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31/03/2009

Equanimidade

Durante as guerras civis na China feudal, um exército invasor poderia facilmente dizimar uma cidade e tomar controle. Numa vila, todos fugiram apavorados ao saberem que um general famoso por sua fúria e crueldade estava se aproximando. Todos excepto um mestre Zen, que vivia afastado.
Quando chegou à vila, seus batedores disseram que ninguém mais estava lá, além do monge. O general foi então ao templo, curioso em saber quem era tal homem. Quando ele lá chegou, o monge não o recebeu com a normal submissão e terror com que ele estava acostumado a ser tratado por todos; isso levou o general à fúria.
"Seu tolo!!" ele gritou enquanto desembainhava a espada, "não percebe que você está diante de um homem que pode trucidá-lo num piscar de olhos?!?"
Mas o mestre permaneceu completamente tranquilo.
"E você percebe," o mestre replicou calmamente, "que você está diante de um homem que pode ser trucidado num piscar de olhos?"


30/03/2009

O macaco e o golfinho


Costumam os Malteses nos navios
Divertir-se com cães e com bugios:
Afundou-se um navio desta gente
Junto a Sunio, que é cabo pertencente
À terra Ática: andava tudo a nado,
E um bugio também quase afogado.

Um golfinho, que o viu em tanto dano,
Parecendo-lhe ser vivente humano,
As costas lhe oferece; vem por cima
Das ondas, com o fim de que o redima.

Defronte do Pireu, que é estaleiro
De Atenas, perguntou ao companheiro
Se era desta cidade. — Respondia
Que sim, e da mais alta fidalguia.
"Conheces o Pireu?" lhe perguntava.
O macaco, cuidando que falava
De algum homem, dizia: "É um amigo,
Que estreita confiança tem comigo".

O golfinho ficou tão iracundo
Da mentira, que o pôs logo no fundo.
O golfinho foi muito rigoroso
Em dar ao mentiroso tão mau trato;
Porém todo o sujeito que é sensato,
Deve apartar de si o mentiroso.
O tratá-lo sempre é muito danoso;
Por isso haja cautela, haja recato;
Porque quando mo faz muito barato,
Ou me deixa enganado, ou enganoso,
Se me deixa enganado, fico tido
Por néscio; e de tal modo enganaria,
Que eu fique, além de pobre, escarnecido:

Se, pegando-me a sua epidemia,
Me deixou enganoso, estou perdido;
Que de um que mente bem ninguém se fia.

Couto Guerreiro (Trad.)

27/03/2009

História do pescador e do ifrit


E QUANDO FOI A TERCEIRA NOITE




Doniazad disse: Ó, minha irmã, te peço: completa para nós tua história!
E Sherazade respondeu: De todo o coração amigo e generoso.:
Depois, continuou:
Contaram-me, ó Rei, que quando o terceiro chaik contou ao génio o conto mais espantoso dos três, o génio ficou maravilhado e emocionado, disse: “Concedo-te o resgate do crime.” E soltou o mercador.
Então o mercador, todo feliz, adiantou-se para os chaikes e agradeceu-lhes muito. E eles, por sua vez, o felicitaram pela sua libertação.
E cada um deles voltou ao seu país e à sua vida.
Mas, continuou Sherazade, isso tudo não foi mais espantoso do que a História do pescador.
Então o Rei disse a Sherazade: “Que história do pescador?”


HISTÓRIA DO PESCADOR E DO IFRIT

Sherazade disse:

