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31/07/2010

Há muitos, muitos anos, vivia em Mourilhe, na região de Montalegre, Aben Ahmid, filho do chefe dessa aldeia moura. A sua tribo estava proscrita em relação aos outros muçulmanos que a abandonaram aquando do avanço cristão.
Um dia, Aben decidiu sair do reduto mouro de Mourilhe e cavalgou até ao Minho. Aí, conheceu uma bela jovem cristã chamada Leonor. Foi amor à primeira vista e, como a jovem também o amava, Aben pediu-lhe que partisse com ele para Mourilhe. Depois de recusas e hesitações, pois era cristã, Leonor cedeu aos impulsos do coração e foi com Aben.
Contudo, a aldeia e o pai de Aben não receberam bem os jovens apaixonados, principalmente Leonor, que logo quis regressar à sua terra. Expulsos da casa do chefe, foram recolhidos por Almina, a mulher que criara Aben desde pequeno, pois era órfão de mãe. Almina acolheu muito bem Leonor, o que irritou Mohamed, pai de Aben. Como gostava muito de Aben, Almina foi falar com Mohamed e pediu-lhe para se reconciliar com o filho e aceitar Leonor. Mohamed lembrou-lhe, então, que Aben estava prometido a Zoleima, uma moura da aldeia. Foi então que a ama lhe recordou que, na sua juventude, também ele se apaixonara por Anália, uma jovem cristã, abandonando Zuraida em vésperas de ser mãe de Aben. Só voltara porque Anália caíra doente e morrera pouco tempo depois. Zuraida recebeu-o e perdoou-lhe, mas foi maltratada por Mohamed e acabou por morrer também, deixando o pequeno Aben sem mãe.
Perante estas lembranças, era cada vez maior a ira do chefe mouro que, intransigente, correu com Almina. Aben decidiu então abandonar a aldeia, com a ama e Leonor. Ainda na aldeia, e em conversa com Leonor, Almina lembrou-se de um último estratagema para alterar a situação: tinha de falar com Zoleida, que amava Aben desde criança, ainda que este nunca tivesse correspondido a tal paixão. Zoleida, contudo, não se encontrava em casa quando Almina a procurou. Ao saber da vinda de Aben para a aldeia com uma cristã, louca de dor e raiva, tinha corrido para a casa do jovem. Silenciosa e esquiva, Zoleida acercou-se de Leonor pelas costas e apunhalou-a, fugindo de imediato.
Pouco depois, surgiram Aben e Almina, que depararam já com a pobre Leonor morta. Aben e Almina ficaram aterrados e inconsoláveis. Então, Aben decidiu cobrir com um manto o corpo sem vida de Leonor e levá-lo consigo para bem longe dali. Almina ainda o tentou demover, mas nada conseguia vencer o desespero de Aben.
Almina, chamando insistentemente por Aben, voltou-se para a aldeia atrás de si e rogou-lhe uma praga de fogo. Para que Mourilhe se purificasse teria de ser destruída pelo fogo três vezes.
Mourilhe foi, de facto, três vezes devastada pelo fogo - na Reconquista Cristã, em 1854 e em 1875.

