousar.
Mas onde? Numa gaveta não parecia bem. Era um fim pouco digno para uma bola que correra tantas aventuras. Então um dos sábios, olhando para o calmo jardim do centro espacial, teve uma ideia – ou não fosse ele um sábio…
Equilibrou-a no alto de um repuxo no meio do tanque do jardim.
Depois de ter visto tudo, de ter rolado e saltitado pelo espaço além, a bola descansa, a recordar o que vira. E suspira, satisfeita:
– Está-se bem aqui.

António Torrado




30/05/2010

O criado mentiroso

Certo lavrador tinha, havia pouco tempo, um criado que viera de muito longe e mentia por gosto. Iam os dois uma vez a cavalo e disse o criado:
- Lá na minha terra, vi um dia uma raposa ainda maior do que a ponte de sete arcos que atravessa o rio.
- Bem andaste falando-me em pontes - disse o amo - pois quero dar-te um aviso. Vamos daqui a pouco atravessar uma que tem um condão especial.
- E qual é? - perguntou o criado.
- Abre-se pelo meio, quando por ela passa quem nesse dia haja pregado alguma peta.
O criado enfiou, e de ali a bocadinho disse ao amo:
- Tamanha como a ponte não seria a raposa, mas era assim como um boi muito grande.
O amo não lhe respondeu, e o criado que ia cavalgando atrás dele, coçava a orelha, muito atrapalhado.
- E talvez nem chegasse ao tamanho de um boi; como um cavalo é que ela era, ou como um burro.
Já se avistava a ponte. O moço pôs-se a tremer. Se ela se abrisse debaixo dos pés, a queda ao rio era certamente mortal. Foi então dizendo:
- Era como um burro, era; assim como um burro pequenino, acabado de nascer, pouco maior que um cão.
A ponte era altíssima. O pobre criado, já a voz lhe sumia de todo, quando acrescentou:
- A verdade, a pura verdade, é que a raposa era como todas as raposas.
Já o amo ia na ponte. Olhou para trás e viu o criado que parara à entrada.
- Então? - perguntou-lhe - O cavalo tem medo?
- Não, senhor. - respondeu-lhe o moço - sou eu que não me atrevo.
- Então porquê?
- É que eu, patrão, nunca vi raposa nenhuma.
E, persuadido enfim de que já não lhe aconteceria mal, meteu esporas ao cavalo e seguiu o lavrador, que ria às gargalhadas.


Conto Tradicional Português



A boneca da madrinha


A boneca da madrinha era a mais linda de todas. Nem as das lojas de brinquedos, nem as daquele museu, onde havia bonecas de princesas ao colo de princesas bonecas.
Ai, a boneca da madrinha, poisada no toucador,multiplicada pelos espelhos em centenas de bonecas iguais! Tinha caracóis louros, de cabelos de verdade. Usava chapelinho à banda, com friso de redezinha. O vestido era de seda tão azul como os olhos dela. A saia de baixo engomada levantava-lhe o vestido. As meias de renda branca, as botas de pelica fina, botas de pôr e tirar, tudo uma maravilha.
Descalça, os pezinhos rechonchudos eram tal e qual os de um bebé.
Ai, quem dera à Mariana a boneca da madrinha! Poder brincar com ela, podia, sobre a larga cama com colcha de cetim, mas só um bocadinho, porque a madrinha ou a mãe da madrinha ou a irmã da madrinha estavam sempre a dizer-lhe:
– Cuidado, Mariana, que a boneca é de loiça e parte-se.
Ela sabia. Então não havia de saber? Mais cuidadosa do que ela ninguém no mundo. A Mariana era capaz de oferecer a sua própria vida para que a boneca nunca as
partisse.
Tocava-lhe ao de leve. Calçava-a e descalçava-a, vezes sem conto. Dava-lhe beijos nas bochechas e nos olhos pestanudos. Nunca sequer se atrevera a penteá-la, para não lhe desmanchar os caracóis loiros.
O que a Mariana mais gostava era de vê-la, passear-lhe os olhos do chapelinho à ponta dos botins, reter tudo, sem que escapasse um único pormenor, para se lembrar, depois, quando voltasse a casa.
As visitas à madrinha só aconteciam, de longe em longe, mas eram sempre uma festa antecipada.
– Hoje vamos a casa da madrinha, Mariana – dizia-lhe a mãe.
Que bom! Que bom, por causa da boneca. Não que a madrinha não fosse uma senhora simpática. Chamava-se Mariana, não tinha filhos, mas, em compensação, muitas afilhadas, todas Marianas como ela.
– Eu não sei se elas vêm cá para visitar a madrinha ou para brincar com a boneca da madrinha... - dizia a D. Mariana, a sorrir.
Não era um grande sorriso o de D. Mariana, mas um sorrisinho frisado, miudinho, que lhe apertava os olhos e enrugava o queixo. "Um sorriso para dentro", pensava a
afilhada Mariana. Nada que se parecesse com o sorriso da boneca, quase a estalar em riso, quando via mais aquela afilhada (dela? de D. Mariana?) aproximar-se do toucador, de olhos a brilhar...
– Mariana, são horas de nos irmos embora – chamava-a a mãe. - Despede-te da madrinha.
E ela, com um grande beijo de saudade, despedia-se primeiro da boneca...
Mariana vai fazer sete anos e a madrinha avisou que, desta vez, também ia à festa.
– Caso para admirar... Merece foguetes - comentou o pai da Mariana.
– É porque tem uma rica prenda para a afilhada e quer ser ela a dá-la - explicou a mãe, com ar misterioso.
"Uma rica prenda?", interrogou-se a Mariana. Seria a boneca? A boneca de chapeuzinho à banda e botas de pôr e tirar? A sua boneca? Podia lá ser outra coisa!
Enquanto a Mariana desembrulhava a grande caixa, que guardava uma qualquer coisa pesada, que balançava lá dentro, o coração bateu-lhe no peito que nem tambor em batuque. À volta, as pessoas crescidas, entre as quais a madrinha, sorriam, embevecidas.
Ela a destapar a caixa e uma morena vistosa, de saia encarnada e laçarote à cintura, a olhar para ela. Boneca e menina fitaram-se, surpreendidas. Afinal não era a boneca da madrinha.
– Gostas? - perguntou D. Mariana a Mariana.
– Gosto, sim, madrinha. Obrigada, madrinha.
E a menina abalou para o seu quartinho, com a caixa, a boneca e o papel do embrulho a arrastar. No segredo do quarto, chorou lágrimas sentidas, agarrada à boneca que não era dos seus sonhos.
Entretanto, a boneca gemeu. Era das que choram, quando se lhes carrega na barriga. Um mecanismo como outro qualquer.
Mariana, só um bocadinho interessada por esta habilidade da sua nova boneca, olhou pela primeira vez para ela, com olhos de ver. Olhou e abismou-se.
A boneca chorava de verdade. Duas grossas lágrimas corriam-lhe pela face. Estava visivelmente triste, muito triste por ter desgostado a menina. Ela que apenas queria agradar e dar prazer, trouxera desilusão. Por isso chorava.
Mariana enterneceu-se e limpou as lágrimas da boneca e as suas próprias lágrimas. Ou as lágrimas da boneca também eram da menina? Pouco importa. Esta história tem mais que se lhe diga.
– Não chores, que gosto muito de ti – disse a menina, apertando a boneca nos braços.
E ficaram para sempre muito amigas.