Contaram-me, ó poderoso rei, que havia um pescador, de idade muito avançada, casado, pai de três filhos e muito pobre.
Tinha o costume de tirar a rede quatro vezes por dia, e não mais. Ora, um dia, no início da tarde, ele foi para a beira do mar, descansou seu balaio, atirou a rede e ficou esperando até que ela pousasse no fundo da água. Então recolheu os filhos e viu que a rede pesava muito e não conseguia puxá-la. Levou, então, a ponta do fio à terra e amarrou-a a uma estaca enfiada na areia. Depois despiu-se e mergulhou na água que ficava em volta da rede e não cessou de debater-se até soltá-la. Alegrou-se, tornou a se vestir e, aproximando-se da rede, encontrou um burro morto. Vendo aquilo, desolou-se e disse: “Não há força e poder senão em Alá, o todo poderoso.” Depois, disse: “Mas, em verdade, este dom de Alá é espantoso!”
Retirou a rede, torceu-a e, quando terminou, estendeu-a. Depois, desceu para a água e disse: “Em nome de Alá!” e atirou novamente a rede, esperando que chegasse ao fundo. Tentou retirá-la mas notou que, como antes, estava presa ao fundo. Acreditando ser um grande peixe, amarrou a ponta a uma estaca, despiu-se e mergulhou. Quando levou a rede à margem, encontrou nela um jarro enorme, cheio de lama e areia. Vendo aquilo, disse: “Ó traicões da sorte! Piedade! Que tristeza. Sobre a terra, nenhuma recompensa é igual ao mérito, nem digna do sacrifício. Às vezes saio de casa para procurar a fortuna. E dizem-me que ela morreu há tempos. Miséria. É assim, ó Fortuna, que relegas os sábios à obscuridade, para deixar que os tolos governem o mundo.”
Depois, atirou o jarro para longe de si, torceu a rede, limpou-a, pediu perdão a Alá pela sua revolta e voltou ao mar pela terceira vez. Atirou a rede, esperou que ela atingisse o fundo e, tendo-a retirado, encontrou potes quebrados e pedaços de vidro. Vendo aquilo, recitou outra vez versos de um poeta: “Ó Poeta, o vento da fortuna jamais soprará ao teu laod! Ignoras, ingénuo,que nem tua pena de caniço nem as linhas harmoniosas de tua escrita não te hão-de enriquecer?”
E, erguendo a cabeça para o céu, exclamou: “Alá! Tu o sabes! Eu não te atiro minha rede senão quatro vezes. Ora, eis que a deitei três vezes ao mar!” depois disso, invocou ainda uma vez o nome de Alá e jogou a rede ao mar, esperando que deitasse ao fundo. Dessa vez, apesar de todos os esforços, não conseguiu retirar a rede que se agarrou às rochas do fundo. Então exclamou: “Não há força e poder senão em Alá!” Depois, despiu-se, mergulhou em torno da rede e se pôs a manobrar até que a desprendeu e a trouxe para terra. Abriu-a e ali encontrou um grande vaso de cobre amarelo, cheio e intacto. Sua boca estava selada com chumbo, trazendo o sinete de Salomão, filho de Davi. Vendo aquilo, o pescador ficou muito feliz, e exclamou: “Eis uma coisa que venderei aos caldeireiros, pois deve valer pelo menos 10 dinares de ouro!” Tentou sacudir o vaso, mas viu que era muito pesado, e disse consigo mesmo: “Preciso abri-lo e ver seu conteúdo, que colocarei no saco; em seguida venderei o vaso.” Tomou, então, uma faca e começou a descolar o chumbo. Virou o vaso e dele nada saiu, excepto uma fumaça que subiu até o céu, e se desenrolou na superfície do solo. O pescador espantou-se. Depois a fumaça condensou-se e se transformou num ifrit, cuja cabeça tocava as nuvens e os pés ficavam plantados ao chão. A cabeça daquele ifrit era como uma cúpula, as mãos como forcados, os pés como mastros, sua boca uma caverna, seus dentes como seixos, seus olhos como tochas. Seus cabelos estavam em desordem e empoeirados. À vista daquele génio, o pescador ficou apavorado, seus músculos tremeram, seus dentes serraram, a saliva secou e seus olhos cegaram para a luz.
Quando o ifrit viu o pescador, exclamou: “Não há outro Deus senão Alá, e Salomão é o profeta de Alá!” E dirigindo-se ao pescador, disse-lhe: “E tu, ó grande Salomão, profeta de Alá, não me mates, porque nunca mais te desobedecerei e não me amotinarei contra tuas ordens!” Então o pescador disse: “Gigante, ousas dizer que Salomão é o profeta de Alá! Salomao morreu há mil e oitocentos anos, e nós estamos no fim dos tempos. Que história é essa, então? Qual a causa de tua entrada neste vaso?” O génio respondeu: “Não há outro Deus senão Alá! Deixa-me dar uma boa nova, pescador.” O pescador disse: “O que me vais anunciar?” Ele respondeu: “Tua morte. E neste mesmo momento, e da mais horrível maneira.” O pescador respondeu: “Por essa notícia tu mereces, ó tenente dos ifrits, que o céu te retire sua protecção! E possa ele afastar-te de nós! Por que, pois, queres tu minha morte? O que fiz para merecê-la? Libertei-te daquela prolongada prisão no mar e te trouxe a terra!” Então o ifrit disse: “Pensa e escolhe a morte que preferes, e a forma pela qual apreciarás ser morto!” O pescador disse: “Qual o meu crime, para merecer tal punicao?” O ifrit falou: “Escuta minha história, ó pescador.” O pescador disse: “Fala! E sê breve em teu discurso porque minha alma, de impaciência, está a ponto de sair de meu pé!” O ifrit então contou:
“Sabe que sou um génio rebelde. Havia me revoltado contra Salomão, filho de Davi. Meu nome é Sakir-El-Génio. Salomão mandou ter comigo seu vizir, Assef, que me levou, apesar de meus esforços, e me conduziu à presença de Salomão. Vendo-me, Salomão fez a conjuração a Alá e me ordenou abraçar sua religião e lhe prestar obediência. Recusei. Então ele fez trazer este vaso e nele me aprisionou. Depois, fechou-o com chumbo e imprimiu nele o sinete com o nome do Muito Alto. Depois deu ordens aos génios fiéis que me atiraram ao mar. Fiquei cem anos no fundo da água, e dizia em meu coração: “Farei eternamente rico aquele que me libertar.” Mas os cem anos se passaram e ninguém me libertou. Quando entrei no segundo período de cem anos, disse comigo: “Descobrirei e darei os tesouros da terra `àquele que me libertar.” Mas ninguém me libertou. Então, fiquei tomado de tremenda cólera e disse em minha alma: “Agora, matarei aquele que me libertar, e só lhe concederei que escolha a sua morte! Foi então que tu vieste me libertar. E te concederei que escolhas teu género de morte.”
Ouvindo isso, o pescador disse: “Ó Alá, que coisa mais prodigiosa! Foi preciso que fosse logo eu quem te libertasse. Ó ifrit, concede-me graça, e Alá te recompensará! Mas se me fizeres perecer, Alá fará surgir alguém que te faça perecer por tua fez.” Então o ifrit lhe disse: “Mas eu quero te matar justamente porque me libertaste.!” E o pescador disse: “Ó chaik dos ifrits é assim que tu pagas o bem?” Mas o ifrit lhe disse: “Chega de abusar das palavras! Sabes que é absolutamente necessária a tua morte!” Então o pescador disse consigo mesmo: “Eu não sou senão um homem e ele é um génio. Mas Alá deu-me uma razão bem assentada e assim vou arranjar um meio para perdê-lo, um estratagema para enganá-lo. E verei bem se ele, por sua vez, poderá combinar alguma coisa com sua malícia e sua astúcia.” Então ele disse ao gênio: “Decidiste verdadeiramente a minha morte.” O ifrit respondeu: “Não tenhas dúvidas.” Então ele disse: “Pelo nome do Muito Alto, que está gravado sobre o sinete de Salomao, conjuro-te a responder com a verdade à minha pergunta!” Quando o ifrit ouviu o nome do Muito Alto, ficou emocionado e muito impressionado, e disse: “Podes fazer a pergunta, que te responderei com a verdade.” Então o pescador disse: “Como pudeste caber inteiro neste vaso onde mal caberiam teu pé ou tua mão?” O ifrit disse: “Por caso duvidarias disso?” O pescador respondeu: “Com efeito eu não acreditarei nunca, a menos que te veja com meus próprios olhos, entrar no vaso.”