Lendas Portuguesas

O homem que queria ser peixe

Xu Wei era um homem simples e sem histórias. Pequeno funcionário em um tribunal de província, ele passava os dias tranqüilos em companhia de seus três compadres, Zhou, Lei e Pei.
Naquele ano, no início do outono, Xu Wei ficou doente. Depois de uma semana de delírio, parou de respirar. Nem reagia mais quando alguém dizia o seu nome. Parecia morto mas persistiam suspeitas de calor na região do coração. Seus parentes, recusando-se a enterrá-lo, sucediam-se no seu leito de morte.
Vinte dias depois, Xu Wei deu um longo gemido e sentou-se na cama. Depois perguntou:
-Quando tempo eu fiquei inconsciente?
-Vinte dias.
-Chamem depressa meus colegas Zhou, Lei e Pei, e digam para eles virem aqui. Eles devem estar à mesa, prontos para comer uma carpa. Diga a eles que estou bem novamente e que gostaria de lhes contar uma coisa muito estranha.
Um servidor foi despachado até os três empregados do tribunal, que de fato estavam sentados à mesa, em volta de uma travessa com uma carpa. No mesmo momento em que eles ouviram a notícia, deixaram a tigela e os kuaizi e correram até onde estava Xu Wei.
Depois de alguns instantes de emoção pelo reencontro, Xu Wei perguntou:
-Me diz uma coisa, hoje, bem de manhã, vocês não encarregaram nosso intendente Chang Pi para comprar um belo peixe?
-Sim - eles responderam em coro.
Xu Wedi voltou-se para o intendente.
-Chang Pi, tu então foste na casa de Chao Kan, o pescador. Ele tentou te enganar, dizendo que tinha apenas uns peixinhos de segunda. Mas tu, tu descobriste uma bela carpa que ele tinha camuflado nos juncos e tu saíste de lá com ela. Ao entrar, passaste diante de um juiz, que jogava uma partida de xadrez com um sargento, nas arcadas. Depois tu viste Zhou e Lei no hall, jogando dados. Pei estava lá também, comendo peixe. Contaste para ele a mentira do pescador e eles ficaram com tanta raiva que prometeram esfolar vivo aquele cretino. Enfim, tu entregaste a carpa ao cozinheiro que foi logo prepará-la. Não foi assim que as coisas aconteceram?
Eles entreolharam-se e confirmaram o que tinham ouvido.Depois eles bocejaram:
-Mas...como é que sabes?
- Eu sei, porque essa carpa...era eu.
Eles então pediram que ele recontasse tudo do começo, pois não tinham entendido.
-Quando eu fiquei doente, começou Xu Wei, eu queimava de uma febre tão forte que eu sentia falta de ar. Só tinha uma idéia: me refrescar. No fim, não aguentando mais, peguei minha bengala e saí.
-Saíste. Como, se não deixaste a cama..
-Pode ser que eu estivesse sonhando, não sei bem. Depois de passar as muralhas da cidade, de repente me senti livre, livre como um pássaro fora da gaiola. E era maravilhoso, mas muito maravilhoso mesmo! Primeiro fui até as colinas, mas, de novo, sentia falta de ar. Então desci para o rio. A água era calma e profunda, e lisa como num lago. Nem mesmo uma marola, um vinco, onde o céu de outono se admirava. De repente, tive vontade de entrar dentro dessa água. Deixei minhas roupas na margem e entrei.
- Na minha juventude, sempre tinha adorado água. Mais tarde, perdi o hábito de nadar. Coisa boa renovar esse prazer que sentia antes!
E de repente, me disse. Nadar é o máximo! Mas nada tão rápido como um peixe deve ser melhor ainda.
“Nesse momento, um peixe passa perto de me e me diz:
- Se esse é o seu desejo, nada mais fácil do que realizá-lo. Vai ser muito fácil virar peixe. Espera, vou providenciar essa mudança.
“Pouco depois, vem na minha direção um homem com cabeça de peixe, bem grande, nas costas de um monstro marinho e seguido de uma grande quantidade de alevinos. Imediatamente ele começou a ler para mim um decreto do deus das fontes e dos rios:
“Viver com os pés no seco e nadar livre são dois modos de vida bem diferenes. As criaturas da terra firme nada sabem da onda –ou muito pouco e somente os que gostam de água.
Xu Wei manifestou seu desejo de nadar livremente. Retirado do reino infinito das águas, ele deseja voltar a ela. Renunciando à terra, ele renega o mundo mortal das ilusões.
Nós vamos satisfazer seu desejo.