António Torrado


29/05/2010

Manawyddan, O Filho De Llyr




Quando os sete homens mencionados anteriormente, haviam enterrado a cabeça de Bendigeid Vran, no Monte Branco de Londres, com seu rosto voltado a França; Manawyddan olhou as terras de Londres, e sobre seus companheiros lançou um grande suspiro; e muita dor e pesar cairam sobre Manawyddan. “Ai de mim, Poderosos Céus, que tamanho infortúnio me toma,” ele disse. “ninguém, nem mesmo eu, poderei descansar esta noite.” “Senhor,” disse Pryderi, “não sofras tanto. Teu primo é rei da Ilha da Força, e mesmo ele pensando mal de ti, tu nunca hás reclamado terra ou posses. Éres o terceiro príncipe deserdado.” “Sim,” respondeu, “mas mesmo sendo este homem meu primo, dói-me ver qualquer pessoa no lugar de meu irmão Bendigeid Vran, não posso ser feliz vivendo no mesmo lugar que este vive.” “Vais tu seguir os conselhos de outro?” perguntou Pryderi. “Continuo necessitando conselhos,” ele respondeu, “e como conseguirei tal conselho?” perguntou Manawyddan “Sete Cantrevs* restam a mim,” disse Pryderi, “onde minha mãe Rhiannon vive. Eu a deixarei sob seus cuidados, assim como os Cantrevs, e mesmo não possuindo terra alguma, possuirás os sete mais belos Cantrevs. Kicva, filha de Gwynn Gloyw, é minha esposa, e de tal forma os Cantrevs a mim pertencem, e então Rhianonn e tu os usufruirão, e se algum dia desejares alguma posse, estes Cantrevs tu possuirás.” “Não posso, senhor” disse ele; “Que os Céus lhe recompensem por sua amizade.” “Eu lhe mostraria a melhor amizade do mundo se permitices.” “Eu irei, meu amigo,” ele disse, “e que os céus lhe recompensem. Irei contigo procurar Rhiannon e suas posses.” “Faz bem,” Pryderi respondeu. “E acredito que nunca ouviste uma dama discursar tão bem quanto ela, e quando era jovem não existia dama mais bela. E até hoje sua aparência é impressionante.”
Eles seguiram em frente, e mesmo a jornada sendo longa, chegaram em um curto espaço de tempo a Dyved, e um banquete foi preparado para sua chegada a Narberth, que Rhiannon e Kicva providenciaram. Então Manawyddan e Rhiannon sentaram-se juntos e começaram a conversar, e com tal conversa o coração e pensamentos de Manawyddan se aqueceram perante Rhiannon, e ele pensou que seu coração jamais havia testemunhado uma dama tão cheia de graça e beleza como ela. “Pryderi,” disse ele, “Eu desejo que aconteça como disseste.” “E o que disseste Pryderi?” perguntou Rhiannon. “Senhora, disse Pryderi, “Eu ofereci a ti como esposa a Manawyddan, filho de Llyr.” “Tal vontade alegremente satisfarei,” disse Rhiannon. “Feliz também estou” disse Manawydda; “que os Céus recompensem aquele que me mostrou amizade perfeita como esta.”
E antes do término do banquete ela já se tornara sua esposa. Disse Pryderi, “Aguarde aqui o término do banquete, e irei a Lloegyr prestar homenagem a Caswallawn, filho de Beli.” “Senhor,” disse Rhiannon, “Caswallawn está em Kent, deverias então prolongar-se no banquete, e aguardar até que ele esteja mais próximo.” “Esperaremos,” ele respondeu. E assim terminaram o banquete. E começaram a fazer circundar Dyved, e caçaram como diversão. E ao irem através do país, perceberam que não havia terras mais aprazíveis para viver, nem territórios de caça tão formidáveis, nem tamanha abundância de mel e peixe. E tamanha era a amizade entre os três, que não se separavam nem de dia nem de noite.
E em meio a tudo isso, Pryderi foi a Caswallawn em Oxford, e prestou homenagens; e honorável foi sua recepção, e louvado ele foi por sua homenagem.
Após seu retorno, Pryderi e Manawyddan banquetearam e descansaram. Iniciaram um banquete em Narberth, pois era o palácio principal; e ali houve todo tipo de honrarias. E quando terminaram a primeira refeição naquela noite, enquanto os que lhes serviram comiam, levantaram-se e foram para Gorsedd de Narberth, e seu séquito os acompanhava. E quando lá sentaram-se, presenciaram um barulho de trovão, e com a violência duma tempestade, veio uma cortina de névoa, tão densa que não podiam ver um ao outro. E após a névoa, uma luz os circundou. E ao olharem para onde estavam, não viram o gado, as rezes, as moradias, nem casas, nem animais, nem fumaça, nem fogo, nem homem, nem habitante; pois estavam as casas da Corte vazias, desertas e desabitadas, sem seus homens e animais. E haviam sumido, sem saber o que havia ocorrido, exceto aqueles quatro.
“Em nome dos Céus,” gritou Manawyddan, “aonde estão as pessoas da Corte, e toda a minha hoste? Vamo-nos para descobrir.“ Então chegaram ao salão, e não havia ninguém; e foram ao castelo, e ao dormitório, porém ninguém foi encontrado; e no estoque de hidromel e na cozinha não havia nada além de desolação. Então os quatro comeram, caçaram, e descansaram. Então começaram a cruzar as terras e suas posses, e visitaram casas e moradias, e nada encontraram além de animais selvagens. E quando haviam consumido sua comida e provisão, alimentaram-se da caça, e do mel das colméias selvagens. E de tal forma passaram o primeiro ano de forma agradável, e o segundo; mas então começaram a sentir-se cansados.
“Em verdade,” disse Manawyddan “Não devemos prosseguir assim. Vamo-nos a Lloegyr, e procuraremos ofícios para ganhar nosso sustento.” E dedicaram-se ao preparo de selas. E de tal forma prosseguiram a Lloegyr, e chegaram a Hereford. E Manawyddan começou a prepará-las, e as ornamentou e coloriu com esmalte azul, da maneira que eram feitas por Llasar Llaesgywydd. E preparou o esmalte azul da mesma forma que o outro homem fazia. E de tal forma continua sendo chamado Calch Lasar (esmalte azul), pois Llasar Llaesgywydd o fez.
E enquanto tal trabalho podia ser feito por Manawyddan, nem sela nem habitação precisaria ser comprada de vendedor em Hereford; até que os vendedores perceberam que estavam perdendo seu sustento, e que ninguém mais comprava deles, exceto quem não conseguia o que procurava com Manawyddan. Então os vendedores se reuniram e concordaram em assassinar Manawyddan e seus companheiros.
Ora tal intenção foi alertada, e eles se aconselharam com relação a abandonarem a cidade. “Pelos Céus,” disse Pryderi, “não aconselho a fugirmos da cidade, mas que matemos esses homens rústicos.” “Não,” disse Manawyddan, “pois se lutarmos com tais homens, teremos má fama, e iremos para a prisão. Será melhor se formos a outra cidade e nos preservemos.” E de tal forma prosseguiram para outra cidade.
“Que ofício tomaremos?” perguntou Pryderi. “Fabricaremos escudos,” disse Manawyddan. “E temos conhecimento sobre tal ofício?” perguntou. “Tentaremos,” respondeu Manawyddan. Então começaram a fabricar escudos, e deram-lhes a boa forma dos escudos que conheciam, e os esmaltaram, como haviam feito com as selas. E prosperaram naquele lugar, de tal maneira que nenhum escudo mais foi requisitado na cidade, além dos escudos que eles preparavam. Rápido eles trabalhavam, e incontáveis escudos fabricaram. E de tal forma se tornaram marcados pelos artesãos, que se reuniram e decidiram assassiná-los. Mas Manawyddan e seus amigos foram avisados sobre as intenções destruidoras de tais homens. “Pryderi,” disse Manawyddan, “estes homens desejam nos matar.” “Não aceitemos isto de tais homens rústicos, e que os enfrentemos então.” “Não,” respondeu Manawyddan; “Caswallawn e seus homens irão ouvir notícias sobre tais acontecimentos, e estaremos em apuros. Vamos para outra cidade.” E para outra cidade foram.
“E o que faremos ?” perguntou Pryderi. “Confeccionaremos sapatos, pois entre os sapateiros não há coragem suficiente para molestarnos.” “Não sei nada sobre tal ofício,” disse Pryderi. “Mas eu sei,” respondeu Manawyddan; “e ensinarei-lhe a costurar. E não tentaremos vestir o couro, pois já o compraremos vestido e fazeremos os sapatos a partir daí.”
E então compraram os melhores cordões que haviam na cidade, e nada mais compraram além do couro paras as solas; e Manawyddan se associou ao melhor ourives da cidade, que confeccionou as fivelas dos sapatos, e as ornamentou, marcando da mesma forma que fazia desde que aprendeu o método. E de tal forma era chamado de um dos três marcadores de Sapatos Dourados; e , quando podia-se obter deles, nenhum sapato era comprado de outros comerciantes da cidade. E quando os sapateiros perceberam que seus ganhos estavam caindo (pois Manawyddan dava forma ao trabalho, e Pryderi costurava), eles se juntaram, e concordaram em assassiná-los.
“Pryderi,” disse Manawyddan, “estes homens estão decididos a nos assassinar.” “ E porque deveríamos suportar isso de tais ladrões caipiras?” disse Pryderi. “Melhor então matá-los.” “Não,” disse Manawyddan, “não faremos isso, nem permaneceremos em Lloegyr. Devemos ir a Dyved, e ver como está o lugar.”
E assim foram juntos até chegarem a Dyved, e foram direto a Narberth. Lá acenderam fogo, e sustentaram-se da caça. E de tal forma passaram um mês. E reuniram os cães, e lá aguardaram por um ano.
Certa manhã, Pryderi e Manawyddan levantaram-se e foram caçar, levando seus cães do palácio. E alguns cães correram a frente e chegaram a um arbusto que estava perto; e logo que se aproximaram do arbusto, recuaram rapidamente com os pelos eriçados. “Aproximemo-nos do arbusto,” disse Pryderi, “e vejamos o que há nele.” E ao se aproximarem enxergaram um um javali selvagem de pelos brancos que saltou do arbusto. E então os cães começaram a persegui-lo; mas ele abandonou o arbusto e enfrentou os cães sem recuar, até os homens se aproximarem. E quando se aproximaram, ele fugiu pela segunda vez, e pôs-se a enfrentá-los. E então eles perseguiram o javali até avistarem um vasto e altivo castelo, recém construído, num lugar onde jamais havia-se visto pedra ou construções. E o javali correu rapidamente ao castelo, e os cães perseguiram-no. E então os homens começaram a indagar sobre o achado de um castelo em um lugar onde jamais havia-se visto qualquer tipo de construção. E do topo do Gorsedd observaram e escutaram os cães. Mas ao se aproximarem não ouviram nem cão ou coisa parecida.
“Senhor,” disse Pryderi, “Irei ao castelo procurar os cães.” “Na verdade,” respondeu, “não seria sábio ires ao castelo, castelo este que jamais havias visto. Se seguires meu conselho, não entrarás. Quem quer que lançou um feitiço nesta terra fez este castelo aparecer . “Realmente,” respondeu Pryderi, “Porém não posso desistir de meus cães.” E mesmo com os conselhos de Manawyddan, Pryderi entrou no castelo.
Ao entrar no castelo, Pryderi não avistou homem ou animal, nem javali ou cão, nem casa ou habitação. Mas no piso central do castelo ele contemplou uma fonte trabalhada em mármore, e na márgem da fonte um vaso dourado sobre um pedaço de mármore, e correntes que pendiam do ar, e que ele não podia ver o fim.
Contente com a beleza do ouro, e com o rico trabalho artesanal do vaso, Pryderi a ele dirigiu-se, e tomou-o em suas mãos. E ao pegar o vaso suas mão ficaram presas a este, e seus pés ao mármore onde o vaso se encontrava, e toda sua alegria esvaiu-se, e ele não mais podia dizer qualquer palavra. E assim permaneceu.
Manawyddan esperou-o até o fim do dia. E mais tarde, certo de que não teria notícias de Pryderi e dos cães, ele voltou ao palácio. E ao entrar, Rhiannon perguntou. “Onde estão teus cães e teu companheiro?” “Contemple.” Ele respondeu, “a aventura que me envolvi.” E Manawyddan então relatou o caso a Rhiannon. “Mal companheiro foste tu,” disse Rhiannon, “e bom companheiro tu perdeste.” E com tais palavras ela se retirou, e foi rumo ao castelo seguindo as direções que Manawyddan havia dado. Encontrou o portão do castelo aberto. Não se intimidou, e entrou no castelo. E ao entrar, percebeu que Pryderi encontrava-se segurando um vaso, e foi em sua direção. “Oh, meu senhor,” disse ela, “que fazes tu aqui?” E segurou o vaso junto com ele; e no mesmo instante suas mãos ficaram presas ao vaso, seus pés ao mármore, e seus lábios não mais conseguiam falar. E assim veio a noite, e trovões passaram sobre eles, e veio o cair da névoa, e então o castelo desapareceu, levando Pryderi e Rhiannon.
Quando Kicva , a filha de Gwynn Gloew, percebeu que não havia ninguém no palácio, exceto ela e Manawyddan, ficou tão triste que não mais se importava com a vida. E Manawyddan ao ver tal fato disse: “Estás errada, se por medo choras. E chamo os Céus como testemunha de que não hás visto amizade mais pura que a amizade que lhe darei, enquanto os Céus desejarem que continue assim. Eu declaro-lhe na alvorada da juventude que manterei minha fé em Pryderi, e em ti. Não mais temas,” ele disse, ”pois encontrarás toda a amizade que puderes, a amizade que poderei lhe dar, enquanto os céus desejarem que continuemos em tal dor e sofrimento.” “Que os céus lhe recompensem,” ela disse, “pois assim desejo.” E a donzela tomou coragem e ficou contente.
“Porém,” disse Manawyddan, “não devemos permanecer neste lugar, pois perdemos nossos cães e não podemos conseguir comida. Vamos a Lloegyr pois será mais fácil conseguir sustento lá.” “Que assim seja, senhor.” Respondeu Kicva. E assim foram juntos a Lloegyr.
“Senhor,” disse ela, “que ofício seguirás? Consigas um que seja decente.” “Nenhum outro conseguirei,” respondeu ele, “que não seja o de sapateiro, como anteriormente fui.” “Senhor,” disse ela, “tal ofício não cai bem a um homem de berço tão nobre como o senhor.” “De tal título entretanto, abrirei mão,” respondeu Manawyddan.
E assim Manawyddan começou a trabalhar utilizando apenas o melhor couro que pôde encontrar na cidade, e da mesma maneira que havia feito em outros lugares, utilizou fivelas ornamentadas para os sapatos. E exceto ele, todos os sapateiros da cidade estavam sem trabalho. Pois nenhum sapato que não fosse feito por Manawyddan era vendido. E de tal forma permaneceram em Lloegyr por um ano, até que os sapateiros ficaram com inveja, e decidiram por fim assassiná-lo.
“Senhor,” disse Kicva, “devemos tolerar ameaças de tais homens rústicos?” “Não,” respondeu, “Voltaremos a Dyved.”. E para Dyved eles foram.
Ora, Manawyddan ao iniciar o retorno a Dyved levou consigo um fardo de trigo. Foi até Narberth, e lá residiu. E nunca havia estado tão satisfeito, como no momento em que avistou Narberth outra vez, e os campos onde havia caçado com Pryderi e Rhiannon. Manawyddan acustumou-se a pescar e caçar cervos em seu esconderijo. E então começou a preparar o solo e semeou um quintal, e outro, e um terceiro. E nunca no mundo havia brotado um trigo tão bom. E os três quintais cresceram prosperamente, e jamais havia-se visto trigo tão belo.
E assim passaram as estações até a chegada da colheita. E Manawyddan se dirigiu a um dos quintais, e percebeu que estavam maduros. “Irei ceifá-lo amanhã,” disse. E naquela noite ele retornou a Narberth, e no acinzentado amanhecer ele foi ceifar o quintal; porém, encontrou apenas palha. Todos as cabeças de trigo haviam sido cortadas em seus caules, e levadas para longe, e apenas palha havia restado. E tal fato o surpreendeu grandiosamente.
Então Manawyddan decidiu ir a outro quintal, e percebeu que estava maduro. “Muito bem, disse, “ceifarei este quintal amanhã.” E no dia seguinte, percebeu que apenas palha havia restado neste quintal. “Oh, Céus gloriosos,” exclamou, “Bem sei que a pessoa que deu início à minha ruína está completando-a, e destruiu o país junto comigo.”
E então Manawyddan dirigiu-se ao terceiro quintal, e avistou o precioso trigo que também estava maduro. “Que o mal me tome,” ele disse, “se eu não vigiar este lugar hoje a noite. Quem levou o trigo anteriormente, virá levar este. E então saberei quem é.” E então tomou suas armas. E começou a vigiar o quintal. E contou a Kicva sobre tudo o que acontecera. “Muito bem,” disse ela, “que pensas fazeres?” “Vigiarei o quintal esta noite.” ele respondeu.
Assim sendo, Manawyddan pôs-se a vigiar o quintal. E a meia-noite, surgiu um enorme tumulto. Ao olhar direito, Manawyddan enxergou a maior hoste de ratos do mundo, que não poderia ser superada em números ou dimensão. E ele não sabia do que se tratava, até que os ratos se dirigiram ao ao quintal, e cada um deles ao escalar o caule do trigo, o entortava com o peso e de tal forma cortava as cabeças de trigo, deixando os caules. Manawyddan percebeu que não havia sequer um feixe de trigo sem um rato pendurado. E de tal forma fugiram, carregando todas as cabeças de trigo.
Furioso e encolerizado, Manawyddan partiu para cima dos ratos; porém, não conseguia alcançá-los, como se fossem moscas ou pássaros no ar, exceto um deles que lhe parecia o mais preguiçoso. Manawyddan então correu atrás do rato e o pegou, colocando-o em sua luva e amarrando-na com um cordão, voltando assim para o palácio. Chegando ao salão onde encontrava-se Kicva, ele acendeu um fogo e pendurou a luva num grampo. “Que tens aí, senhor?” perguntou Kicva. “Um ladrão,” disse ele, “que estava a roubar-me.” “Que tipo de ladrão é este, senhor, que cabe em tua luva?” perguntou ela. “Mostrarei-lhe,” ele respondeu. Então Manawyddan mostrou a Kicva como os campos haviam sido destruídos, e como os ratos haviam vindo ao último quintal, bem em frente aos olhos de Manawyddan. “E um deles, sendo o mais lento de todos, se encontra agora preso em minha luva; amanhã enforcarei-o, e perante aos Céus, se os tivesse, enforcaria todos.” “Meu senhor,” disse Kicva, “isso é surpreendente; porém, não me parece correto que um homem de tua dignidade comece a enforcar tais animais. E se fizeres o certo, não tocarás na criatura, e a deixará ir embora.” “Que a dor me encontre,” disse Manawyddan, “se eu não enforcar os ratos que conseguir apanhar.” “Muito bem, senhor,” disse ela. “não há razão para que eu socorra este animal, exceto para previnir a infâmia contra ti. Faça então, senhor, como desejares.” “Se eu conhecesse, senhora, alguma razão para socorrer tal animal, ouviria teu conselho,” disse Manawyddan, “como não conheço, estou determinado a destruí-lo.” “Faça-o então,” respondeu ela.
E assim ele foi ao Gorsedd de Narberth, levando o rato consigo. Então Manawyddan armou duas forquilhas na parte mais alta do Gorsedd. E enquanto fazia isso, avistou um sábio se aproximando, usando roupas velhas e esfarrapadas. E havia sete anos que Manawyddan não via homem ou animal em tal lugar, exceto as quatro pessoas que lá viveram juntas até dois deles se perderem.
“Meu senhor,” disse o sábio. “bom dia para ti.” “Que o Céus lhe tragam prosperidade, e minhas saudações. De onde vens, sábio?” perguntou Manawyddan. “Eu venho, senhor, cantando desde de Lloegyr; mas porque perguntas?” “Porque nos últimos sete anos,” respondeu Manawyddan, “não vi homem algum neste lugar, exceto quatro pessoas em exílio, e a ti neste momento.”
“Realmentem senhor,” disse o sábio, “Eu atravesso estas terras para chegar nas minhas. E o que fazes tu neste momento?” “Estou enforcando um ladrão que me roubava,” respondeu. “E que tipo de ladrão é esse?” perguntou o sábio. “Apenas vejo um rato em tuas mãos, e mal fazes um homem como tu em tocar tal criatura. Deixe-o ir.” “Não libertarei-o, pelos Céus,” disse Manawyddan, “Peguei-o roubando, e a desgraça trarei a tal animal, enforcando-o” “Senhor,” disse o sábio, “ “Para não ver um homem como tu fazer tal coisa, darei-lhe uma moeda que recebi de esmola, para que libertes o animal.” “Não libertarei-o,” respondeu ele, “Pelos Céus, também não venderei-o” “Como quiseres, senhor,” disse o sábio, “exceto que não gostaria de ver um homem de teu nível tocando tal animal; porém, não me importo.” E o sábio seguiu seu caminho.
E enquanto posicionava a haste entre as duas forquilhas, avistou um sacerdote vindo em sua direção, montado num cavalo coberto de trapos. “Bom dia para ti, senhor,” disse ele. “Que os Céus lhe tragam prosperidade,” disse Manawyddan; “Tua bênção.” “A bênçãos dos Céus para ti. E o que fazes, senhor?” “Estou enforcando um ladrão que me roubava,” respondeu Manawyddan. “E que espécie de ladrão é esse?” perguntou o sacerdote. “Um criatura,” respondeu, “na forma de um rato. Estivera roubando-me, e agora estou lhe dando a merecida penitência.” “Senhor,” disse o sacerdote, “prefiso comprar-lhe a liberdade, ao ver-te tocar este animal.” “Confesso aos Céus, que não venderei-o nem libertarei-o” “É verdade, senhor, que ele nada vale; porém, prefiro ofertar-lhe três moedas, ao ver-te cair em infâmia por tocar em tal animal.” “Não aceito, Céus,” respondeu Manawyddan, “preço algum por ele. Pois merece a forca.” “Pois então, senhor, faça como desejares.” E o sacerdote seguiu seu rumo.
Então Manawyddan amarrou o nó no pescoço do rato, e quando estava prestes a puxá-lo, viu o séquito de um bispo com seus cavalos de carga, e seus criados. E o bispo se aproximou, e observou o trabalho de Manawyddan. “Senhor bispo,” disse ele, “tuas bênçãos” “Bênçãos dos Céus para ti,” disse o bispo, “que fazes tu?” “Enforco um ladrão que me roubava,” disse ele. “Não é um rato que vejo em tuas mãos?” “Sim,” respondeu Manawyddan. “E roubava-me.” “Aye” disse ele, “já que cheguei na hora final deste animal, pagarei um resgate por ele. Ofereço-lhe sete moedas, para não ver um homem como tu destruir uma criatura vil como esta. Solte-o e terá o dinheiro.” “Declaro aos Céus que não soltarei-o” “Se não aceitas por tal quantia, darei-lhe quatro-e-vinte moedas pela liberdade do animal.” “Pelos Céus, não libertarei-o, nem por tal quantia.” respondeu Manawyddan. “Se não vai libertá-lo por tal quantia, darei-lhe todos os cavalos que vê nesta planície, e sete fardos da bagagem, e os sete cavalos que os carregam.” “Pelos Céus, não libertarei-o,” ele respondeu. “Se não vais libertá-lo de tal maneira, dê-me diga-me preço que desejas.” “Muito bem,” disse Manawyddan. “Desejo a liberdade de Rhiannon e Pryderi,” ele disse. “Tal preço terás.” respondeu o bispo. “Porém, não soltarei-o ainda.” “O que queres então?” “Que o feitiço e a ilusão sejam removidos dos Cantrevs de Dyved.” “Isso também terás, portanto liberte o rato.”
“Não libertarei-o, enquanto não souber quem ele é.” Disse Manawyddan. “É minha esposa.” Respondeu o bispo “Pois mesmo sendo tua esposa, não libertarei-a. Porque ela veio a mim?” “Para despojar-lhe de seus bens,” ele respondeu. “Eu sou Llwyd o filho de Kilcoed, e eu lancei o feitiço sobre os sete Cantrevs de Dyved. E o fiz para vingar Gwawl o filho de Clud, devido a amizade que tinha com ele. E tomei a vingança de Gwawl sobre Pryderi, pelo jogo do Texugo no Saco, que Pwyll Pen Annwn jogou com ele, desavidamente na Corte de Heveydd Hen. E quando foi conhecido que tu virias habitar estas terras, minha família pediu-me para transformá-los em rato, para virem destruir teu trigo. E foi minha própria família que veio na primeira noite, assim como na segunda, e destruíram tuas duas plantações. E na terceira noite, vieram minha esposa e as damas da Corte para transformá-las, e assim o fiz. Ela está grávida, e se não fosse por tal condição, não conseguirias pegá-la. Devolverei-lhe Pryderi e Rhiannon; e retirarei o feitiço e ilusão de Dyved. Já contei-lhe quem ela é, portanto liberte-a” “Pelos Céus, não libertarei,” disse Manawyddan. “O que mais desejas?” perguntou ele. “Desejo que não haja mais feitiços nos Cantrevs de Dyved, e que nenhum seja colocado a partir de agora.” “Tal desejo terás,” disse ele, “Agora solte-a” “Não irei,” disse Manawyddan, “ enquanto não tiver certeza de que a vingança não cairá sobre Pryderi, Rhiannon, ou sobre mim.” “Tens minha palavra. E fizeste bem em pedir tal coisa. Em sua cabeça cairia todo tipo de problema.” “Sim,” disse ele, “por tal medo, pedi tua palavra.” “Pois bem, solte minha mulher” “Soltarei-a” disse Manawyddan, “Após ver Pryderi e Rhiannon soltos.” “Pois aqui estão,” respondeu.
E então Manawyddan avistou Pryderi e Rhiannon. E foi encontrá-los. Saudou-os, e sentou ao seu lado. “Ah, Chefe, liberte agora minha esposa,” disse o bispo. “Libertarei-a com alegria.” Disse Manawyddan. E então libertou-a
Então Llwyd tocou-a com seu cajado mágico, e ela retornou a forma de uma jovem, a mais bela já vista.
“Olhe envolta e contemplem suas terras,” disse ele, “e verão que tudo e todos, estão em seu melhor estado.” Manawyddan olhou a frente, e viu que a terra estava em bom estado, cheia de gado e habitações.
“Que prisão,” perguntou Manawyddan, “segurava Pryderi e Rhiannon?” “Pryderi tinha os knockers**do portão de meu palácio em seu pescoço, e Rhiannon foi presa após carregarem o feno em seu pescoço. Esta era a prisão dos dois.
E devido a tal prisão, esta história foi chamada de Mabinogi de Mynnweir e Mynord.
E assim termina esta parte do Mabinogi.