Mas nesse momento Sherazade viu aparecer a manhã e discreta, calou-se. E o rei Chariar disse, em sua calma: “Realmente esta história é prodigiosa em extremo. Assim, vou esperar o fim e em seguida farei dessa filha do meu vizir o que fiz das outras jovens.”


22/03/2009

Beber Chá




Temos que estar totalmente despertos para apreciar o chá como deve ser. Temos que estar no momento presente. Apenas com a consciência no presente, as nossas mãos podem sentir o agradável calor da chávena. Apenas no presente podemos apreciar o aroma, sentir a doçura e saborear a delicadeza. Se estamos a lembrar o passado ou preocupados com o futuro, perdemos por completo a experiência de apreciar a chávena de chá. Olharemos para a chávena e o chá terá já terminado.
A vida é assim. Se não estamos totalmente no presente, quando olharmos à nossa volta esta terá desaparecido.
Quando pararmos de pensar no que já aconteceu, quando pararmos de nos preocupar com o que poderá nunca vir a acontecer, então estaremos no momento presente. Só então começaremos a experimentar a alegria de viver...


Contos do Oriente



21/03/2009

A viúva e o juiz




Em certa cidade havia um juiz que não temia a Deus e não respeitava ninguém. Nessa cidade morava uma viúva que sempre o procurava para pedir justiça, dizendo:
- Ajude-me e julgue o meu caso contra o meu adversário!
Durante muito tempo o juiz não quis julgar o caso da viúva, mas afinal pensou assim: “É verdade que eu não temo a Deus e também não respeito ninguém. Porém, como esta viúva está me aborrecendo tanto, vou defender os seus direitos.Se eu não fizer isso, ela vai acabar me deixando louco”
Então Deus não vai fazer justiça a favor do Seu próprio povo, que grita por socorro dia e noite? Será que ele vai demorar para ajudá-lo?
Ele julgará a favor do Seu povo e fará isso bem depressa! Mas, quando o Filho do homem vier, será que vai encontrar fé na Terra?