Que ele se torne então – como experiência – uma criatura com escamas, uma carpa dourada dos Lagos do Leste, livre para viver dentro d’água. Mas atenção! Que ele não se bata contra os barcos, porque isso é um crime. E sobretudo, que ele não fique guloso, porque, se ele se esquecer que sob a isca esconde-se um anzol, ele sofrerá mil mortes ao ar livre.
“E logo, meu corpo se cobriu de escamas. Felicidade! Coisa boa! Eu me jogo na água e nado onde me passa pela cabeça, salto sobre a crista das vagas nas profundezas mais secretas, eu culbuto e dou piruetas à vontade nos três rios e nos cinco lagos do reino...
“Minha felicidade foi completa durante algum tempo. Todas as noites, como tinha recebido ordens, voltava tranquilamente para o Lago do leste.
“Finalmente, a fome. E eu não conseguia nada para comer. Então comecei a seguir um barco. De repente, vi Chao Kan, o pescador, jogar a linha na água.
“Mmmm! A isca parecia bem gostosa. Maseu não ia car na armadilha e ser pego, não é mesmo! Pensei: “Vamos, tu és um homem inteligente. Momentaneamente transformado em carpa, tudo bem. Mas não vais assim mesmo cair nessa armadilha grosseira.”
“Para não cair em tentação, distanciei-me da barca. Mas a fome me trouxe de volta. Eu me dizia. Estou disfarçado de peixe, mas isso é apenas um jogo. Admitamos que o pescado me pegue, eu, uma pessoa respeitável. Ele certamente não vai me fazer mal. Eu lhe direi tudo e ele me reconhecerá e me levará de volta para a cidade.”
E então eu engulo a isca e, com ela, o anzol. Chao Kan me tira da água. Quando vejo sua mão se aproximar para me pegar, eu me contorço, grito para me soltar. Não adianta, pois ele não me escuta. Ele me passa um cordão nas guelras e me amarra nos juncos.
“Pouco depois, Chang Pi chega para comprar peixe. Dos juncos, escuto a discussão.
-Só tenho uns bem pequenos, mente Caho Kan. E em vez de um, leva muitos.
-Ah, isso não. O sargento Pei me encomendou um dos grandes.
Nesse momento, o intendente olha para os juncos, me vê e me retira de lá.
Eu recomeço a gritar.
-Chang Pi, sou eu, Xu Wei, o assistente do magistrado. Peguei a forma de peixe e nadei pelas águas do reino, mas sou eu mesmo, teu chefe, e tu deverias se inclinar diante de mim!
“Acha que ele me escutou? Que nada! Ele volta para a cidade, me balançando pelo caminho.
Quando eu passo na porta do recinto do tribunal, vejo o magistrado, os dois debruçados sobre o tabuleiro de xadrez. Um vez mais, grito com todas as minhas forças. Eles apenas erguem a cabeça e sorriem, ao me verem.
-Esse aí vale a pena, heim! – diz um.
-Um quilo, quilo e meio, no mínimo! diz outro.
No saguão, passamos por vocês três, que jogavam dados. E tu, Pei, comias um pêssego. Vocês ficaram surpresos com o meu tamanho, e deu parabéns ao Chang Pi pela compra. Ele contou para vocês como o pescador tentou no início me esconder e Pei, furioso, falou que ia surrá-lo.
“E eu, durante todo esse tempo, dando o maior grito, repetindo que sou eu, Xu Wei, colega de vocês. Nada feito. Vocês me levam até a sala e me entregam para o cozinheiro. Ele me joga sobre a tábua de cortar carne, pega uma faca. Eu choro e suplico sem parar.
-Wang, Wang. Não estás me reconhecnedo? Corre e diz para os outros que se trata de um engano.
Mas Wang faz como se não ouvisse nada. Ele aperta minha nuca contra a tábua, levanta a mão e a faca...
Foi nesse mentno que acordei e mandei chamar vocês três.
Todo muito ficou estupefato. E todos tinham o coração apertado por essa carpa sem sorte.
No entanto, logo que eles a viram – o intendente, ao descobri-la nos juncos; o juiz e o sargento, que a tinha visto passar; os três colegas, que a tinham enviado para a cozinha; o cozinheiro, encarregado de a matar – todos eles nada tinha ouvido, nem sentido alguma coisa difeerente. Eles tinha visto apenas a boca do peixe se agitar em silêncio.
Os três senhores ficaram então sem o prato de carpa e, a partir dessa data, nunca mais comeram peixe. Xu Wei recobrou a saúde, tornou-se conselheiro pessoal do juiz e morreu de morte natural muitos anos depois.