Notas:
* Cantref (plural Cantrevs): Medida galesa medieval, para divisões. 1 Cantref equivale a 100 unidades.

** Knocker: Pequena criatura elemental do folclore galês. Equivale ao leprechaun irlandês, e tem seu nome originado do seu hábito de bater nas paredes das minas mostrando onde existem veios de metais preciosos. São famosos por pregar peças.

28/05/2010

O Duende da Mercearia





Era uma vez um estudante, um autêntico estudante; vivia num sótão e não possuía nada. E era uma vez um merceeiro, um autêntico merceeiro; vivia no rés-do-chão e era dono do prédio inteiro. E foi por isso que o duende decidiu morar com o merceeiro. Além disso, todos os Natais recebia uma tigela de papa de aveia com um grande pedaço de manteiga lá dentro. O merceeiro tinha posses para isso, de maneira que o duende continuava a morar na loja. Há por aqui algures uma moral, se a procurarem bem.

Uma noite, o estudante entrou na mercearia pela porta das traseiras para comprar um pedaço de queijo e velas. Fez as compras e depois pagou, e o merceeiro e a mulher acenaram-lhe com a cabeça e disseram «boa noite». A mulher, contudo, era bem capaz de fazer mais do que acenar; era muito faladora — falava, falava, falava. Tinha o que se chama o hábito de falar pelos cotovelos, disso não havia dúvida. O estudante também fez um aceno — e foi nessa altura que viu qualquer coisa escrita no papel que embrulhava o queijo e parou para ler. Era uma página de um velho livro de poemas, uma página que nunca devia ter sido arrancada.

— Tenho aqui mais desse livro, se quiser — disse o merceeiro. — Dei a uma velhota alguns grãos de café por ele. Pode ficar com o resto por seis dinheiros, se estiver interessado.

— Obrigado — respondeu o estudante. — Dê-mo em vez do queijo. Passo bem só com pão. É uma pena usar um livro destes para papel de embrulho! O senhor é muito boa pessoa e bastante prático, mas percebe tanto de poesia como aquela banheira ali ao canto.

Ora isto foi uma frase indelicada, especialmente aquela parte respeitante à banheira, mas o merceeiro riu-se, e o estudante também; afinal de contas, fora apenas uma brincadeira. Mas o duende ficou aborrecido por alguém se atrever a falar assim com o merceeiro — ainda por cima o senhorio, uma pessoa importante que era dono do prédio todo e vendia manteiga da melhor qualidade.

Nessa noite, quando a loja estava fechada e toda a gente, excepto o estudante, estava na cama, o duende entrou no quarto do merceeiro em bicos de pés e roubou à mulher do merceeiro o dom de falar pelos cotovelos, porque ela não precisava dele enquanto dormia. A seguir, fez com que cada objecto em que tocava ficasse capaz de exprimir as suas opiniões tão bem como a mulher do merceeiro. Mas só podia falar um de cada vez, o que era uma bênção, se não desatavam todos a falar ao mesmo tempo.

Primeiro, o duende deu o dom de falar pelos cotovelos à banheira onde se guardavam os jornais velhos.

— É mesmo verdade que não percebes nada de poesia? — perguntou.

— Claro que percebo! — respondeu a banheira. — A poesia é uma coisa que vem no fim das folhas dos jornais e que as pessoas costumam recortar. Acho até que tenho mais poesia dentro de mim do que o estudante; e, apesar disso, sou apenas uma humilde banheira, comparada com o merceeiro.

Depois, o duende deu o dom de falar pelos cotovelos ao moinho de café. Meu Deus, que chinfrineira! Depois, deu-o ao pote de manteiga, e depois à caixa registadora. Todos eram da mesma opinião da banheira e as opiniões da maioria têm de ser respeitadas.

— Agora posso pôr o estudante no seu lugar! — exclamou o duende.



E lá foi em bicos de pés, pela escada das traseiras acima, até ao sótão onde morava o estudante. Havia luz lá dentro. O duende espreitou pelo buraco da fechadura e viu o estudante a ler o velho livro da loja.

Que grande claridade havia no quarto! Do livro saía um brilhante raio de luz, que se tornou num tronco de árvore, de uma nobre árvore que subiu e espalhou os seus ramos por cima do estudante. As folhas eram novas e verdes, e cada flor tinha o rosto de uma linda rapariga, algumas com olhos escuros e misteriosos e outras com olhos azuis cintilantes. Cada fruto era uma estrela luminosa e o ar estava impregnado de um belo som de canções.

O duende nunca tinha visto nem ouvido falar de tais maravilhas; e muito menos seria capaz de as imaginar. Portanto, ficou ali à porta, em bicos de pés, a espreitar, de olhos muito abertos, até que a luz se apagou. O estudante devia ter assoprado a vela e ido para a cama — mas o duende continuava sem ser capaz de arredar pé. Parecia-lhe ouvir a linda música, que ainda ecoava no ar, ajudando o estudante a adormecer.

— Isto custa a crer — murmurou o duende para consigo. — Nunca esperei nada do género. Acho que vou ficar no sótão com o estudante. — Depois pensou um bocado e suspirou: — Tenho de ser sensato; o estudante não tem papas de aveia.

E portanto, é claro, voltou para baixo, para a mercearia. Ainda bem que o fez, porque a banheira tinha quase esgotado o dom de falar pelos cotovelos, contando todas as notícias dos jornais que estavam guardados dentro dela. Tinha falado para um lado e estava prestes a virar-se para o outro e a continuar quando o duende devolveu o dom de falar pelos cotovelos à mulher do merceeiro adormecida. E, a partir dessa altura, todas as coisas da loja, desde a caixa registadora até à lenha, seguiram as opiniões da banheira; tinham-lhe tanto respeito que, depois daquilo, quando o merceeiro lia nos jornais críticas de peças ou de livros, pensavam que ele tinha aprendido tudo com a banheira.