Parábolas de Jesus
Lucas 18- 1 a 8


O inferno e o céu

Atacado na própria honra, o samurai teve um acesso de fúria e, sacando da bainha sua espada, berrou:
- Eu poderia matar-te por tua impertinência!
- Isso é o Inferno – respondeu o Mestre
Espantado por ver a verdade no que o mestre dizia, o samurai embainhou a espada e sorriu, fazendo-lhe uma reverência
- E isso é o Céu – disse o Mestre.

Contos do Oriente






19/03/2009

Lenda da Tomada de Faro aos Mouros

Parte das forças que atacaram o Castelo de Faro fora colocada no largo actualmente chamado de São Francisco, e estas forças eram comandadas por um brioso oficial, robusto e formoso rapaz, solteiro. Este oficial pôde ver, em certa ocasião, a formosa e gentil filha do governador mouro e dela ficou enamorado. Em certo dia conseguiu o oficial que a sua namorada o recebesse em curto rendez-vous dentro do castelo, combinando-se que o mouro intermediário lhe abrisse, alta noite, a porta, hoje da Senhora do Repouso.
À hora marcada, entrou o oficial no castelo e aí em doce colóquio se entreteve com a dama dos seus encantos. À hora de sair, acompanhou ela o seu querido namorado até à porta do castelo, levando consigo um irmão, criança de oito anos.
Quando se aproximaram da porta, disse-lhes o escravo que da parte de fora estava muita gente, pois que mais de uma vez lhes chegavam aos ouvidos vozes abafadas.
O oficial, segurando nos braços a moura gentil, viu-se em eminente perigo. Avançou para fora com a moura e, quase ao transpor a porta, hoje conhecida pela Senhora do Repouso, notou que tinha nos braços não uma formosa jovem, mas apenas uns farrapos, que se desfaziam à mais pequena e leve aragem.
Olhou para o lado pela criancinha e não a viu. Então teve a profunda e tristíssima compreensão da sua desgraça. Caiu no chão sem sentidos.
Nesse momento acudiram as forças do Mestre e de D. João de Aboim e os mouros tinham sido forçados a entregar o castelo, mediante uma avença com o Rei D. Afonso.
O oficial dirigiu-se à porta do castelo. Ao entrar pelo Arco da Senhora do Repouso viu ao lado esquerdo a cabeça de uma criança que se assomava por um buraco.
-O que fazes aí, menino?- perguntou o oficial, conhecendo o irmão da sua namorada.
- Estamos aqui encantados: eu e a minha irmã.
-Quem vos encantou?
-O nosso pai. Soube por uma espia que levavas nos braços a minha irmã acompanhada por mim e, invocando Allah, encantou-nos aqui no momento em que transpunhas a porta. Por atraiçoarmos a santa causa do nosso Allah aqui ficaremos encantados.
-Por muito tempo?
-Enquanto o mundo for mundo



15/03/2009

A fúria sem perdão do cavaleiro D. Ramiro


Conta-se, que em tempos muito idos, D. Ramiro, um destemido e impiedoso cavaleiro, regressado de mais uma campanha vitoriosa sobre os mouros, cruzou-se com duas mulheres, mãe e filha, a quem exigiu que o servissem de água. Fê-lo de forma rude. A jovem, assustada com os modos brutais do cavaleiro-guerreiro, deixou cair a bilha, que se quebrou. Irado, Ramiro lançou-se sobre as duas mulheres e, cego de fúria, acabou com a vida das duas. A mais jovem, porém, antes de morrer, amaldiçoou o guerreiro e toda a sua descendência. No momento em que se consumava a morte brutal das duas mulheres surgiu, já sem oportunidade para as salvar, um jovem mouro: era filho de uma e irmão de outra das mulheres que jaziam prostradas aos pés do furioso cavaleiro. Este, bem treinado em lutas, fez do jovem seu prisioneiro, e levou-o consigo para o castelo.
Este D. Ramiro vivia no castelo com a sua mulher e a filha, Beatriz. Apesar de prisioneiro do fidalgo guerreiro, jovem mouro jurou vingar a morte da sua mãe e irmã. Escolheu para alvo desta sua vingança, as duas damas do castelo, a mulher e a filha de Ramiro. À esposa do cavaleiro, fez tomar todos os dias, sem que o soubesse, um veneno de acção lenta que pouco a pouco a fez definhar e morrer. Angustiado com a perda, D. Ramiro parte para novas batalhas, deixando Beatriz confiada à protecção do mouro. Então, o amor, correspondido, entre os dois foi mais forte e a jura de vingança ficou abandonada.
Regressado das batalhas, o nobre tinha outras intenções para a sua filha: que esta casasse com um jovem cavaleiro da sua fé.
Sabendo de tal situação e para não perder Beatriz, o jovem mouro contou-lhe toda a história, desde a morte da sua família até ao seu desejo de vingança. A jovem perdoou-lhe, e ambos, cada vez mais apaixonados, fugiram do castelo e desapareceram para sempre… ou talvez não, porque, diz-se, nas noites de São João, se olharmos para o alto da torre de menagem, aparece a imagem do eternamente jovem casal apaixonado, abraçado com, a seus pés, prostrado, a pedir perdão, D. Ramiro. Mas o mouro responde-lhe, na lenda, de forma dura e inflexível: maldição!!!