O túmulo dos três reis



Um dia o rei ordenou que Ganjiang e Moya, um casal do estado de Chu, fizessem um par de espadas para ele. O casal passou três anos fazendo as espadas. O rei ficou aborrecido com o atraso, ameaçando matar o marido. O par de espadas ficou pronto e, como era costume, uma era o macho e a outra, a fêmea.
A mulher de Moya estava esperando um filho e logo iria entrar no trabalho de parto. Seu marido disse:
“Como demoramos três anos para fazer as espadas, o rei deve estar muito brabo comigo. Quando eu levar entregar as espadas, pode ser que ele me mate. Se nosso filho for homem, quando ficar grande, diz para ele sair lá fora da porta, olhar para a Colina Sul. Ele vai enxergar um pinheiro crescendo na rocha e a espada está do outro lado.”
Ganjiang procurou então o rei, levando a espada fêmea. O rei não se coube de tanta raiva, ao examinar a espada.
“Tinha encomendado um par, mas está faltando o macho.”
De um golpe só, o Rei cortou a cabeça de Ganjiang.

Quando o filho de Ganjiang, chamado Chi, cresceu, ele perguntou ã sua mãe:
“Onde está meu pai?”
“Seu pai fez espadas para o Rei, mas demorou muito. O rei, furioso, cortou a cabeça dele. Mas antes dele procurar o rei, ele tinha me pedido pra dizer que você deve sair ali fora da porta e olhar na direção da Colina Sul. Nela tem um pinheiro numa rocha e a espada está atrás”.
O filho foi então até a porta e olhou para o sul. Ele não achou a colina mas viu um pinheiro crescendo num pedestal na frente da casa. Ele cortou o pinheiro com um machado e encontrou a espada. A partir desse momento ele jurou que iria se vingar do rei por causa da morte de seu pai.

Um dia o rei sonhou que tinha na região um rapaz de sobrancelhas bem separadas prometendo matá-lo. O rei ofereceu uma recompensa de mil moedas de ouro para quem prendesse o rapaz. Mas o rapaz, sabendo disso, fugiu. Um dia ele estava cantando uma uma canção bem triste na montanha quando um estranho chegou até ele e perguntou:
“Você parece muito jovem, cantar de um jeito assim tão triste?”
“Eu sou o filho de Ganjiang e o Rei de Chu matou meu pai. Eu vou me vingar dele.”
O estranho disse:
“Fiquei sabendo que o rei está oferecendo mil moedas de ouro pela sua cabeça. Se você me der sua cabeça e a espada, eu vingo a morte de seu pai”.
“Negócio feito”, disse o rapaz.
O rapaz então cortou de um golpe só sua própria cabeça e a entregou junto com a espada ao estranho, enquanto seu corpo permancia firme.
O estranho disse:
“Pode deixar, nosso acordo continua de pé”.
Nem bem acabou de falar, o rapaz caiu no chão, morto.
O estranho levou a cabeça de Chi para o Rei de Chu e o rei ficou muito contente.
O estranho disse:
“Essa cabeça pertence a um herói. Você tem de cozinhá-la em um caldeirão bem grande”.
O rei fez o que o estranho tinha dito. Três dias se passaram e a cabeça não tinha desmanchado, pulando furiosa dentro do caldeirão.
O estranho disse:
“A cabeça tem de se dissolver. Se Sua Majestade chegar bem perto e ficar olhando para ela, logo se desmancha”.
Quando o rei aproximou-se do caldeirão para olhar a cabeça, o estranho virou-se com a espada e a cabeça do rei caiu dentro da água fervente. Então o estranho pegou a espada, cortou sua própria cabeça, que também caiu dentro do caldeirão. As três cabeças logo ficaram desfiguradas e ninguém mais conseguia reconhecê-las.
As pessoas dividiram então os restos em três porções e as enterraram em um túmulo, que recebeu o nomem de “Túmulo dos Três Reis”. Ainda hoje esse túmulo pode ser visto no povoado de Yichun, no norte de Runan.