Mas o duende já não aguentava ficar ali sentado a ouvir toda a sabedoria e bom senso pronunciados na loja; assim que via luz através das frinchas da porta do sótão, parecia ser atraído para lá por cordelinhos, e tinha de subir a escada e pôr-se a espreitar pelo buraco da fechadura. Sempre que o fazia, sentia-se invadido por uma sensação de indizível grandeza — a espécie de sensação que se tem quando se vê o mar encapelado com ondas tão fortes que o próprio Deus podia vir montado nelas! Que maravilha seria sentar-se debaixo da árvore com o estudante! Mas era impossível.

Entretanto, contentava-se com o buraco da fechadura. Olhava através dele todas as noites, ali parado no patamar deserto, mesmo quando o vento do Outono começou a soprar pela clarabóia, fazendo-o quase morrer de frio. Mas ele nem o sentia até a luz se apagar no quartinho do sótão e a música se calar a pouco e pouco, ficando apenas o uivar do vento. Brr! Então, sentia como estava gelado e descia sem fazer barulho para o seu canto secreto da loja, quente e confortável. Em breve viria a tigela de papas de aveia do Natal, com o seu grande pedaço de manteiga. Sim, o merceeiro era a escolha certa.

Mas uma noite, já bem tarde, o duende acordou com uma grande agitação à sua volta. Estavam pessoas a bater nos estores, o guarda-nocturno apitava: havia fogo, e toda a rua parecia estar em chamas. Que casa é que estava a arder? Aquela ou a do lado? Onde era o fogo? Que gritos! Que pânico! Que agitação! A mulher do merceeiro estava tão desorientada que tirou os brincos de ouro das orelhas e meteu-os num bolso, para salvar pelo menos alguma coisa... O merceeiro foi a correr buscar os seus valores, a criadita foi buscar o seu xaile de seda que tinha comprado com o ordenado. Toda a gente foi a correr buscar aquilo a que dava mais valor.

E o duende fez o mesmo. Num pulo ou dois subiu a escada e entrou no quarto do estudante, que estava calmamente à janela, vendo o incêndio na casa em frente. O duende pegou no livro maravilhoso, que estava em cima da mesa, meteu-o dentro do boné vermelho e agarrou-se a ele com os dois bracitos. A coisa mais preciosa da casa estava salva!

Depois, foi a correr para cima do telhado, mesmo para o alto da chaminé, e ficou ali sentado, iluminado pelas chamas da casa a arder do outro lado da rua, sempre firmemente agarrado ao boné vermelho com o tesouro lá dentro.

Agora sabia para onde o seu coração o puxava: estudante?, merceeiro? — a escolha era clara.

Mas, quando o fogo ficou extinto e o duende já tinha tido tempo para pensar com mais calma, bem...

— Divido o tempo entre eles — decidiu. — Não sou capaz de abandonar o merceeiro, por causa das papas de aveia.

Mesmo coisa de ser humano, francamente! Também nós gostamos de nos dar bem com o merceeiro por causa das papas de aveia.

Hans Christian Andersen

27/05/2010

A fonte da juventude


A fonte da juventude é uma fonte que, segundo a lenda, possui águas capazes de rejuvenescer a pessoa que bebê-las.

A história ainda conta que a fonte foi descoberta pelos árabes há muito tempo. Porém ela foi roubada pelos bárbaros, que, por sua vez, foram amaldiçoados pelo líder da aldeia e o barco onde eles partiram afundou, levando a fonte da juventude junto com ele. Desde então algumas pessoas acreditam que a fonte, por não ser natural e conter águas muito puras, não foi atingida pelo mar e flutua pelo oceano até que um dia vai bater em alguma margem (se ainda não bateu).

No entanto, alguns historiadores acreditam e ostentam testemunhos de que a fonte se encontra no Ártico, onde a água da fonte concedeu seus poderes às águas do oceano Ártico. Agora, supõem eles, a pessoa que se banhar nua em noites de Lua cheia nas águas mornas da parte do Ártico mais próxima do Pólo Norte será abençoada com a imortalidade.

Outros dizem que a fonte da juventude esta em pleno Oceano, em uma ilha ainda não classificada e que se alguem chegue a bebe-la será teleportado para o passado. Em alguns filmes como Piratas do Caribe no final se pode ver um mapa para a fonte da Juventude.


A cadeira musical


Era uma cadeira que sabia música. Uma pessoa sentava-se nela e a cadeira começava a tocar.
– É uma cadeira caixinha de música. Tem molas especiais que fazem "clique", quando uma pessoa se senta na cadeira e, então, a caixinha de música começa a tocar – explicava quem sabia destes mecanismos de cadeiras musicais.
Talvez fosse, realmente, assim. O certo é que, um dia, a cadeira se avariou. Deixou de tocar música. Passou a ser uma cadeira banal, igual a milhões de outras que não tocam.
– Deve estar com as molas gastas – disse a velha e gorda senhora, dona da cadeira. – Vou mandar arranjá-la.
Mas na oficina das cadeiras desenganaram-na:
– Já não há quem arranje dessas cadeiras.
Voltou a cadeira para casa da senhora que, às vezes, com saudades de outros tempos, nela se sentava, evocando a musiquinha que a cadeira, dantes, tocava.
A velha e gorda senhora lembrava-se de quando era nova, leve e gentil e ia, às escondidas da avó, sentar-se na cadeira com música.
– Tlim, tlim, tlim e mais tlim – tocava a cadeira, à volta da menina.
Que saudades! A senhora largou um imenso suspiro e foi atender à porta, porque a campainha repicara. Era uma amiga com o sobrinho, um miúdo tímido, escondido atrás da sombra da tia.
– Entrem para a sala – convidou a velha senhora.
Logo aconteceu que o menino se foi sentar na cadeira avariada. E não é que ela, sem mais quê nem porquê, ao leve peso do garoto, começou a tocar?
O miúdo saltou, assustado, e a cadeira calou-se. Então, a velha senhora explicou o mecanismo da cadeira e tudo voltou ao certo.
Naquela tarde, a cadeira tocou que foi um regalo ouvir.
– Eu já devia estar muito pesada para a sensibilidade da cadeira – concluiu a senhora.
E logo ali ficou combinado que o menino, sempre que quisesse, podia vir visitar a senhora. E a cadeira. As duas teriam muito prazer em recebê-lo.

António Torrado

23/05/2010

As garças

O rei era um bom rei, porém tinha muitos inimigos. As garças, leais e fiéis, estavam preocupadas. Havia sempre a possibilidade, principalmente à noite, dos inimigos cercarem o palácio e aprisionarem o rei.
- Que devemos fazer? - pensaram elas - os soldados, que deveriam estar de guarda, estão dormindo. Não podemos confiar nos cães, pois estão sempre caçando e sempre cansados. Nós é que temos que guardar o palácio e deixar nosso rei dormir em paz.
Então as garças decidiram tornarem-se sentinelas. Dividiram-se em grupos, e cada grupo zelava por uma área, com mudanças de guarda em horas determinadas.
O grupo maior postou-se no prado que cercava o palácio. Outro grupo colocou-se do lado de fora de todas as portas. E o terceiro decidiu ficar no quarto do rei, a fim de vigiá-lo o tempo todo.
- E se nós adormecermos? - perguntaram algumas garças.
- Temos um modo de evitar adormecermos - respondeu a mais velha de todas - cada uma de nós vai ficar segurando uma pedra com o pé que estiver levantado enquanto permanecermos paradas. Se uma de nós dormir, a pedra cairá e o barulho a acordará.
Todas as noites, desde então, as garças vigiam o palácio, mudando a guarda de duas em duas horas. E nenhuma, ainda, deixou cair a pedra.

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22/05/2010

Clarinha



Havia numa terra uma rainha, com uma filha muito linda chamada Clarinha, a qual estava tratada para casar com um príncipe logo que chegasse à idade em que havia de receber o reino de sua mãe, que o estava governando. Clarinha costumava ir todos os dias ao jardim; um dia passou uma águia, e todas as vezes que passava lhe dizia:
— Clarinha, Clarinha, qual queres, passar trabalhos na mocidade ou na velhice?
A princesa foi dizê-lo à rainha, e ela lhe respondeu:
— Diga a menina: Antes na mocidade, que se pode com tudo, e na velhice não se pode com nada.
Clarinha foi para o jardim como o seu costume, e a águia tornou a dizer o mesmo. No ponto que a princesa disse: «Antes na mocidade», a águia levou-a pelo ar fora e foi deitá-la na terra onde vivia o príncipe com quem tinha tratado o casamento. Clarinha não conhecia ali ninguém a não ser a rainha e o príncipe, mas não se podia falar com eles sem requerimento, e ela não o tinha. Foi ter a uma padaria, e pediu para ser criada. A padeira tomou-a; indo um dia para fora, deixou para Clarinha cozer uma fornada de pão já amassado. A menina com medo fechou todas as portas e janelas para a águia não entrar, mas ela sempre entrou pela chaminé e esborralhou-lhe o forno sobre o pão, quebrou-lhe os alguidares e muita loiça, e fugiu. Chegando a padeira, deu muitas pancadas em Clarinha e pô-Ia no andar da rua. Por mais que pedisse e chorasse, a padeira não acreditava. Foi a menina ter com um vendeiro, para o servir; saindo este um dia, deixou-a na tenda. Com medo ela fechou-se por dentro, mas a águia sempre entrou e quebrou copos, medidas e garrafas, e destapou as pipas. Quando o vendeiro chegou achou tão grande destroço, e sem se importar com o que dizia Clarinha, deu-lhe muitas bofetadas e pô-la logo na rua. Clarinha foi ter dali ao palácio, não se dando por conhecida, e ofereceu-se para criada do príncipe. A rainha disse que não precisava de mais criadas. O príncipe acudiu:
— Tome-a, minha mãe, ainda que seja para vigiar as patas.
— Pois sim; que entre.
Todos os dias morriam as patas que ela vigiava, e o príncipe vendo que ela chorava tanto, pediu à rainha que a tomasse por costureira. Passados tempos, o príncipe aprontou-se para ir ver a sua noiva, e chegando ao pé das aias disse:
— Que querem que eu lhes traga da terra aonde vou?
Todas elas lhe pediram alguma coisa, menos a Clarinha. O príncipe insistiu com ela para que dissesse o que queria de lá.
— Traga-me Vossa Alteza uma pedra do palácio.
O príncipe partiu, e ao chegar ao palácio da sua noiva ouviu que tudo estava de luto pela falta da princesa. Muito triste ficou, e no mesmo instante comprou tudo que as criadas lhe tinham pedido, e a pedra para Clarinha, e partiu. Chegou cá muito triste e alguma coisa desconfiado de quem seria Clarinha. Entregou-lhe a pedra, e para saber o que ela quereria fazer disso, meteu-se debaixo da cama, quando a criada deu volta. Quando ela veio para o seu quarto, fechou-se por dentro e cuidando que não estava ninguém, começou a dizer à pedra isto:
— Pedra do palácio de meu pai, vou contar-te a minha vida.
E contou desde os passeios do jardim e da águia, até ali. E no fim de tudo a pedra deu um estoiro, e Clarinha disse:
— Abre-te, pedra, numa roda de navalhas, que me quero deitar nelas.
O príncipe então saiu debaixo da cama, e abraçou-a dizendo:
— Porque não me contaste teus males, querida Clarinha?
Porque logo que a águia queria que eu passasse trabalhos, quis passá-los enquanto era nova, porque sempre tinha alguma esperança.
Dali a um momento os dois príncipes casaram-se, e foram ter com a rainha mãe da princesa, que ficou muito satisfeita e veio viver com eles.