Lenda do castelo de Almourol



A ovelha perdida



Se um homem tem cem ovelhas e perde uma, o que é que ele faz? Por acaso não vai procurá-la? Assim, deixa no campo as outras noventa e nove que não se perderam. E volta com ela nos ombros. Chegando à sua casa, chama os amigos e vizinhos e diz: “Alegrem-se comigo porque achei minha ovelha perdida!”
Do mesmo jeito, vai haver mais alegria no Céu por uma pessoa de má fama que se arrepende do que por noventa e nove de boa fama que não precisam se arrepender.
O Pai que está no Céu não quer que nenhum de Seus pequeninos se perca.


Parábolas de Jesus
Mateus 18-10 a 14
Lucas 15-4 a 7

Os médicos



Certo médico chamado,
De alcunha, o Tanto-melhor,
Foi visitar um doente,
Do qual o Tanto-pior
Era médico assistente.

O último, sempre funesto,
Que o doente morreria
Altamente sustentava,
E o Tanto-melhor dizia
Que o pobre enfermo escapava.

Houve sobre o curativo
Mui grande contestação;
Um aplicava calmantes,
Outro armava uma questão
Em favor dos irritantes.

No fim de tanto debate,
O enfermo a vida perdeu,
E o Tanto-pior clamou:
"Vejam qual de nós venceu!
Se o meu cálculo falhou".

Tomou-lhe o Tanto-melhor,
Mostrando um vivo pesar:
"Pois eu, sempre afirmarei
Que morreu por não tomar
Os remédios que indiquei".

E quanto a mim, se os tomasse,
Morrer havia igualmente;
Mas é desgraça maior
Cair um pobre doente
Nas mãos dum Tanto-pior.


Curvo Semedo (Trad.)

14/03/2009

O pinheiro ambicioso

Era uma vez um pinheiro, que não estava contente com a sua sorte. «Oh! dizia ele, como são horrorosas estas linhas uniformes de agulhas verdes, que se estendem ao longo dos meus ramos! Sou um pouco mais orgulhoso que os meus vizinhos, e sinto que fui feito para andar vestido de outro modo. Ah! se as minhas folhas fossem de oiro!»
O Génio da montanha ouviu-o, e no dia seguinte pela manhã acordou o pinheiro com folhas de oiro. Ficou radiante de alegria, e admirou-se, pavoneou-se todo, olhando com altivez para os outros pinheiros, que, mais sensatos do que ele, não invejavam a sua rápida fortuna. À noite passou por ali um judeu, arrancou-lhe todas as folhas, meteu-as num saco, e foi-se embora, deixando-o inteiramente nu dos pés à cabeça.
«Oh! disse ele, que doido que eu fui! não me tinha lembrado da cobiça dos homens. Fiquei completamente despido. Não há agora em toda a floresta uma planta tão pobre como eu. Fiz mal em pedir folhas de oiro; o oiro atrai as ambições.
Ah! se eu arranjasse um vestuário de vidro! Era deslumbrante, e o judeu avarento não me teria despido.»
No dia seguinte acordou o pinheiro com folhas de vidro, que reluziam ao sol como pequeninos espelhos. Ficou outra vez todo contente e orgulhoso, fitando desdenhosamente os seus vizinhos. Mas nisto o céu cobriu-se de nuvens, e o vento rugindo, estalando, quebrou com a sua asa negra as folhas de cristal.
«Enganei-me ainda, disse o jovem pinheiro, vendo por terra todo feito em pedaços o seu manto cristalino. O oiro e o vidro não servem para vestir as florestas. Se eu tivesse a folhagem acetinada das aveleiras, seria menos brilhante, mas viveria descansado.»
Cumpriu-se o seu último desejo, e, apesar de ter renunciado às vaidades primitivas, julgava-se ainda assim mais bem vestido do que todos os outros pinheiros seus irmãos. Mas passou por ali um rebanho de cabras, e vendo as folhas acabadas de nascer, tenrinhas e frescas, comeram-lhas todas sem deixar uma única.
O pobre pinheiro, envergonhado e arrependido, já queria voltar à sua forma natural. Conseguiu ainda este favor, e nunca mais se queixou da sua sorte.