O matador de dragões




Era uma vez, há muito tempo, quando o mundo era jovem, um rapaz que vivia numa aldeia no meio da floresta. Ele tinha um sonho: quando crescesse, queria ser um grande guerreiro. Um dia, no seu 16º aniversário, disse à família que queria partir. A mãe ficou triste. Mas disse-lhe:
- A tua partida entristece-me, filho, mas não te impedirei. No entanto, é difícil sair da floresta, se quiseres ir para o castelo real. Afasta-te dos dragões, eles andam por aí, se vires um não te armes em valente, foge imediatamente!
O rapaz, depois de se ter despedido da mãe, e de ter jurado que teria cuidado, pôs-se a caminho com a trouxa às costas. Andou durante muito tempo, até cair a noite. Aí, ele deitou-se debaixo de uma árvore e adormeceu.
Passado algum tempo, ele acordou. Como não via nada, pois era lua nova, pôs-se à escuta. O que ouviu foi uma canção estranha, cantada numa língua que nunca ouvira, e sentiu-se encantado. Hipnotizado, levantou-se e seguiu na direcção da musica. Já distinguia luz e alguns vultos à sua frente. Então, sem esperar, duas mãos agarraram-no e outras ataram-no com cordas. Depois levaram-no na direcção dos vultos.
Então o rapaz viu que eram elfos, o povo imortal que vivia simultaneamente no mundo dos espíritos e no dos mortais. Levaram-no para junto de um, mais alto que a maioria, que devia ser o seu rei ou chefe.
O rei falou então, e disse:
- Quem és tu, vil mortal, que no chão rastejas como os animais, para te atreveres a incomodar-nos?
O rapaz, meio assustado, meio revoltado com as palavras do rei, levantou-se e disse:
- Posso ser um mortal, mas não aceito ser chamado de vil. E não vos vim incomodar de propósito. Sou um simples rapaz, e procuro uma saída da floresta, para ir ter ao castelo do Rei dos Homens.
Então o rei elfo respondeu:
- Então é isso? Bem, rapaz, vou dizer-te uma coisa: a nossa lei diz que quem entrar no nosso território não poderá sair. Mas como vejo que és corajoso e desejas cometer grandes feitos, vou dar-te uma oportunidade. Decerto já ouviste falar dos dragões da floresta. Bem, os seus lideres, os Três Grandes Dragões, querem destruir-nos. Pois, embora não morramos de velhice ou cansaço, mortos por armas podemos ser. Bem, esses dragões, Ancalon, o Preto, Smaug, o Dourado, e Glaurung o Grande, precisam de ser detidos. E é aí que tu entras. Queremos que os procures nos seus covis e os mates. Trarás os dentes deles como prova do teu feito, percebeste?
O rapaz acenou, para mostrar que percebera. Embora ele soubesse que provavelmente não voltaria, a chama da aventura acendera-se nele.
O rei elfo, vendo que ele aceitara, ordenou que o armassem. E eles assim fizeram, armaram-no com cota de malha, armadura, escudo e espada, com as insígnias élficas.
E assim se pôs o rapaz a caminho. Durante muitas noites andou, andou, sem encontrar nada. Até que um dia, de manhã, acordou com o som de vozes rudes e ásperas. Correu na sua direcção e viu que eram anões, uma companha, armados de machados.
Os anões, quando o viram, correram na sua direcção e gritaram-lhe:
- Foge, se não queres ser assado vivo! Vem aí Smaug!
E afastaram-se a correr apavorados. Nesse momento ouviu-se um grito de parar o coração, tal o ódio e a maldade nele impregnado. Então ele desembainhou a espada e esperou pelo dragão. Este apareceu de repente, por trás de uma colina, mas estacou quando o viu.
Olhou-o com curiosidade, e disse-lhe:
- Hum, este deve ser o aperitivo de hoje. Diz-me rapazinho, porque não foges como todos os outros? Estás com tanto medo que nem te consegues mexer?
O rapaz não se impressionou, e disse: - Ouve, Verme Dourado, não tenho medo de ti! Estou aqui para te matar e é isso que vou fazer
Dito isto, saltou para a frente e cravou a espada nos membros inferiores do dragão. Este deu um grande guincho, e disparou fogo contra ele. O rapaz desviou-se mesmo a tempo. Então o dragão, que estava agachado, levantou-se. Nesse momento, o rapaz viu a sua oportunidade, e cravou a espada no ventre do dragão. Este caiu para trás. O rapaz retirou a espada e utilizou-a para lhe retirar os dentes. E pôs-se de novo a caminho.
Desta vez não foi necessário esperar para alguém lhe indicar o dragão, pois ele próprio viu o rasto negro por ele deixado. Cheio de pesar pela vegetação e pelos animais, foi andando até reparar em algo estranho: no meio da estrada estava um arco, juntamente com uma aljava de setas. Quando se aproximou, viu que alguém tinha deixado um bilhete. Este dizia: Atinge-o nos olhos. Boa sorte.
Intrigado sobre quem lhe teria deixado aquilo ali, pôs a aljava ao ombro e pegou no arco. De repente, ouviu-se um grito e o bosque atrás dele explodiu em chamas. Ele agachou-se e viu a chegar, do ar, Ancalon, o Preto, rei dos dragões alados, em todo o seu terrível esplendor.
O dragão desceu de repente, ficando a pairar um metro acima do rapaz. Este, cheio de raiva, não esperou sequer que o dragão falasse; pegou numa seta e atirou-lha ao olho. O dragão, apanhado de surpresa, caiu ao chão, cego pelo ferimento e pela dor. Quando viu a melhor oportunidade, o rapaz saltou-lhe para cima e cravou-lhe a espada na garganta. O dragão soltou um último grito e morreu.
O rapaz tirou-lhe os dentes, e pela segunda vez pôs-se a caminho. Desta vez tinha que procurar o último dragão, o mais terrível de todos. Enquanto andava, viu um lago de águas que pareciam de prata. Aproximou-se e começou a beber. De repente, ouviu um barulho de chapinhar, e viu aquilo que parecia uma forma humanóide, mas feita de água. O estranho ser disse então:
Não me temas! Sou um Espírito da Água, e pelos elfos tive conhecimento da tua missão. Quero ajudar-te, pois os dragões também me podem destruir a mim! Aproxima-te.
O rapaz, como que enfeitiçado, avançou até a água lhe dar pelos joelhos. O Espírito da Água também se aproximou, e disse:
Vou fazer-te um encantamento que te ajudará.
Pegou num pouco de água do lago e deitou-lha na cabeça, enquanto murmurava palavras incompreensíveis. O rapaz sentiu-se então fresco e aliviado.
- Agora fogo nenhum te poderá deter. Agora vai, e destrói esse maldito dragão!
O rapaz, sem palavras para agradecer tamanha dádiva, afastou-se e continuou a andar, pois embora fosse de noite, ele tinha perdido o sono.
E foi assim que ele encontrou Glaurung, o Dourado, pai dos dragões, num sono profundo. Dando graças à sua sorte, empunhou a espada, e pôs-se em frente à cabeça do dragão. Mas quando ia a dar a estocada final, este abriu os olhos vítreos amarelos, e disparou chamas contra ele. Não se conseguiu desviar, mas, para surpresa do dragão, o rapaz ficou apenas um pouco chamuscado. Ele saltou para a frente, e com um grande grito espetou a espada entre os olhos do dragão, que tombou imediatamente.
O rapaz, cansado, largou a espada e deixou-se cair no chão. Nesse momento, ouviram-se vozes e cantos, e o rapaz viu que eram os elfos, com o seu rei à frente. Este inclinou-se perante ele. O rapaz deu-lhe os dentes dos dragões, mas o rei devolveu-os, e disse-lhe para fazer com eles colares, para dar ao rei como prova da sua valentia. Este assim fez. Montou num cavalo que os elfos lhe ofereceram e partiu na direcção do castelo.
Quando chegou ao castelo e foi levado à presença do rei, mostrou-lhe os colares. O rei ficou muito impressionado, e nomeou-o Cavaleiro ali mesmo. E naquele castelo o rapaz viveu, e cometeu muitos feitos até ao fim dos seus dias. E durante muitos anos se contaram os feitos do Scatha Gorgor, O Matador dos Dragões.