(Ilha de S. Miguel — Açores)
In: Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português



20/05/2010

A boneca e a rosa branca





Apressada, entrei em um shopping center para comprar alguns presentes de última hora para o Natal. Olhei para toda aquela gente ao meu redor e me incomodei um pouco. "Ficarei aqui uma eternidade; com tantas coisas para fazer", pensei. O Natal já havia se transformado quase em uma doença. Estava pensando em dormir enquanto durasse o Natal. Mas me apressei o máximo que pude por entre as pessoas que estavam no shopping. Entrei numa loja de brinquedos. Mais uma vez me surpreendi reclamando para mim mesma sobre os preços. Perguntei-me se os meus netos realmente brincariam com aquilo. Parti para a seção de bonecas. Em uma esquina encontrei um menino de aproximadamente 5 anos segurando uma boneca bem cara. Estava tocando seus cabelos e a segurava com muito carinho. Não pude me conter; fiquei olhando para ele fixamente e perguntava-me para quem seria a boneca que ele segurava com tanto apreço,quando dele se aproximou uma mulher que ele chamou de tia. O menino lhe perguntou: "Sabe que não tenho dinheiro suficiente?". E a mulher lhe falou com um tom impaciente: "Você sabe que não tem dinheiro suficiente para comprá-la". A mulher disse ao menino que permanecesse onde estava enquanto ela buscava outras coisas que lhe faltavam. O menino continuou segurando a boneca. Depois de um tempo, me aproximei e perguntei-lhe para quem era a boneca. Ele respondeu: "Esta é a boneca que minha irmãzinha tanto queria ganhar no Natal". Ela estava certa de que Papai Noel iria trazê-la". Então eu disse ao o menino que o Papai Noel a traria. Mas ele me disse: "Não, Papai Noel não pode ir aonde minha irmãzinha está. Eu tenho que entregá-la à minha mãe para que ela leve até a minha irmãzinha". Então eu lhe perguntei onde estava a sua irmã. O menino, com uma feição triste, falou: "Ela se foi com Jesus. Meu pai me disse que a mamãe irá encontrar-se com ela". Meu coração quase parou de bater. Voltei a olhar para o menino. Ele continuou: "Pedi ao papai para falar para a mamãe para que ela não se vá ainda. Para pedir-lhe para esperar até que eu volte do shopping". O menino me perguntou se eu gostaria de ver a sua foto e respondi-lhe que adoraria. Então, ele tirou do seu bolso algumas fotografias que tinham sido tiradas em frente ao shopping e me disse: "Vou pedir para o papai levar estas fotos para que a minha mãe nunca se esqueça de mim. Gosto muito da minha mãe, não queria que ela partisse. Mas o papai disse que ela tem que ir encontrar a minha irmãzinha". Me dei conta de que o menino havia baixado a cabeça e ficado muito calado. Enquanto ele não olhava, coloquei a mão na minha carteira e retirei algumas notas. Pedi ao menino para que contasse o dinheiro novamente. Ele se entusiasmou muito e comentou:"Eu sei que é suficiente". E começou a contar o dinheiro outra vez. O dinheiro agora era suficiente para pagar a boneca. O menino, em uma voz suave,comentou : "Graças a Jesus por dar-me dinheiro suficiente". Ele falou ainda: "Eu acabei de pedir a Jesus que me desse dinheiro suficiente para que eu comprar esta boneca para a mamãe levar até a minha irmãzinha. E Ele ouviu a minha oração. Eu queria pedir-Lhe dinheiro suficiente para comprar uma rosa branca para a minha mãe também, mas não o fiz. Mas Ele acaba de me dar o bastante para a boneca da minha irmãzinha e para a rosa da minha mãe. Ela gosta muito de rosas brancas...". Em alguns minutos a sua tia voltou e eu, desapercebidamente, fui embora. Enquanto terminava as minhas compras, com um espírito muito diferente de quando havia começado, não conseguia deixar de pensar naquele menino. Segui pensando em uma história que havia lido dias antes num jornal, a respeito de um acidente, causado por um condutor alcoolizado, no qual uma menininha falecera e sua mãe ficara em estado grave. A família estava discutindo se deveria ou não manter a mulher com vida artificial. Logo me dei conta de que aquele menino pertencia a essa família. Dois dias mais tarde li no jornal que a mulher do acidente havia sido removida das máquinas que a mantinham viva e morrido. Não conseguia tirar o menino da minha mente. Mais tarde, comprei um buquê de rosas brancas e as levei ao funeral onde estava o corpo da mulher. E ali estava; a mulher do jornal,com uma rosa branca em uma de suas mãos, uma linda boneca na outra, e a foto de seu filho no shopping. Eu chorava e chorava... Minha vida havia mudado para sempre. O amor daquele menino pela sua mãe e irmã era enorme. Em um segundo, um condutor alcoolizado havia destroçado a vida daquela criança.
"OS AMIGOS SÃO ANJOS QUE AJUDAM A COLOCAR-NOS DE PÉ NOVAMENTE QUANDO NOSSAS ASAS
SE ESQUECEM COMO VOAR"

18/05/2010

De aluna a professora

A minha priminha Aldinha, desde que aprendeu a ler, não pára. Lê tudo: BOLACHAS MARIA, SUPER POP LIMÃO, FÓSFOROS QUINAS, TALCO, CUIDADO COM O CÃO, COMPOTA NATURAL, CORREIOS, TV-GUIA, SONY, ORATOL, VIARCO N°2, CASCAIS, BOMBEIROS, CREME NÍVEA… Até lê, sem se atrapalhar nem tossir, MUCOSOLVAN XAROPE. Fantástico!

Desde que aprendeu a ler, a minha priminha Aldinha tem uma pena infinita dos que não sabem ler. E, levada pelo impulso de a todos proporcionar a mesma descoberta encantada da palavra escrita, mal aprendeu a ler, logo quis ensinar.

Começou pelo gato Badameco. Pôs-lhe o livro à frente, mas o gato bocejou à primeira página, espreguiçou-se, desenrolou-se, enrolou-se e fechou os olhos. Um preguiçoso. Assim não vai avançar na vida. Ficará para sempre um gato analfabeto.

Tentou, depois, com o Pimpas, mas o cão, antes da aula, quis provar o livro e foi um sarilho para, depois, lho tirar da boca.

— Não é assim que se lê — zangou-se a Aldinha, a tentar pôr ordem nas folhas descoladas pela demasiada vontade de saber do Pimpas.

— Ignorantes. Um só queria dormir. O outro só queria brincar. Ora a vida não é só descanso e brincadeira. Há que aprender. Há que aprender pelos livros. Há que trabalhar — dizia a minha prima Aldinha.

A Aldinha, então, lembrou-se de que lhe tinham dado boas informações de um bichito por todos considerado como muito trabalhador, muito diligente.

Qual? A formiga.

É de uma persistência! Ela própria vira uma formiga carregar um niquito de bolo e não o largar, puxa daqui, empurra de acolá, até se escapulir, com ele às costas, por uma fenda do soalho.

Tão laboriosas já eram, que, se soubessem ler, do que elas não seriam capazes! Por isso a minha priminha Aldinha decidiu instruir, por junto, todo um formigueiro.

Abriu o livro das primeiras leituras, ao deitado, junto a um carreirinho. Depois, chamou a atenção das formigas com uns grãozinhos de açúcar.

Claro que elas vieram ao petisco. Enquanto se deliciavam, à volta do açúcar e das letras, a minha prima apontava: A. tua tia Tila é tola e A tua tia Tila entalou a tola e A tua tia Tila tem a tola com tala e tela.

Realmente, o desenho mostrava uma senhora de olhos esbugalhados, sentada numa cama, com a cabeça enrolada, em estilo de turbante hospitalar.

Não faço ideia o que pensaram desta desastrada tia as formigas do carreiro. Pouco bem, acho eu. Entretanto, a minha prima, por sua vez, achou que devia mudar de lição. Deixou umas tantas formigas atrasadas às voltas da tia Tila e passou para A pala da Paula é de napa, outra interessantíssima história, que dava gosto ler.

E por aí fora. Os progressos das formigas eram evidentes, sobretudo quando atraídas com açúcar para os deveres escolares.

— Mas elas sabem mesmo ler? — intriguei-me eu.

— Claro que sabem — respondeu-me a priminha. — Ainda ontem as vi, agarradas a uns bocados de jornal, que alguém deixou no meio da mata, no Domingo passado.

— Gostam de notícias frescas — comentei. — E escrever, escrevem?

— Claro que escrevem, mas com uma letra muito pequenina.

Pareceu-me natural. Tudo tem a sua proporção. Só a minha priminha Aldinha escapa a esta lei. Tão pequenina e já tão diligente, tão responsável, tão paciente. Qualidades que fazem uma autêntica professora.

É o que ela vai ser, quando for crescida. Professora de crianças, está visto, porque as suas alunas formigas, essas, nessa altura já devem andar na Universidade.

Vamos até combinar uma coisa.

Quando também vocês lá chegarem, ponham os olhos no chão e procurem-nas. É que vão encontrá-las, pela certa, a caminho da cantina universitária. Uma atrás da outra, incansáveis. São as disciplinadas formigas da minha priminha Aldinha. Quem começa bem, vai longe.


António Torrado
Trinta por uma linha


17/05/2010

Avalon

Ficheiro:Bardsey-island.jpg

Avalon é uma ilha lendária em algum lugar da Ilhas Britânicas ou da França, ligada à lenda do rei Artur.

Geoffrey de Monmouth deixou o mais antigo registro da Insula Avallonis (em galês, Ynys Avallach), em sua Historia Regum Britanniae (1136). Segundo ele e a literatura que o seguiu, Avalon é o lugar onde o rei Artur foi levado para curar suas feridas depois de lutar contra Mordred na Batalha de Camlann. Segundo a tradição galesa e bretã, Artur estava vivo voltaria um dia para liderar seu povo contra seus inimigos, apesar de versões posteriores e mais racionalistas da lenda terem afirmado que ele realmente morreu e foi sepultado em Avalon. Também em Avalon teria sido forjada a espada Caliburn (depois chamada Excalibur). Geoffrey voltou a mencionar a ilha na Vita Merlini (1150), na qual descreve Morgana como a líder das nove irmãs que viviam em Avalon.


O Toino distraído



O Toino era muito distraído.
A mãe, quando ele saía para a escola, cobria-o de recomendações:
- Cuidado ao atravessares a rua, Toino. Olha para a esquerda e olha para a direita, vê se não vem nenhum carro e só depois é que atravessas. E sempre nas passagens zebradas.
- Sim, mãe - dizia o Toino, mas a pensar noutra coisa.
- E toma cuidado onde pões os pés. E não tropeces. E mantém sempre os atacadores apertados.
- Sim, mãe - dizia o Toino.
- E não converses com desconhecidos. E cumprimenta sempre os conhecidos. E porta-te bem.
- Sim, mãe - dizia o Toino.
Se estivéssemos com atenção, quase que podíamos ver as falas da mãe entrarem em fila por um ouvido e saírem pelo outro, na mesma enfiada certinha. Aquilo em que o Toino estava a pensar é que já não se podia ver, porque a cabeça das pessoas não é tão transparente como um aquário. Nem convinha que fosse.
O Toino atravessava a rua, ao calhas. Guinchavam automóveis, em travagens assustadoras. Automobilistas barafustavam:
- Assim não vais longe, palerma.
Ele nem reparava. A olhar para o ar, escorregava em cascas de fruta (quando não era coisa pior...), tropeçava em caixas, à porta de lojas, e os atacadores mal apertados, num instante se desapertavam. Ele, indiferente.
- Bom dia - cumprimenta o Toino.
Por sinal que era um desconhecido. Em contrapartida, uma pessoa conhecida falava-lhe:
- Olá Toino, como estás?
E ele, nada.
Não era por má-criação. Era por distracção.
Só numa coisa correspondia à risca aos preceitos da mãe. O Toino não se portava mal. Não era um gandulo travesso que porfiasse em cometer ruindades. Lá isso, não. O Toino era bom rapaz. Muito distraído, mas bom rapazinho.
Mais pena me fez quando soube que tinha sido atropelado. Atravessou sem cautelas e um automóvel tropeçou nele. O Toino foi parar ao hospital.
Estive lá, ontem, a vê-lo. Todo ligado e engessado, o Toino vai ter muito tempo para pensar.
Depois da visita, a mãe dele saiu comigo. Estava muito abalada, como se imagina. E um pouco intrigada, também. A senhora, à porta do hospital, confidenciou-me:
- O meu filho, com o desastre, ficou meio azamboado. Calcule que, à despedida me recomendou: ?A mãe tome cuidado onde tropece. Antes de atravessar a rua, cumprimente sempre para a direita e para a esquerda e veja se não vem nenhum desconhecido. Só atravesse nas passagens com atacadores apertados."
Efeito do choque. Mas há-de recompor-se. Estou mesmo convencido de que o Toino, ultrapassada esta balbúrdia de ideias em salada, vai ficar outro, capaz até de passar a ser ele a dar bons conselhos à mãe, quando ela descer à rua:
- Cuidado ao atravessares, mãe. Olha para a esquerda e para a direita, vê se não vem nenhum carro e só depois é que atravessas. Etc. Etc. E porta-te bem, mãe. Porta-te bem.
Acredito que a senhora vá cumprir às riscas as recomendações do filho.