Guerra Junqueiro, Contos para a Infância




13/03/2009

O burro e o cãozinho


Nunca forceis o talento,
Que perdereis toda a graça:
Jamais terá fino trato
Um lapuz, faça o que faça.

Poucos, do céu escolhidos,
E a quem Deus quis premiar,
Tiveram, ao vir ao mundo,
O talismã de agradar.

Vede a prova deste acerto
Do burro no proceder,
Quando quis, pra ser amável,
Ao dono, agrado fazer.

"Pois então (dizia o burro,
Em solilóquio secreto)
Há de este cão, por mimoso,
Ser dos patrões o dileto?

De bom leito e farta mesa
Com eles goza as delícias;
Enquanto a pau me desancam
Ele recebe carícias!

Que faz ele? Estende a pata,
E, logo após, é beijado.
Se eu não fizer outro tanto,
Hei de ser bem desasado".

Encasquetada esta idéia,
E vendo o dono contente,
Ei-lo, vai para seu lado,
Andando pesadamente.

Levanta ao rosto do dono
Casco, já gasto e asqueroso,
Juntando ao ato o solfejo
Do seu canto gracioso.

DONO
"Que afago e que melodia!
Arrocho nele, Martim!"
Muda o tom com a sova o burro
E a farsa termina assim.


Barão de Paranapiacaba (Trad.)

12/03/2009

A visão de futuro

Era uma vez um escritor que morava numa praia tranquila, junto a uma colónia de pescadores. Todas as manhãs ele passeava à beira mar para se inspirar, e de tarde ficava em casa, escrevendo.
Um dia, caminhando na praia, ele viu um vulto que parecia dançar. Quando chegou perto, era um jovem pegando na areia as estrelas do mar, uma por uma, e jogando novamente de volta ao oceano.
- Por que você está fazendo isso? - perguntou o escritor.
- Você não vê? - disse o jovem. - A maré está baixa e o sol está brilhando. Elas vão secar no sol e morrer, se ficarem aqui na areia.
- Meu jovem, existem milhares de quilómetros de praia por esse mundo afora, e centenas de milhares de estrelas do mar, espalhadas pelas praias. Que diferença faz? Você joga umas poucas de volta ao oceano. A maioria vai perecer de qualquer forma.
O jovem pegou mais uma estrela na areia, jogou de volta ao oceano, olhou para o escritor e disse:
- Pra essa, eu fiz diferença.

Naquela noite o escritor não conseguiu dormir nem sequer escrever. De manhãzinha foi para a praia, reuniu-se ao jovem e juntos começaram a jogar estrelas do mar de volta ao oceano.