O gigante que não tinha coração

Era uma vez um rei que tinha sete filhos. Ele estava muito doente e precisava ser substituído, mas queria primeiro ver os filhos casados para depois escolher quem seria seu sucessor. Resolveu dar um cavalo para cada filho para que fossem procurar esposas, já que onde moravam não havia mulheres. Pediu ao mais novo que ficasse com ele para ajudá-lo no castelo e ele concordou, mas o rei pediu que os irmãos trouxessem uma esposa para o mais novo.
Os seis filhos partiram, cada um com seu cavalo e um pouco de comida. Foram em direcção da floresta e começaram a procura das esposas. Andaram muitos dias e nada, a fome já estava ficando enorme, pois a comida acabara. De repente, viram ao longe uma luz acesa e se dirigiram para lá. Era um lindo castelo e eles bateram na porta e foram atendidos por um criado. Perguntaram se o rei estava e ele disse que sim. Pediu que entrassem e chamou o rei para falar com eles, pois achou-os muito sujos e esquisitos. Quando o rei chegou, eles contaram porque estavam tão sujos e a verdade sobre a busca de esposas. O rei mandou que tomassem banho, deu-lhes roupas limpas e convidou-os para jantar. Assim fizeram e, qual não foi a surpresa de todos, quando entraram no salão e viram, em volta da mesa, seis lindas jovens. Ficaram muito felizes e pediram ao rei se podiam desposar suas filhas. Ele concordou e, cada um, escolheu a sua preferida. Viveram um tempo no castelo até o casamento, mas depois pediram ao rei para irem ver o pai que os esperava para escolher o sucessor. Assim, despediram-se do rei e foram embora cada um no seu cavalo com a esposa atrás. Nem se lembraram do irmão mais novo. Andaram bastante, até um deles resolver cortar caminho por um atalho e todos concordaram, para encurtar a viagem. Porém, neste caminho morava um Gigante, o gigante sem coração, em uma gruta.Quando eles passaram por ela o gigante fez com que eles virassem estátuas de pedras com seus cavalos e esposas.
O rei, pai deles, estava cada dia mais doente e eles não davam notícia. O filho mais novo(parvo ou simplório), com pena do pai, resolveu que iria procurar os irmãos. O pai pediu que ele não fosse porque só havia uma égua velha no castelo e ele não chegaria a lugar nenhum. Mas ele estava disposto e montou na égua somente com um pedaço de pão para a viagem. Despediu-se do pai prometendo trazer os irmãos de volta ao castelo.
Lá se foi o rapaz andando pela floresta, andou muito até que resolveu sentar-se em baixo de uma árvore e comer um naco do seu pão. Quando comia ouviu uma voz que pedia se ele daria um pedaço para ele. Olhou e viu um Corvo no galho, tirou um naco do pão e deu ao corvo. Este agradeceu e disse-lhe que quando precisasse dele, era só chamar que ele o ajudaria. Ele agradeceu e seguiu viagem. Andou mais e mais e, novamente resolveu descansar, só que estava perto de um riacho e sentou-se na relva, mas logo escutou um gemido e, quando olhou era um Salmão que estava fora d'água se debatendo. Ele pegou-o e colocou dentro do riacho. O salmão disse-lhe que se precisasse dele era só chamar, e mergulhou. Ele continuou sua viagem, mas a égua já não se aguentava mais de pé, ele quase a levava nas costas, mas perto de uma estrada ele avistou um Lobo. Teve medo, mas logo o lobo disse que era amigo e só precisava comer pois a fome era muita. Pediu a ele que lhe desse a égua para comer e ele lhe ajudaria no que precisasse. O rapaz ficou sem saber o que fazer, mas realmente a égua estava mais morta do que viva e ele contou ao lobo porque estava viajando e, esse, na mesma hora, disse saber onde estavam seus irmãos. Sendo assim, ele concordou que o lobo comesse a égua. Após seu banquete, o lobo se fortaleceu e mandou que o rapaz montasse no seu lombo. Assim que ele montou, o lobo saiu em disparada e, rapidamente, chegou a gruta onde estavam os irmãos estátuas. Ele ficou sem saber o que fazer, mas o lobo disse que entrasse na gruta porque aquela hora o Gigante estava fazendo suas maldades. O lobo ficou na porta da gruta tomando conta para avisá-lo quando o gigante chegasse.
Quando o rapaz entrou na gruta teve uma surpresa, pois, sentada numa cama, estava um linda moça. Ele perguntou quem era ela e soube que estava ali pois o gigante sem coração que morava na gruta a tinha roubado de seus pais ainda criança e ela só sairia dali quando alguém encontrasse o coração do gigante e conseguisse matá-lo. O rapaz ficou em pânico, mas ela teve a ideia dele se esconder em baixo da cama e, quem sabe, descobririam onde estava o coração do gigante. Assim fizeram. Quando o Gigante chegou, sentiu cheiro de carne humana e teve um ataque, pois queria comer quem estivesse ali, mas a moça disse que eram ossos que os corvos tinham deixado cair. Ele jantou e foi deitar-se. A moça começou a conversar com ele e perguntar onde estava seu coração. Ele riu muito e disse que estava logo ali na soleira da porta, enterrado. Pela manhã, quando o Gigante saiu, eles foram cavucar a terra da soleira, mas não encontraram nada de coração. Para o gigante não perceber, encheram de flores a soleira da porta. Quando ele chegou ficou irritado, pois não gostava das flores. A moça disse que era para alegrar a casa, mas ele chutou as flores para fora da gruta. À noite foi tudo igual e o gigante disse que mentira e o coração estava dentro do armário do quarto. Pela manhã, eles começaram a busca no armário, mas nada encontraram. Ficaram decepcionados, mas pegaram mais flores e enfeitaram o armário com guirlandas.Mais uma vez o Gigante se enfureceu.Mas não desistiram. Naquela noite a moça foi muito meiga com o gigante, e ele já irritado com a mesma pergunta todos os dias disse : Ninguém encontrará meu coração, porque está dentro de uma Igreja que tem um Poço no meio e dentro do poço tem um Pato e dentro do pato tem um Ovo e dentro do ovo está meu Coração. Como pode perceber é impossível alguém achá-lo. Pela manhã eles estavam tristes, mas o rapaz resolveu tentar achar a Igreja e contou tudo para o lobo, seu amigo. Este, disse para ele montar no seu lombo, que rapidamente estariam na Igreja. Assim foi feito, e logo o rapaz avistou a Igreja. Chegando perto, viram que estava fechada e a chave estava no alto e não conseguiam pegar. Na mesma hora ele lembrou-se do Corvo da estrada e para sua surpresa este apareceu e pegou a chave na parede e deu-lhe para que abrisse a Igreja. Lá dentro ele viu logo o Poço e chegou perto, mas era muito fundo e o Pato nadava lá em baixo. Tentou puxá-lo com dificuldade, mas quando segurou o pato o Ovo caiu no fundo do Poço. Ele ficou desesperado, mas para sua surpresa viu que o Salmão estava dentro do Poço e pegara o Ovo para ele. Ficou radiante com o Ovo nas mãos, mas o lobo lhe disse que, primeiro ele teria que mandar o gigante retirar o feitiço dos seus irmãos e depois ele o mataria. Ele apertou o coração e o gigante gritou. O lobo foi até ele e contou que o rapaz estava com seu coração nas mãos e que ele teria que desfazer as estátuas e mandá-los embora. Quando o lobo voltou, o rapaz apertou com força o Ovo e o Gigante morreu. Eles voltaram até a Gruta, para ver se a moça ainda estava lá e, para felicidade do rapaz, ela estava ainda sentada na cama.Seus irmãos já tinham partido. Ele pediu que ela fosse com ele para conhecer seu pai e ela aceitou. Os irmãos, já tinham chegado ao Castelo e contaram muitas mentiras ao pai, inclusive que, realmente não encontraram o irmão e não tinham trazido esposa para ele por só encontrarem as seis. O pai ficou muito triste pois amava o seu caçula. Porém, no dia seguinte, para surpresa de todos, o rapaz chegou com a linda moça, montados no Lobo. O pai não entendeu nada e então, ele contou toda a história que havia vivido e que fora ele que salvara os irmãos e as esposas deles. O pai ficou radiante, mesmo estando doente, quis festejar o acontecimento e disse que ele seria o seu sucessor e a moça a rainha. Quem ficou mais feliz foi o Lobo que passou a viver com eles no castelo, mas os irmãos ficaram tristes, porque dali em diante tiveram que ser somente empregados do castelo junto das esposas.

O pavão queixando-se a Juno




A Juno o pavão se queixa
Dizendo - "Ó deusa celeste,
Com razão de ti murmuro
Pela má voz que me deste.

Sou ave tua, e se quero
Entoar os teus louvores,
Estrujo os campos em torno
Com meus guinchos troadores;

O rouxinol tão mesquinho
Deleita, se a voz levanta,
É honra da Primavera,
De ouvi-lo o mundo se encanta!"