António Torrado

15/05/2010

O moinho de café, a bandeja e o bastão

ERA UMA VEZ um pobre lenhador que tinha uma esposa e sete filhas. Ele trabalhava bastante mas, apesar disso, continuava muito pobre. Assim se passaram vários anos.
Um dia, cortando árvores, de repente viu à sua frente um homem preto que lhe perguntou: — Por que você corta minha cabeça todo dia:
A resposta do lenhador foi: — Senhor, tenho em casa uma mulher e sete filhas para alimentar. Derrubar árvores é o único meio que sei de conseguir dinheiro. Vendo a madeira e assim não morremos de fome, embora passemos necessidades.
O coração do preto transbordou de piedade. Disse: — Darei a você um moinho de café que produzirá tanta comida quanto você o desejar. Mas não venha aqui novamente.
O lenhador chorou de alegria, beijou o negro, bendisse-o e agradececeu-lhe. Pegou as ferramentas e o moinho de café e dirigiu-se para casa. Durante o caminho, descansou e, como estivesse com fome, decidiu experimentar o moinho. Disse: — Moinho, dê-me arroz, carne e pão. — E dizendo isso, fechou os olhos. Quando os abriu, achou a comida à sua frente. Terminou a refeição e encaminhou-se rapidamente para casa.
Contou à família, alegremente, sobre a aparição do negro e seu presente maravilhoso. E toda a família agradeceu a Deus no céu por sua misericórdia e providência. Imediatamente, desejaram uma refeição sadia e substancial. E lá estava ela.
Assim viveram felizes a semana inteira.
Na vizinhança, viva uma velhina que os visitava de vez em quando. Um dia, uma semana depois que o lenhador trouxe para casa o moinho, apareceu ela para visitá-los e, como de costume, perguntou-lhes: — Como vão as coisas?
Uma das filhas alardeou: — Muito bem. Papai não trabalha mais. Possuímos um moinho maravilhoso, que nos provê de tudo o que desejamos.
Assim, a velhinha decidiu conseguir esse moinho para si. Um dia, visitou-os novamente quando outra filha estava em casa. Pediu-lhe o moinho emprestado, pois ela queria moer alguns grãos de café e não possuía moinho. — Devolverei o moinho dentro de umas três horas — prometeu. E o moinho lhe foi entregue. É claro que, em vez de devolver o moinho milagroso, trouxe de volta um moinho qualquer, apesar de ser quase idêntico ao moinho do lenhador.
O pai voltou à noite, dirigiu-se ao moinho na forma costumeira, mas, por Deus!, o moinho não funcionou. As filhas lhe contaram sobre a visita da velhinha e o pai lhes deu uma boa surra. Naquela noite, comeram os restos da refeição anterior e, no dia seguinte, ele pegou as ferramentas e foi novamente à floresta para abater árvores.
Começou a cortar a primeira árvore — e, novamente, quem aparece? Nada mais nada menos que o homem preto! E ele falou ao lenhador: — Não lhe dei um moinho maravilhoso, a fim de que você não aparecesse mais aqui? Por que está cortando a minha cabeça novamente?
O lenhador respondeu: — Senhor, minhas estúpidas filhas deram o moinho a uma velhinha e ela não o devolveu. Por isso, preciso voltar a trabalhar.
O negro pensou um momento e disse: — Vou lhe dar uma segunda oportunidade. Aqui está uma bandeja que produzirá quanto dinheiro você desejar. Mas não volte mais aqui.
Encheu-se novamente de alegria o coração do lenhador. No caminho, experimentou a bandeja: — Bandeja, bandeja, dê-me dinheiro! — E lá estavam moedas de ouro e de prata. Novamente contou à esposa e às filhas seu segundo encontro com o negro, e novamente todos agradeceram a Deus no céu por sua misericórdia e benevolência. Desta vez o lenhador avisou a todas que não emprestassem a bandeja a vizinho algum.
Passou-se uma semana em alegria e fartura, de novo apareceu a velhinha para fazer uma visita. E outra vez o lenhador não estava em casa. Traiçoeiramente, ela levou na conversa a mulher e as filhas do lenhador, e vocês sabem muito bem como as mulheres são conversadeiras e como adoram tagarelar! E acreditem ou não, ao sair da casa do lenhador, levava consigo a bandeja emprestada.
Imaginem a fúria do pai quando chegou em casa. Quase morreu de raiva. Desculpas como: "A mulher nos deixou confusas" não adiantaram nada. Esposa e filhas foram espancadas duramente, como bem mereciam. E, na manhã seguinte, o lenhador pegou suas ferramentas e dirigiu-se novamente à floresta.
Começou a cortar sua primeira árvore — e, novamente, quem apareceu? Naturalmente, nada mais nada menos que o homem preto! O lenhador contou-lhe então a estória toda, e o negro lhe disse: — Dei-lhe duas oportunidades, e você as desperdiçou. Aqui está a sua última chance. Vou lhe dar este bastão. Se ele estiver próximo de uma pessoa sem roupa, ele baterá até você dizer "Basta!" Primeiramente, bata em você mesmo, depois em sua mulher e suas filhas, e em seguida na velha que é sua vizinha.
O lenhador voltou para casa, despiu-se e recebeu uma surra e tanto, até que ordenou "Basta!" Depois disse à mulher e às filhas: — Hoje, tenho uma coisa maravilhosa para vocês. É um bastão que provê coisas muito boas. Entrem, uma a uma, no quarto e tirem a roupa. — As mulheres ficaram muito contentes. Uma a uma, entraram no quarto, tiraram a roupa e receberam uma surra de acordo até que o pai ordenou "Basta!"
No dia seguinte, a velha apareceu de novo para uma visita e fez a pergunta costumeira: — Como vão as coisas? — Como era natural, contaram-lhe sobre o bastão maravilhoso. E, quando deixou a casa, a velhinha levava consigo o bastão.
Passaram-se alguns dias, e a velha não voltava. Foram então visitá-la, entraram pela casa adentro e encontraram-na morta. Compreenderam então o que tinha acontecido. A mulher não soubera deter o bastão; assim, fora espancada até a morte. Naturalmente, acharam o moinho e a bandeja e levaram a ambos para casa.
Desde então viveram feliz e com fartura.

Conto Tradicional Português

14/05/2010

As codornas




Há tempos, um bando de mais de mil codornas
habitava uma floresta da Índia.
Viviam felizes, mas temiam enormemente seu inimigo,
o apanhador de codornas.

Ele imitava seu chamado e, quando se reuniam
para atendê-lo, jogava sobre elas uma enorme rede
e as levava numa cesta para vender.
Mas uma das codornas era muito sábia e disse:

"Irmãs! Elaborei um plano muito bom.
No futuro, assim que o caçador jogar a rede,
cada uma de nós enfiará a cabeça por dentro
de uma malha e todas alcançaremos vôo juntas,
levando-a conosco.
Depois de tomarmos uma boa distância,
deixaremos cair a rede num espinheiro e fugiremos".

Todas concordaram com o plano.
No dia seguinte, quando o caçador jogou a rede,
todas juntas a içaram conforme a sábia codorna
havia instruído, jogaram-na sobre um espinheiro
e fugiram. Enquanto o caçador tentava retirar
a rede de cima do espinheiro, escureceu
e ele teve de voltar para casa.

Isso aconteceu durante várias tentativas,
até que afinal a mulher do caçador
se aborreceu e indagou.

"Por que você nunca mais conseguiu
pegar nenhuma codorna ?"

O caçador respondeu: "O problema é que todas as aves
estão trabalhando juntas, ajudando-se entre si.
Se ao menos elas começassem a discutir,
eu teria tempo de pegá-las."

Dias depois, uma das codornas acidentalmente
esbarrou na cabeça de uma das irmãs quando
pousaram para ciscar o chão.

"Quem esbarrou na minha cabeça ?",
perguntou raivosamente a codorna ferida.
"Não se aborreça. Não tive a intenção
de esbarrar em você", disse a primeira.

Mas a irmã agredida continuou a discutir:
"Eu sustentei todo o peso da rede!
Você não ajudou nem um pouquinho!", gritou.

A primeira então se aborreceu
e em pouco tempo estavam todas envolvidas na disputa.
Foi quando o caçador percebeu a sua chance.
Imitou o chamado das codornas e jogou a rede
sobre as que se aproximaram.
Elas ainda estavam contando vantagem e discutindo,
e não se ajudaram a içar a rede.
Portanto, o caçador ergueu-a sozinho
e enfiou as codornas dentro da cesta.

Enquanto isto, a sábia codorna reuniu as amigas
e juntas voaram para bem longe,
pois ela sabia que discussões
dão origem a infortúnios.

Fábula Budista


12/05/2010

A cotovia



Era uma vez um velho eremita que morava numa floresta com apenas um companheiro, um pássaro chamado cotovia.
Um dia dois mensageiros foram procurar o velho eremita para pedir-lhe que os acompanhasse ao palácio de seu amo, que estava gravemente enfermo.
O velho, seguido pela cotovia, partiu com os mensageiros e fizeram-no entrar imediatamente no quarto do homem doente. Quatro médicos balançavam a cabeça, fazendo comentários em voz baixa entre si.
-Não ha mais nada a fazer, murmurou o que parecia ser o mais importante-Infelizmente ele está morrendo.
O velho eremita em pé junto à porta, observava a cotovia, que pousara no peitoril da janela e olhava fixamente para o doente.
-Ele vai viver, disse o eremita.
- Mas como pode este camponês fazer uma afirmação dessas? exclamaram os médicos em coro.
O doente abriu os olhos, viu a cotovia olhando-o fixamente e esboçou um sorriso. Pouco a pouco a cor foi voltando ao seu rosto, suas forças retornaram e, para assombro de todos os presentes disse: - estou me sentindo um pouco melhor.
Tempos depois, o nobre do palácio, totalmente recuperado, foi à floresta para agradecewr ao eremita.
-Não agradeça a mim, disse o eremita. -Foiu o pássaro quem o curou. A cotovia, acrescentou ele, é um passaro muito sensivel. Ao ser colocada junto a uma pessoa doente, se ela virar a cabeça e não olhar para o doente, isso significa que não há esperança. Mas se olhar para o doente, como olhou para o senhor, quer dizer que o paciente não vai morrer. Na realidade a cotovia, através do olhar ajuda a recuperação.
Assim como a sensivel cotovia, o amor da virtude não olha para coisas vís, sombrias, mas procura tudoi o que é nobre e honrado. O pássaro habita o bosque florido, e a virtude habita o coração nobre.

Leonardo da Vinci

A figueira

Era uma vez uma figueira que não dava figos. Toda a gente que passava perto nunca olhava para ela.
Na Primavera nasciam-lhe folhas, mas, no Verão, quando as outras árvores se carregavam de frutos, nos ramos de figueira não aparecia nenhum figo.
- Gostava tanto que os homens me elogiassem – suspirava a figueira –Bastava que eu desse frutos como as outras árvores.
Então, num certo Verão, também ela apareceu carregada de frutos. O Sol fê-los crescer. Amadureceu-os e deu-lhes um doce sabor.
Os homens repararam nela. Nunca tinham visto uma figueira com tantos figos. Apostaram entre si quem seria capaz de colher mais frutos.
Amarinharam pelo tronco e com paus dobraram os ramos mais altos dos quais muitos se partiram com o peso, todos queriam provar aqueles figos deliciosos e, por isso, pouco tempo depois, a pobre figueira estava destruída com todos os ramos partidos.