10/03/2009

Presente por presente

Um grande fidalgo, que se tinha perdido numa floresta, foi dar de noite à choupana de um pobre carvoeiro. Como este ainda não tinha chegado, foi a mulher que recebeu o importante personagem. Acolheu-o o melhor que pôde, desculpando-se da miserável hospitalidade que lhe ia dar, porque eram batatas cozidas a única coisa que lhe poderia oferecer; cama não a tinha, por conseguinte dormiria sobre a palha. Mas o estrangeiro estava morto de fome e de fadiga; as batatas souberam-lhe mais do que faisões, e dormiu melhor em cima da palha do que num leito de príncipes. Ao outro dia pela manhã disse isto mesmo à pobre mulher, gratificando-a ao despedir-se com uma moeda de ouro. Mas, como o desconhecido lhe tinha dito que a guardasse como uma pequena lembrança, a boa camponesa julgou que seria uma medalha, e sentiu que não tivesse um buraquito para a trazer ao pescoço. Quando o carvoeiro chegou a casa, contou-lhe logo o que lhe tinha acontecido, mostrando-lhe a moeda preciosa. O carvoeiro examinou os cunhos e o valor da moeda de ouro, e disse para a mulher:
«Esse forasteiro era nada mais nada menos do que o nosso príncipe!
E o bom do homem não podia conter-se de alegria, por sua alteza ter achado as suas batatas melhores do que faisões.
«É necessário confessar, disse ele com um ar triunfante, que não há talvez no mundo um terreno mais favorável do que este para a cultura das batatas; hei-de lhe levar um cesto delas, já que as acha tão boas.
E partiu imediatamente para o palácio com uma provisão de batatas escolhidas.
Os lacaios e as sentinelas ao princípio não o queriam deixar entrar; mas insistiu energicamente, dizendo que não vinha pedir nada, e que pelo contrário vinha trazer alguma coisa.
Foi, pois, introduzido na sala da audiência.
«Meu senhor, disse ele ao príncipe: Vossa alteza dignou-se recentemente pedir hospitalidade a minha mulher, e dar-lhe uma peça de ouro, em troca duma enxerga miserável e de um prato de batatas cosidas. Era pagar demasiadamente, apesar de serdes um príncipe muito rico e poderoso. Eis o motivo porque eu venho trazer ainda a vossa alteza um cestito das batatas, que vos souberam melhor do que os vossos faisões. Dignai-vos aceitá-las, e, se nos fizerdes de novo a honra de ser nosso hospede, lá as encontrareis sempre ao vosso dispor.»
A honrada simplicidade do camponês agradou ao príncipe, e, como estava num momento de bom humor, fez-lhe doação de uma quinta com trinta jeiras de terra.
Ora o carvoeiro tinha um irmão muito rico, mas invejoso e avarento, que, sabendo da fortuna do irmão mais novo, disse consigo: «Porque não me há de suceder a mim outro tanto? O príncipe gosta do meu cavalo, pelo qual lhe pedi sessenta libras, que ele me recusou. Vou-lhe fazer presente dele: se deu ao João uma quinta com trinta jeiras de terra, simplesmente por um cesto de batatas, a mim com certeza me há de recompensar ainda mais generosamente.»
Tirou o cavalo da estrebaria e levou-o para defronte das portas do palácio; recomendou ao criado que o segurasse, e, atravessando com ar altivo as alas dos lacaios, penetrou na sala da audiência.
«Ouvi dizer, disse ele, que vossa alteza gosta do meu cavalo; não tenho querido trocá-lo a dinheiro, mas dignai-vos permitir-me que vo-lo ofereça.»
O príncipe viu imediatamente onde o nosso homem queria chegar, e disse consigo: «Deixa estar, tratante, que te vou dar a paga que mereces:
Depois dirigindo-se a ele:
«Aceito a tua dádiva, mas não sei como agradecer-ta condignamente. Oh! espera um pouco: Eis aqui um cesto de batatas mais saborosas do que faisões. Custaram-me trinta jeiras de terra. Parece-me que é um bom preço para um cavalo, que eu poderia ter comprado por sessenta libras.»
E entregando-lhe o cesto, mandou-o embora.


Guerra Junqueiro, Contos para a Infância



O camelo

O camelo, de joelhos, esperava pacientemente que seu dono terminasse de carregá-lo.
Um saco, dois sacos, três, quatro...
- Quando será que vai parar? - perguntou a si mesmo o camelo.
Finalmente o dono estalou a língua e o camelo pôs-se em pé.
- Vamos! - disse o dono, puxando a rédea. Mas o camelo não se moveu.
- Vamos! - repetiu o dono, puxando a corda. Porém o camelo fincou as patas no chão e permaneceu no mesmo lugar.
- Compreendo - disse o dono. E, suspirando, retirou dois sacos das costas do camelo.
- Acho que isto é um peso justo - murmurou o camelo para si mesmo - e imediatamente pôs-se a andar.
Caminharam o dia todo em bom ritmo, e o dono achou que deviam chegar à aldeia. Mas em determinado momento o camelo parou.
- Coragem - disse-lhe o dono - faltam apenas algumas milhas para chegarmos. A única resposta do camelo foi deitar-se no chão.
- Minhas pernas me dizem - pensou consigo mesmo - que já andamos o bastante por hoje.
E o dono viu-se forçado a descarregar o camelo e acampar ao seu lado no deserto.





Inferioridade

Um samurai, conhecido por todos pela sua nobreza e honestidade, veio visitar um monge Zen em busca de conselhos. Entretanto, assim que entrou no templo onde o mestre rezava, sentiu-se inferior, e concluiu que, apesar de toda a sua vida ter lutado por justiça e paz, não tinha sequer chegado perto ao estado de graça do homem que tinha à sua frente.
- Por que razão me estou a sentir tão inferior a si? Já enfrentei a morte muitas vezes, defendi os mais fracos, sei que não tenho nada do que me envergonhar. Entretanto, ao vê-lo meditar, senti que a minha vida não tem a menor importância.
- Espere. Assim que eu tiver atendido todos os que me procurarem hoje, eu dou-te a resposta.
Durante o resto do dia o samurai ficou sentado no jardim do templo, a olhar para as pessoas que entraram e saíram à procura de conselhos. Viu como o monge atendia a todos com a mesma paciência e com o mesmo sorriso luminoso no seu rosto. Mas o seu estado de ânimo ficava cada vez pior, pois tinha nascido para agir, não para esperar. De noite, quando todos já tinham partido, ele insistiu:
- Agora podes-me ensinar?
O mestre pediu que entrasse, e conduziu-o até o seu quarto. A lua cheia brilhava no céu, e todo o ambiente inspirava uma profunda tranquilidade.
- Estás a ver esta lua, como ela é linda? Ela vai cruzar todo o firmamento, e amanhã o sol tornará de novo a brilhar. Só que a luz do sol é muito mais forte, e consegue mostrar os detalhes da paisagem que temos à nossa frente: árvores, montanhas, nuvens. Tenho contemplado os dois durante anos, e nunca escutei a lua a dizer: por que não tenho o mesmo brilho do sol? Será que sou inferior a ele?
- Claro que não - respondeu o samurai. - Lua e sol são coisas diferentes, e cada um tem sua própria beleza. Não podemos comparar os dois.
- Então, tu sabes a resposta. Somos duas pessoas diferentes, cada qual a lutar à sua maneira por aquilo que acredita, e a fazer o possível para tornar este mundo melhor; o resto são apenas aparências.