Irada lhe torna Juno:
"Cata-te, néscio invejoso!
Por que desejas as vozes
Do rouxinol sonoroso?

De ricas pedras ornadas
Não parece a cauda tua?
O listrão do Íris brilhante
Em teu colo não flutua?

Ave nenhuma passeia
Que tanto pareça bem;
Em si ninguém reunir pode
Quantos dotes os mais têm.

Repartiu seus dons com todos
A profícua Natureza;
As águas coragem deu,
Deu aos falcões ligeireza;

Por presságio o corvo grasna,
O môcho nas mortes pia,
A gralha males futuros
Com seu clamor pressagia.

Do que são se aprazem todos;
E se torno a ouvir queixar-te,
Dar-te-ei voz de Filomela
Mas hei de as plumas tirar-te".

Não quis o invejoso a troca;
Que é nosso instinto invejarmos
Sempre o que os outros possuem,
Sem o que é nosso largarmos.


Fábula de La Fontaine,
traduzida por Curvo Semedo

História de Ganesha

Ganesha pertence à família dos deuses mais populares do Hinduísmo. Ele é o primogênito de Shiva e Parvati. Shiva é a terceira pessoa da trindade hindu. É o Deus da renovação, destrói para construir algo novo (transformação). Ele é o criador da Yoga. Parvati é a filha dos Himalayas. Deusa da beleza, mãe bondosa e mulher devotada. Shiva tem alma aventureira e adora viajar montado em sua vaca branca Nandi. Infelizmente, os lugares que ele mais gosta são as montanhas inacessíveis e perigosas. Adora também os crematórios, mas sua paixão é a meditação e a Yoga. Quando pratica a Yoga, nem mesmo um terremoto o perturba.

Por algum tempo depois de seu casamento com a bela Parvati, vivendo em um bangalô no Himalaya, longe da civilização, Shiva começava a sentir falta de suas viagens; foi quando Parvati, já desconfiada, pergunta-lhe: — Shiva, por que não viaja por uns tempos? Não sente saudades dos seus companheiros? — É que quando estou perto de você, não sinto falta de nada. E, na verdade, todos os meus companheiros estão em torno da casa, eles nunca se afastam de mim. Eu não quero assustá-la, mas todos os fantasmas, demônios e gnomos, apesar de estarem invisíveis e quietos, estão presentes. Espero apenas que não peça para mandá-los embora, pois são como crianças e sabem o quanto te amo.
— Claro que não Shiva, podem ficar. Mas e a sua meditação? Ela era sua maior ocupação. Shiva, no fundo, sabia que ela estava certa e que tinha muita saudade das montanhas, onde sentava para meditar. E sabia que fora através da meditação que conseguiu se transformar em um Deus tão poderoso. Shiva então, depois de uma longa conversa, decidiu sair para meditar. Feliz, Shiva coloca sua pele de tigre na cintura, enrola suas cobras favoritas no pescoço, apanha seu tridente e sai montado em sua vaca, Nandi, seguido de seus estranhos companheiros. Mas não podemos nos esquecer que quando Shiva medita, é impossível despertá-lo. E foi isso que aconteceu, muito tempo se passou. Quando, finalmente, Shiva se levantou da posição de lótus, lembrou-se de sua Parvati e correu de volta para ela. Nesse ínterim, Parvati transformara aquela simples choupana num lugar muito confortável e bonito. E nem ficou sozinha por muito tempo. Shiva não sabia, mas a tinha deixado grávida. E no tempo certo, deu à luz um lindo bebê, Ganapati. Os anos passaram-se, o deus bebê cresceu e se transformou num rapazinho muito inteligente. Numa manhã de primavera, Parvati estava tomando banho enquanto Ganapati mantinha-se perto do portão, aguardando sua mãe. Neste instante um homem alto, com cabelos longos, um monte de cobras enroladas em seu pescoço e vestido com uma pele de tigre e uma aparência selvagem, aproxima-se do portão.
Shiva parou e olhou com estranheza para o bangalô. "Será que esta casa linda era mesmo a sua? E quem seria aquele rapaz parado no portão?" Deixe-me entrar! — disse Shiva, impaciente e descortês. — Não — respondeu Ganapati — Você não pode entrar! Empurrando o rapaz para o lado, Shiva atravessou o jardim e foi direto para casa. Ganapati sabia que sua mãe estava tomando banho, e aquele homem rude não poderia entrar em sua casa. Ele correu e se postou à porta, de espada em punho. Pobre menino! Que hora mais infeliz para provocar a ira do pai! E Shiva, nesse momento, perdeu completamente as estribeiras e seu terceiro olho, o do poder, apareceu no meio de sua testa, brilhando como fogo, e em segundos o corpo do rapaz jazia sem cabeça no chão. Ouvindo vozes e gritos, Parvati apressou-se e saiu correndo do banho. Ao abrir a porta, viu horrorizada o corpo do filho estendido sem cabeça; e em sua frente, o marido, que há tanto se fazia ausente. Shiva corre para abraçá-la; e ela, desviando-se do abraço, chora amargamente. — Mas o que você fez? — O que você fez? Ela repetia, torcendo as mãos em desespero. — Este era o seu filho, e você o destruiu!
Só então Shiva caiu em si e se entristeceu de verdade. Logo tentou confortá-la:
— Nosso filho é um Deus; portanto, não pode estar morto. Encontra-se apenas desmaiado. Mas Parvati não queria ouvir nada daquilo e lhe disse:
— Você o destruiu! De que serve um Deus sem cabeça? Shiva tentou da melhor forma que podia dizer-lhe que não tinha feito nenhum mal ao rapaz. Parvati insistia com Shiva para que ele colocasse a cabeça de seu filho no lugar, mas Shiva dizia que não podia desfazer o que já estava feito. E Parvati chorava muito... Então Shiva teve uma idéia: capturar o primeiro animal que encontrasse e tirar sua cabeça para colocá-la sobre os ombros de seu filho. Foi quando encontrou um elefantinho bebê, tirou sua cabeça e a colocou em Ganapati; e naquele momento, o nome do rapaz passou a ser Ganesha. Parvati tentou de diversas formas mudar o acontecido e pedia para outros Deuses que dessem ao seu filho uma cabeça decente.
Então os deuses pediram à linda Parvati que secasse suas lágrimas e tudo se resolveria. Brahma, que adora as crianças, Vishnu e Indra pediram à Parvati que perdoasse Shiva, pois ele não sabia o que estava fazendo e deixaram bem claro que Ganesha não perderia nada com isso. Apesar de não ser mais tão atraente, todos o reconheceriam pela sua bondade e o amariam pelo que ele era. Brahma prossegue:
· Ganesha será o Deus da sabedoria, será o Escrivão dos céus e o Deus da literatura. Acrescenta, Vishnu:
- Será o Deus que removerá todos os obstáculos, e será para Ganesha que todos rezarão em primeiro lugar, antes de invocar qualquer outro Deus. Será o Deus que sorrirá com boa fortuna para todas as empresas novas. E é assim que tudo aconteceu...