Leonardo da Vinci



09/05/2010

Branwen, A Filha de Llyr




Bendigeid Vran, o filho de Llyr, foi coroado rei dessa ilha, e foi exaltado pela coroa de Londres. E uma noite ele estava em Harlech no Ardudwy, em sua corte, e sentou sobre a rocha de Harlech, olhando para o mar. E com ele estava seu irmão Manawyddan filho de Llyr, e seus irmãos por parte de mãe, Nissyen e Evnissyen, a vários nobres igualmente, e estava no assento para se ver um rei. Seus dois irmão por parte de mãe eram filhos de Eurosswydd, por sua mãe , Penardun, filha de Beli, filho de Manogan. E um desses jovens era bom e de natureza gentil, e iria fazer a paz entre seus parentes , e fazer sua família ser amiga quando sua fúria estivesse no auge; e esse era Nissyen; mas o outro causaria a discórdia entre seus dois irmãos quando eles estivessem em grande paz.
E enquanto eles sentavam dessa maneira, eles contemplaram trinta navios do sul da Irlanda, vindo em sua direção, e eles vinham num movimento rápido, o vento em suas costas, e se aproximaram velozmente. "Vejo navios a distância", disse o rei. "vindo velozes na direção de nossa terra. Mande os homens da corte de equiparem, e vão conhecer suas intenções." Então os homens se equiparam e foram em sua direção. E quando viram os navios próximos, certo eles ficaram de que nunca haviam visto navios melhor equipados. Belas bandeiras de cetim estavam em sua frente. E contemplaram um navio se mover mais depressa que os outros, e viram um escudo levantado no lado do navio, e a ponta do escudo estava para cima, em sinal de paz. E eles saudaram o rei, que agora podia ouvi-los do lugar em que estava, sobre as rochas acima de suas cabeças. "Que o Céu lhes traga prosperidade", ele disse, "e bem vindos sejam. A quem estes navios pertencem, e quem é o chefe entre vocês ? " "Senhor," ele disse, "Matholwch, rei da Irlanda, está aqui, e estes navios a ele pertencem." "E por que razão ele vem? " perguntou o rei, "e ele virá a terra ?" "Ele vem com uma demanda a ti, senhor," eles disseram, "e ele não virá em terra até ter seu obséquio." "E o que seria este?" indagou o rei. "Ele deseja se aliar ao senhor" eles disseram, "e ele vem pedir Branwen a filha de Llyr, para que se parecer bem ao senhor, a Ilha da Força, seja confederada aliada à Irlanda, e ambas se tornem mais poderosas." E esta resposta foi trazida a Matholwch. "Estou de acordo," ele disse. Então ele desembarcou, e foi recebido com alegria; e grande foi o tropel no palácio naquela noite, entre os convidados e os da corte; e no dia seguinte eles se consultaram, e resolveram conceder Branwen a Matholwch. Agora ela era uma das damas-chefes dessa ilha, e era a mais encantadora donzela do mundo. Fixaram Aberffraw como o lugar onde ela se tornaria sua noiva. Rumara então, e em direção a Aberffraw os anfitriões foram; Matholwch e seus anfitriões em seus navios; Bendigeid Vran e seus anfitriões por terra, até chegarem a Abeffraw.
Em Abberffraw começaram um banquete e sentaram-se. E sentaram-se o Rei da Ilha da Força e Manawyddan o filho de LLyr, em um lado, e Matholwch no outro, e Branwen filha de Llyr ao seu lado. E eles não estavam dentro duma casa, mas sob tendas. Nenhuma casa jamais poderia conter Bendigeid Vran, devido ao seu tamanho. E eles começaram o banquete e beberam e discursaram. E quando ficou mais agradável a eles dormir que beber, foram descansar, e naquela noite Branwen tornou-se noiva de Mathowlch. No dia seguinte eles levantaram, e toda a corte, e os oficiais começaram a equipar e levar os cavalos e os criados, e os levaram tão longe quanto o mar. E um dia, Evnissyen o homem briguento ao qual se fala acima, veio por acaso no lugar onde os cavalos de Matholwch estavam, e perguntou a quem eles pertenciam. "Estes são cavalos de Matholwch rei da Irlanda, que está casado com Branwen, tua irmã, cavalos dele estes são." "E deste modo ele fez com uma donzela como ela, e além disso minha irmã, tomando-a sem meu consentimento ? Eles não poderiam oferecer maior insulto a mim que este," ele disse. E após isso ele correu sob os cavalos e cortou seus lábios no dente, e suas orelhas perto de suas cabeças, e seus rabos perto de seus traseiros, e quando ele podia apertar suas pálpebras, ele as cortava até o osso, assim desfigurou os cavalos e os devolveu inúteis. Foram trazidas tais novidades a Matholwch, dizendo que os cavalos haviam sido desfigurados, e machucados tanto, que nenhum jamais poderia ser de utilidade outra vez. "Em verdade, senhor" disse um, "foi um insulto a ti, e tal foi o propósito." "Em verdade, é de estranheza a mim, que se eles desejam me insultar, terem me dado uma donzela de tão alto escalão e tão amada entre seus parentes, como fizeram." "Senhor," disse outro, "Tu vês que dessa maneira é, e que não há nada para ti exceto ir para teus navios." E após isso rumo a seus navios ele foi.
Notícias vieram a Bendigeid Vran que Matholwch estava partindo da corte sem pedir permissão para tal, e mensageiros foram mandados a ele para perguntar a razão de tal. E os mensageiros que foram, eram Iddic o filho de Anarawd, e Heveydd Hir, E estes o alcançaram e perguntaram o que ele planejava fazer, e por tal razão ele foi enfrente. "Em verdade," ele disse, "se eu soubesse não teria vindo a este lado. Fui inteiramente insultado, ninguém jamais teve pior tratamento que cá tive eu. Mas uma coisa me surpreende sobre tudo." "O que é?" eles indagaram. "Que Branwen a filha de Llyr, uma das damas-chefes dessa ilha, e filha filha do Rei da Ilha da Força, foi dada a mim como noiva, e que após isso fui insultado; e eu estranho que o insulto não foi feito a mim antes de terem me entregado uma dama tão exaltada como ela." "Verdadeiramente, senhor, não foi de vontade de ninguém da corte," eles disseram "nem de ninguém do conselho. Que tu recebestes este insulto como tu hás recebido, a desonra é maior a Bendigeid Vran que a ti." "Realmente," ele disse, "Penso que sim. Todavia ele não pode revogar o insulto." Estes homens retornaram com tal resposta ao lugar que Bendigeid Vran se encontrava, e o contaram a resposta que Matholwch os havia dado. "Realmente," ele disse, "não há maneiras de impedirmos que ele vá embora com animosidade a nós, mas isso não aceitaremos." "Bem, senhor," eles disseram, "mande atrás dele outra mensagem." "Farei tal," ele disse. "Levante, Manawyddan filho de Llyr, e Heveyd Hirrm Unic Glew Ysgwyd, a vão atrás dele, e digam-lhe que ele terá um sadio cavalo por cada um que lhe foi machucado. E além disso, como compensação pelo insulto, ele terá um cajado de prata, tão grande e alto como ele, e uma armadura de ouro com a largura de sua face. E mostre-o quem fez isto a ele, e que foi feito contra minha vontade; mas que quem fez isso é meu irmão, por parte de mãe, e que por tal razão seria duro para mim colocá-lo à morte. E deixe-o vir encontrar-me," ele disse, "e faremos paz da maneira que ele desejar." A embaixada foi atrás de Matholwch e lhe disse todo o depoimento de maneira amistosa, e ele ouviu. "Homens", disse ele, "Tomarei conselho." Então ao conselho ele foi. E no conselho e consideraram que se eles recusassem isto, eles provavelmente teriam mais vergonha do que ao obter a compensação. Eles resolveram então aceitar tal, e retornaram à corte em paz. Então os pavilhões e as tendas foram montadas em ordem ao feitio dum salão; eles foram se encontrar, e como sentaram no início do banquete, lá eles se sentaram.
Matholwch e Bendigeid Vran começaram a discutir; e pareceu a Bendigeid Vran, enquanto conversavam, que Matholwch não parecia tão alegre como ele esteve antes. E ele pensou que o líder poderia estar triste, devido à pequena recompensa que ele havia oferecido, frente ao erro que lhe haviam cometido. "Oh, homem," disse Bendigeid Vran, "Tu não discutes alegre esta noite, como antes fazia. E se isso se deve ao pequeno tamanho da recompensa, tu deves adicionar o que for que tu escolheste, e amanha pagarei a ti os cavalos." "Senhor," ele disse, "Que o céu o recompense." "E eu irei aumentar a indenização," disse Bendigeid Vran, "pois irei dar a ti um caldeirão cuja propriedade é que se um homem teu for assassinado hoje, e for jogado dentro dele, amanha ele estará tão bem, quanto já esteve em sua melhor forma, exceto que ele não ganhará devolta sua retórica." E após isso ele lhe deu grandes agradecimentos, e muito feliz ele ficou por tal motivo.
E na manhã seguinte eles pagaram os cavalos a Matholwch, os últimos cavalos treinados restantes. E então eles foram a outro lugar, onde ele lhe pagou com potros até que tudo havia sido pago, e tal lugar foi chamado Talebolion. E numa segunda noite eles sentaram juntos. "Meu senhor, " disse Matholwch, "de onde vieste o caldeirão que tu me hás presenteado? " "Eu o ganhei dum homem que esteve em tua terra," ele disse, "e eu não o daria exceto à uma pessoa de lá." "quem era ele ?" Matholwch perguntou. "Llassar Llaesgyvnewid; ele veio aqui da Irlanda com Kymideu Kymeivoll, sua esposa, que escapou da Casa de Ferro na Irlanda, quando se tornou quente vermelho ao seu redor, e fugiram para cá. E é de minha estranheza que tu não conheces nada sobre o fato." "Algo eu sei," ele disse. "e o que eu sei irei lhe contar. Um dia estava eu caçando na Irlanda, quando cheguei à uma colina na cabeça dum lago, que é chamado Lago do Caldeirão. E eu contemplei um enorme homem de cabelos amarelos vindo do lago com um caldeirão em suas costas. Ele era um homem de vasto tamanho, e aspecto horrível, e uma mulher o seguia. E se o homem era alto, duas vezes alta como ele era a mulher, eles vieram ao meu encontro e me saudaram. "Realmente", perguntei, "para onde estão viajando ?" "Contemple isto," ele disse à mim, "é a razão para que viajamos. No fim dum mês e uma quinzena esta mulher terá um filho; e a criança que nascerá no fim do mês e uma quinzena será um guerreiro inteiramente armado" Então os levei comigo e os mantive. E eles ficaram comigo por um ano. E aquele ano os tive comigo sem má vontade. Mas desde então houve um murmúrio, por eles estarem comigo. Pois, no começo do quarto mês eles começaram a se tornar odiados e ilegais nas terras; cometendo ultrajes e incomodando os nobres e damas; então meu povo se levantou e implorou que os deixassem, e eles me ofereceram escolher entre eles e meus domínios. E eu consultei o conselho de meu país para saber o que deveria ser feito em relação à eles ; pois de sua própria liberdade eles não iriam, nem poderiam ser eles compelidos contra suas vontades, através de luta. E [as pessoas do país] estando nesse dilema, fizeram um cômodo de ferro. E quando o cômodo ficou pronto, lá veio todos ferreiros da Irlanda, e todos que possuíam tenazes e martelos. E colocaram carvões empilhados no topo do cômodo. E eles tinham o homem, e a mulher, e as crianças, servidos de bastante carne e bebidas; mas quando percebeu-se que eles estavam bêbados; começaram a colocar fogo nos carvões do cômodo, e eles assopraram com foles embaixo, até que a casa ficasse vermelha e quente ao seu redor. Então ouve um conselho realizado no centro do piso do cômodo. E o homem queimado até que as placas de ferro ficassem brancas com o calor; e então, por razão do grande calor, o homem se chocou contra as placas com seus ombros e as derrubou, e sua mulher o seguiu; mas exceto ele e sua esposa, ninguém mais escapou dali. E então eu suponho, senhor," disse Matholwch a Bendiged Vran , "que ele veio então até o senhor." "Sem dúvida ele veio até aqui," ele disse, "e me deu o caldeirão." "E de que forma o senhor os recebeu ?" "Eu os dispersei através de toda parte dos meus domínios, e eles se tornaram numerosos, e prosperam em qualquer lugar, e eles fortificam os lugares onde estão com homens e armas, dos melhores que já foram vistos."
Aquela noite eles continuaram a discutir o quanto puderam, e tiveram menestréis e farra, e quando era mais agradável a eles dormir que sentar mais tempo, foram descansar. E assim o banquete continuou com alegria, e quando terminou, Matholwch viajou em direção à Irlanda, e Branwen com ele, e eles se foram de Aber Menei com treze navios, e chegaram à Irlanda. E na Irlanda houve grande alegria com sua chegada. E não apenas um grande homem ou nobre visitou Branwen a quem ela não deu nem uma fivela, ou anel, ou jóia real para guardar, como era honorável de se ver repartir. E nessas coisas, ela passou aquele ano em grande reconhecimento, e passou seu tempo agradavelmente apreciando honra e amizade. E enquanto isso aconteceu que ela ficou grávida, e no devido tempo um filho nascia, e o nome que lhe deram foi Gwern o filho de Matholwch , e eles puseram o garoto para ser cuidado, num lugar onde estavam os melhores homens da Irlanda. E no segundo ano, um tumulto cresceu na Irlanda, devido ao insulto que Matholwch recebeu em Cambria e o pagamento feito por seus cavalos. E seus irmão de criação, que estavam perto dele, o culparam abertamente por este problema. E ele não teria paz devido ao tumulto até se vingarem dele pela desgraça. E a vingança que tomaram, foi afastar Branwen do mesmo cômodo que ele, e fazer ela cozinhar para a corte; e fizeram o açougueiro , após ter cortado toda a carne do dia, ir dar um golpe em sua orelha, e assim fizeram a ela a punição. "Muito bem, senhor," dissera seus homens a Matholwch, "proíba agora os navios, as balsas e os barcos de pesca, de irem à Cambria, e os que vierem de Cambria à este lado, prendam-nos para que tal coisa não seja conhecida lá." E assim ele fez; e foi assim por não menos que três anos.
Branwen criou um estorninho na cobertura da amassadeira, e lhe ensinou a falar, e contou ao pássaro que tipo de homem seu irmão era. E ela escreveu uma carta sobre suas angústias, e como ela havia sido tratada, e ela prendeu a carta na base da asa do pássaro, e o mandou à Bretanha. E o pássaro veia à essa terra, e um dia encontrou Bendigeid Vran em Caer Seiont em Arvon, conferenciando lá, e ele pousou em seus ombros e agitou suas penas, para que a carta fosse vista, e eles viram que o pássaro havia sido criado de maneira doméstica. Então Bendigeid Vran tomou a carta e a olhou. E quando a leu molestou-se excessivamente com as notícias das angústias de Branwen. E imediatamente ele começou a mandar cartas para conclamar a ilha unida. E sete pontos e quatro países vieram a ele, e ele os contou da aflição que sua irmã passava. Então eles tomaram conselho. E no conselho decidiram ir à Irlanda, e deixar sete homens como príncipes aqui, e Caradawc o filho de Bran, como seu chefe e seus sete cavaleiros. Em Edeyrnion sobraram estes homens. E por essa razão foram os sete cavaleiros postos na cidade. Agora os nomes dos sete eram, Caradawc o filho de Bran, Heveydd Hirr, Unic Glew Ysgwyd, Iddic o filho de Anarawc Gwalltgrwn, Fodor o filho de Ervyll, Gwlch Minascwrn, Llassar o filho de Llaesar Llaesgygwyd e Pendaram Dyved como jovem escudeiro. E estes permaneceram como sete ministros para tomar comando da ilha; e Caradawc o filho de Bran era o chefe entre eles.