Contos do Oriente





09/03/2009

Lenda da Moura Cassima



Esta lenda passa-se em 1149, na véspera da reconquista de Loulé aos Mouros pelo Mestre D. Paio Peres Correia.
Loulé estava sob domínio dos mouros e seu governador tinha três belas filhas Zara, Lídia e Cassima que era a mais nova.
Quando D. Peres se encontrava no exterior da muralhas da cidade pronto para conquistar a cidade, o governador levou as suas filhas até uma fonte onde as encantou, com o objectivo de as preservar de um possível do cativeiro. Contudo o governador nessa noite conseguiu fugir para Tânger deixando as suas filhas para trás.
Mas este não conseguia viver feliz ao pensar na pouca sorte das suas pobres filhas. Até que num certo dia apareceu em Tânger um "carregamento" de escravos vindos de Portugal onde se encontrava um homem de Loulé, que o governador não hesitou em comprar.
Já no palacete o mouro perguntou ao Carpinteiro se ele não gostaria de voltar para perto da sua família, este sem perder um segundo disse que sim. Logo o mouro pegou num alguidar cheio de água dizendo ao louletano para ele se colocar de costas para o alguidar e saltar para o outro lado, prevenindo-o que se caísse dentro da água iria afogar-se no oceano, dando-lhe 3 pães (pães esses que continham a chave para o desencantamento das mouras) diz-lhe o que fazer com eles a fim de libertar as suas lindas filhas do encantamento a que foram sujeitas. O carpinteiro salta e como num passe de mágica chega a sua casa abraçando a sua mulher, logo de seguida ele vai até um canto da casa e esconde os 3 pães dentro de um baú.
Passado algum tempo mulher descobre os pães e fica desconfiada por ele estarem escondidos, então ela pega numa faca afim de ver se há alguma coisa dentro deles, espetando a faca num de imediato ela ouve um grito e as suas mãos enchem-se de sangue vindo do interior do pão.
Na véspera de S. João (dia para o encantamento ser quebrado) o carpinteiro estava indiferente à animação pois só pensava em cumprir a promessa por ele feita ao ex-governador, logo que pode pegou nos pães e foi até fonte. Chegando a altura certa este atira o 1º pão para a fonte e grita por Zara, a mais velha das irmãs e uma figura feminina sobe no espaço e desaparece diante dos seus olhos. Logo de seguida atira o 2º e grita por Lídia volta a aparece-lhe outra bela rapariga que desaparece no ar diante dele. Por fim atira o 3º e grita pela filha mais nova do ex-governador, nada acontece, ele volta a grita por Cassima e uma jovem moura aparece-lhe agarrada ao gargalo da fonte, que lhe diz que não pode sair dali devido a curiosidade da sua esposa. Ele pede-lhe desculpa em nome da sua pobre mulher, esta diz que a perdoa e que tem uma coisa para a mulher deste pois jamais poderá sair daquela fonte e atira um cinto bordado a ouro para as mãos do carpinteiro, enquanto desaparece no interior da fonte...
No caminho o Carpinteiro para ver melhor a beleza do cinto coloca-o em redor de um troco de um grande carvalho, mas de imediato a arvore cai por terra, cortada cerce pelo cinto fantástico.
Benzendo-se e rezando o carpinteiro compreende tudo: Cassima dera-lhe o cinto apenas para se vingar! Sua mulher ficaria cortada ao meio, como o carvalho gigantesco!...
Este correu para casa abraçou a mulher e nessa noite não consegui pregar olho com medo que a moura ali aparece-se, mas isso nunca aconteceu. Tal como a moura Cassima lhe dissera não mais poderia sair da fonte. Apenas por vezes, segundo se diz - principalmente nas vésperas de S. João - ela consegue agarrar-se ao gargalo da fonte, e mostrar sua beleza, e chorar a sua dor aos que se aventuram por até lá....