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09/03/2009

A Lenda do Rio Júlio


Nas terras bem lá do Centro, onde o tempo é sempre quente e o ar se bebe como a água mais pura, um homem de rosto negro como a noite mais escura e de dentes tão brancos como a neve que jamais sonhou existir, sorria sempre com hora marcada e sentava-se sempre do mesmo lado da vida, olhando o rio, acreditando que o tempo era só dele… 
Contava aos netos da aldeia, que partilhavam todos os avós sem cobiça nem avareza, histórias muito, muito antigas, tão antigas que não era possível rememorar o fiozinho por onde se puxava o seu princípio… 
- Ela era uma morena bonita, bonita… Os olhos dela sorriam… Mas apesar da sua cor de chocolate, que era herança de um branco que se perdeu na sanzala, não encontrava o amor! Pai Katanganha, que fez a menina, queria dá-la a qualquer um, para receber o alambamento! Onde já se viu perder cabras e ovelhas, mesmo que pastassem somente nos sonhos de um Soba?!... Aka! Mas ninguém se prendia no coração da mulata e ela, tão triste, tão triste, ia cozinhando as ideias, a ver se do matete que lá colocava escorria melhor pensadura. E se alembrou então de consultar as estrelas, para ver se lhe diziam a verdade da sua vida. Olhou, olhou e nada! Puxa! Não podia ser no escuro que ia ver o amor; tinha de ter luz para o perceber… Alembrou-se, por isso, de ver na fogueira, na roda dos tchinganges e dos quissanges, onde estaria a sua verdade… Mas a luz era muita e as caras feias, feias… Não tinham amor para dar! Procurou o feiticeiro, que sabe falar com os espíritos, para perguntar o destino. Sentado no chão, de olhos bem fechados e no meio do fumo do tabaco que enrolava, andava perdido noutro mundo. E quem anda perdido não pode encontrar nada, porque não sabe quem é, nem para onde vai, né?!... Triste, triste, a mulata viu o sol nascer na beira do rio. Encheu a moringa, para dar de beber à sede e sentiu a força da água, correndo para lá do mundo… Pensava, pensava e nem dava conta… Ao lado, mesmo ali, um homem de rosto negro como a noite mais escura e de dentes tão brancos, tão brancos, sorria… «Me dá um pouco de água, menina?!...» Ai, mulata bonita, perdeu-se de amores! Seus olhos sorriram e os dele também. Beberam da água do rio, juntinhos, juntinhos e sorrindo se foram para lá, na sanzala! 
- Como é, Acuco, que essa história tem fim? – perguntava um dos netos. 
- Fim?!... Não tem, não, kacuenje ! O rio não morre, é dono do tempo e o amor vive aqui, na beira do rio, à espera de quem o venha beber na moringa… Ele espera, espera… 

Lenda de Angola