Bendigeid Vran, como anfitrião de quem falamos, navegou rumo à Irlanda, e não era longe através do mar, e chegou em águas rasas. Eram dois rios; o Lli e o Archan eram chamados; e as nações cobriram o mar. Então ele procedeu com as provisões que tinha em suas costas, e se aproximou da costa da Irlanda. Agora os guardadores de porcos de Matholwch estavam no mar, e vieram a Matholwch. "Senhor", eles disseram. "saudações a ti." "Céus o protejam," têm vocês alguma notícia?" "Senhor," eles disseram, "temos admiráveis notícias, uma madeira vimos no mar, num lugar onde nunca havíamos visto uma árvore." "Isso é realmente admirável," ele disse; "algo mais avistaram?" "Nós vimos, senhor," eles disseram, "uma vasta montanha ao lado da madeira, que se movia, e havia um alto cimo no topo da montanha, e um lago em cada lado do cimo. E a madeira, a montanha, e todos essas coisas se moviam." "Muito bem," ele disse, "não existe ninguém que saiba qualquer coisa sobre isso, exceto Branwen." Mensageiros foram até Branwen. "Senhora", eles disseram que achas tu que isso seja ? "Os homens da Ilha da Força, que vieram até aqui ao ouvir o mal trato de minhas aflições." "O que é a floresta vista no mar ? " eles perguntaram. "As jardas e os mastros do navio," ela respondeu. "Ai de nós!" eles disseram, "e o que é a montanha vista no lado do navios ? " "Bendigeid Vran, meu irmão," ela replicou, "vindo à água rasa; não há navio que possa o conter nele." "O que é o alto cimo com o lago nos lados daquilo ? "Olhando em direção desta ilha ele está irado, e seus dois olhos, em cada lado do nariz, são dois lagos ao lado do cimo." Os guerreiros e o chefe da Irlanda foram reunidos com pressa, e tomaram conselho. "Senhor," disseram os nobres a Matholwch, "Não há outro conselho que não seja recuar até Linon (um rio que fica na Irlanda), e deixar o rio entre tu e ele, e quebrar a ponte que cruza o rio, pois há uma magnetita no fundo do rio que nenhum navio ou barco pode passar por cima. Então eles recuaram ao outro lado do rio, e destruíram a ponte. Bendigeid Vran veio à terra, e a frota com ele no banco do rio. "Senhor," dissera, seus maiorais, "sabes tu a natureza deste rio, que nada pode atravessá-lo, e que há nenhuma ponte ? "O que," eles disseram , "é teu conselho sobre uma ponte ?" "Não há nenhum," ele disse, "exceto que ele que for o chefe, seja a ponte. Eu serei," disse ele. E então tal dito foi proferido, e é ainda usado como provérbio. E quando ele jazia sobre o rio, barreiras foram colocadas sobre ele, e o anfitrião passou por meio disso. E quando se levantou, contemplou os mensageiros de Matholwch vindo a ele, e o saudaram, e lhe deram boas vindas em nome de Matholwch, seu parente, e mostraram como por sua boa vontade ele havia merecido o bem. "Pois Matholwch deu o reino da Irlanda a Gwern seu filho, teu sobrinho e filho de tua irmã. E isto ele coloca frente a ti, pela compensação do errado, e a despeito do que fez a Branwen. E Matholwch será mantido aonde quer que tu desejares, ou aqui ou na Ilha da Força. " disse então Bendigeid Vran: "Não devo eu ter o reino ? Então por acaso eu tomarei conselho sobre tua mensagem, pois a partir de agora até então nenhuma outra resposta terás de mim." "Muito bem," eles disseram, "a melhor mensagem que recebamos, vamos conduzir a ele, e tu esperes a mensagem dele." "Esperarei," ele respondeu, "e vocês retornem rápido." Os mensageiros foram em frente e vieram a Matholwch. ‘Senhor," eles disseram," prepare uma melhor mensagem a Bendigeid Vran. Ele não ouviria a nenhuma mensagem que levássemos a ele." "Meus amigos," disse Matholwch, "qual é teu conselho ?" "Senhor," eles disseram, "não há nenhum conselho além deste sozinho. Ele nunca foi conhecido em estar dentro duma casa, faça então uma casa que conterá ele e os homens da Ilha da Força em um lado, e tu e e teu anfitrião no outro; e dê teu reino à vontade dele, e lhe faça homenagem. Então por razão de honra tu faças ele fazer a casa, considerando que ele nunca teve uma casa, ele fará paz contigo." Então os mensageiros voltaram a Bendigeid Vran, portando a mensagem. Ele tomou conselho, e no conselho resolveu-se aceitar tal proposta, e isso tudo foi feito sob conselho de Branwen, para que o país não fosse destruído. E tal paz foi feita, e a casa foi construída vasta e forte. Mas os irlandeses planejaram astucioso mecanismo, e o plano era colocar prateleiras em cada lado dos cem pilares da casa, e colocar uma bolsa de couro em cada prateleira, e um homem armado e todas elas.
Então Evnissyen veio até a tropa da Ilha da Força, e olhou a casa com ferozes e selvagens olhares, espreitou os sacos de couro que estavam em volta dos pilares. "O que são estes sacos?" perguntou ele a um irlandês. "Comida, boa alma," ele disse. E ele sentiu tal até que veio a cabeça do homem, e a apertou até sentir seus dedos se encontrarem no cérebro através do osso. E ele deixou aquele e pôs a mão em outro, e perguntou o que havia lá dentro. "Comida," disse o irlandês. E tal ele fez com todos eles, até que não tivesse deixado nenhum vivo, de todos os duzentos homens, exceto um; e quando ele chegou perto, perguntou o que havia lá dentro. "Comida, boa alma, " disse o irlandês. E ele tateou tal até sentir a cabeça, e apertou aquela cabeça como havia feito com as outras. E, embora descobrindo que a cabeça desse estava protegida ele não o soltou até tê-lo matado. E então ele cantou a Englyn: "Há nesses sacos um diferente tipo de comida, o combatente pronto, quando o ataque é feito por seus companheiros guerreiros, preparados para batalha." Após isso chegaram os bandos à casa. Os homens da Ilha da Irlanda entraram na casa por um dos lados, e os homens da Ilha da Força por outro. E logo que se sentaram houve concórdia entre eles; e a soberania foi conferida ao garoto. Quando a paz foi concluída, Bendigeid Vran chamou o garoto a si, e de Bendigeid Vran o garoto foi a Manawyddan, e ele foi amado por todos que o contemplaram. E de Manawyddan o garoto foi chamado por Nissyen o filho de Eurosswydd, e o garoto foi até ele afetuoso. "Por que razão," disse Evnissyen "não vem a mim meu sobrinho, filho de minha irmã ? Mesmo ele não sendo o rei da Irlanda, ainda assim espontaneamente acariciaria o garoto." "Alegremente deixe-o ir a ti," disse Bendigeid Vran, e o garoto foi a ele com alegria, "Por minha confissão ao Céu" disse Evnissyen em seu coração, "impensado pelo morador da casa é a matança que nesse instante irei cometer." Então ele levantou o garoto pelos pés, e antes que qualquer um da casa pudesse controlá-lo, ele jogou impetuoso o garoto no fogo ardente. E quando Branwen viu seu filho queimando no fogo, esforçou-se a pular no fogo também, do lugar em que sentava entre seus dois irmãos. Mas Bendigeid Vran a segurou com uma mão, e o escudo na outra. Então todos correram para a casa, nunca lá houve tão grande tumulto por um bando em uma casa como houve por eles, enquanto todos homens se armavam. Então disse Morddwydtlyllyon, "As pessoas enfadonhas das vacas de Morddwydtlyon!" E enquanto todos eles procuravam suas armas, Bendigeid Vran amparou Branwen entre seus ombros e seu escudo. Então os irlandeses acenderam um fogo sob o caldeirão da renovação, e jogaram os corpos mortos no caldeirão até este ficar cheio, e no dia seguinte vieram homens lutadores tão bons quanto antes, exceto que eles não podiam falar. Então Evnissyen não viu os corpos dos homens da Ilha da Força ressuscitados, e disse em seu coração, "Ai de mim! Angústia eu sou, por dever ser a causa a ter trazido os homens da Ilha da Força em tamanho apuro. O mal ocorrerá se não trouxer libertação a partir de então." E ele se lançou em meio aos corpos mortos dos Irlandeses, e dois homens descalços vieram a ele, e o levaram para ser um dos irlandeses, o arremessaram no caldeirão. E torceu-se dentro do caldeirão, até rachá-lo em quatro partes, e estourar seus próprios olhos.
Em conseqüência de tal ato, os homens da Ilha da Força obteram tanto sucesso quanto tinham; mas eles não foram vitoriosos, pois apenas sete homens deles escaparam, e Bendigeid Vran foi ferido no pé por um dardo envenenado. Agora os sete homens que escaparam eram Pryderi, Manawyddan, Gluneu Eil Taran, Taliesin, Ynawc, Grudyen o filho de Muryel, e Heilyn o filho de Gwynn Hen. E Bendigeid Vran mandou eles cortarem sua cabeça. "Levem vocês minha cabeça," ele disse, "e carreguem-na até a Colina Branca, em Londres, e enterrem-na lá, com a face virada rumo a França. E por longo tempo estarão vocês na estrada. Em Harlech estarão banqueteando sete anos, os pássaros de Rhiannon cantando a vocês nesse tempo. E por todo este tempo a cabeça será para vós, companhia tão agradável quanto quando estava no meu corpo. E em Gwales no Penvro vocês serão contados quatro anos, e devem vocês permanecer lá, e a cabeça estará com vós incorruptível. Até abrirem a porta que olha rumo a Aber Henvelen, e rumo a Cornwall. E após terem aperto tal porta, lá não deverão mais permanecer, vão rumo à Londres para enterrar a cabeça, e sigam em frente." Então eles cortaram a cabeça, e estes sete foram em frente então. E Branwen era a oitava entre eles, e eles chegaram a terra de Aber Alaw, em Talebolyon, e sentaram para descansar. E Branwen olhou rumo à Irlanda e rumo à Ilha da Força, para ver se podia avistá-las; e quando foram lá contemplar encontraram uma multidão de homens e mulheres. "Tens vós alguma novidade?" perguntou Manawyddan. "Não temos nenhuma," eles disseram, "exceto que Caswallawn o filho de de Beli, conquistou a Ilha da Froça, e foi coroado rei de em Londres." "O quê aconteceu," eles perguntaram, "a Caradawc o filho de Bran, e os sete homens que foram deixados com ele nesta ilha?" "Caswallan veio até eles, e escravizou seis dos homens, e o coração de Caradawc se partiu de tristeza daí; pois ele podia ver a espada que matou os homens, mas não sabia quem a portava. Caswallawn colocou sobre si o Véu da Ilusão para que ninguém pudesse vê-lo matar os homens, mas sua espada apenas podia ser vista. E não o agradou matar Caradawc, porque ele era seu sobrinho, o filho de seu primo. E agora ele era o terceiro cujo coração se partiu por tristeza. Pendaran Dyved, que havia permanecido como uma jovem página entre esses homens, escapou para a floresta," eles disseram.
Então eles foram a Harlech, e lá pararm para descansar, e providenciaram carne e bebida, e sentaram-se para comer e beber. E então vieram três pássaros, e começaram a cantar para eles uma certa melodia, e todas as canções que eles já tinham ouvido pareceram desagradáveis comparadas à essa, e os pássaros pareciam a eles estarem a uma grande distância, sobre o o mar, e ainda assim eles pareciam distintos como se estivessem perto, e nessa refeição eles continuaram por sete anos. E perto do sétimo ano eles foram rumo a a Gwales em Penvro. E lá eles acharam um ponto justo e digno de realeza com vista para o mar; e um espaçoso saguão existia naquele lugar. E eles foram ao saguão, e duas de suas portas estavam abertas, mas a terceira estava fechada, aquela que olhava rumo a Cornwall. "Veja além," disse Manawyddan, "é aporta que não devemos abrir." E naquele noite eles banquetearam e ficaram alegres. E todos eles haviam visto comida posta em sua frente, e todos eles haviam ouvido sobre tal, mas não lembraram; nem disso, nem de qualquer mágoa que tiveram até então. E lá eles permaneceram por quatro anos inconscientes de já terem alguma vez passado um tempo tão alegre e jovial. E eles não estavam mais cansados como estavam ao chegarem , e nenhum deles sabia quanto tempo haviam ficado lá. E não era mais enfadonho ter a cabeça ali do que quando Bendigeid Vran estava propriamente com eles. E devido a estes quatro anos, foi chamado o divertimento da nobre cabeça. O divertimento de Branwen e Matholwch foi no tempo que foram à Irlanda, Um dia disse Heilyn o filho de Gwynn, "O mal aconteça a mim, se eu não abrir a porta para saber se é verdade o que é dito sobre tal." Então ele abriu a porta e olhou rumo a Cornwall e Aber Henvelen. E quando eles olharam, eles tomaram conhecimento de todos os males que eles já haviam suportado, e de todos os companheiros e amigos que haviam perdido, e de toda a penúria que havia caído sobre eles, como se tudo tivesse acontecido naquele mesmo lugar; e especialmente do destino de seu senhor, E por sua perturbação eles não puderam descansar, mas viajaram em frente com a cabeça rumo à Londres. E eles enterraram a cabeça na Colina Branca, e quando ela estava enterrada, este foi o terceiro agradável segredo; e foi o terceiro mal-destinado descobrimento quando foi desenterrada, visto que nenhuma invasão vinda do mar veio à esta ilha enquanto a cabeça estava em segredo. E dessa forma é a estória relatada por aqueles que viajaram vindo da Irlanda. Na Irlanda ninguém foi deixado vivo, exceto cinco mulheres grávidas numa caverna no ermo da Irlanda; e dessas cinco mulheres nasceram na mesma noite cinco filhos, a quem elas cuidaram até se tornarem jovens crescidos. E eles pensaram em esposas e eles ao mesmo tempo desejaram possuí-las, e cada um tomou como esposa a mãe de seus companheiros, e eles governaram o país e o povoaram. E estes cinco a dividiram entre si, e por razão de tal partição há as cinco divisões da Irlanda ainda em termos. E eles examinaram as terras onde as batalhas haviam ocorrido, e eles acharam ouro e prata até se tornarem ricos.
E assim termina esta porção do Mabinogi, sob o golpe dado à Branwen, que foi o terceiro golpe infeliz desta ilha; a respeito do divertimento de Bran, quando os anfitriões dos sete países, e dez foram à Irlanda para vingar o golpe dado à Branwen; e a respeito dos sete anos de banquete em Harlech, e os pássaros cantores de Rhiannon, a e da jornada da cabeça pelo espaço de quatro anos.


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