30/07/2010

O cego e o mealheiro



Era uma vez um cego que tinha juntado no peditório uma boa quantia de moedas.
Para que ninguém lhas roubasse, tinha-as metido dentro de uma panela, que guardava enterrada no quintal, debaixo da figueira. Ele lá sabia o lugar, e quando juntava outra boa quantia, desenterrava a panela, contava tudo e tornava a guardar o seu tesouro.
Um vizinho espreitou-o, viu onde é que ele enterrava a panela, e foi lá e roubou tudo.
Quando o cego deu pela falta, ficou muito calado, mas começou a dar voltas ao miolo para ver se arranjava forma para tornar a apanhar o seu dinheiro.
Pôs-se a pensar quem seria o ladrão, e achou lá para si que era por força o vizinho.
Assim, decidiu ir falar com o vizinho, e disse-lhe:
- Olhe, meu amigo, quero-lhe dizer uma coisa muito em particular, que ninguém nos ouça.
- Então que é, senhor vizinho?
- Eu ando doente, e isto há viver e morrer; por isso quero-lhe dizer que tenho algumas moedas enterradas no quintal, dentro de uma panela, mesmo debaixo da figueira.
Já se sabe, como não tenho parentes, há-de ficar tudo para vossemecê, que sempre tem sido bom vizinho e me tem tratado bem.
Ainda tenho aí num buraco mais umas peças, e quero esconder tudo junto, para o que der e vier.
O vizinho ouviu aquilo e agradeceu-lhe muito a sua intenção, e naquela noite tratou logo de ir enterrar outra vez a panela do dinheiro debaixo da figueira, para ver se apanhava o resto das moedas ao cego.
Quando bem o entendeu, o cego foi ao sítio, encontrou a panela e trouxe-a para casa, e então é que se pôs a fazer uma grande algazarra, dizendo:
- Roubaram-me tudo! Roubaram-me tudo, senhor vizinho!!
E daí em diante passou a guardaro seu dinheiro onde ninguém dava com ele.

Adolfo Coelho
Contos Populares Portugueses

Joás

No sétimo ano do reinado de Jeú, de Israel, Joás se tornou rei de Judá. Ele governou em Jerusalém quarenta anos. A mãe dele se chamava Zíbia e era da cidade de Berseba. Durante toda a sua vida Joás fez o que agrada a Deus, o SENHOR, pois o sacerdote Joiada o aconselhava. No entanto, os lugares pagãos de adoração não foram destruídos, e o povo continuou a oferecer sacrifícios e a queimar incenso ali. Joás chamou os sacerdotes e mandou que eles juntassem todo o dinheiro recolhido no Templo, isto é, os pagamentos pelos sacrifícios, os impostos do Templo, o dinheiro das promessas e as ofertas voluntárias. Cada sacerdote era responsável pelo dinheiro trazido pelas pessoas que ele servia, e o dinheiro era para ser usado nos consertos do Templo. Mas, no ano vinte e três do reinado de Joás, os sacerdotes ainda não haviam feito nenhum conserto. Por isso Joás chamou Joiada e os outros sacerdotes e lhes perguntou: — Por que vocês não estão consertando o Templo? De agora em diante, não fiquem com o dinheiro que receberem, mas entreguem para que os consertos possam ser feitos. Os sacerdotes concordaram com isso e também concordaram em não ficarem encarregados de fazer os consertos no Templo. Então Joiada pegou uma caixa, fez uma abertura na tampa e pôs a caixa perto do altar, do lado direito de quem entra no Templo. Os sacerdotes que tomavam conta da entrada punham na caixa todo o dinheiro dado pelos adoradores. Quando viam que já havia muito dinheiro na caixa, o secretário do rei e o Grande Sacerdote vinham, contavam o dinheiro e o punham em sacos. Depois de registrarem a quantia certa, eles entregavam o dinheiro aos homens que estavam encarregados do trabalho no Templo, e estes pagavam os carpinteiros, os construtores, os pedreiros e os cortadores de pedras. Também compravam madeira e pedras para repararem os estragos da Casa do SENHOR, e custeavam todo o necessário para a conservação da Casa do SENHOR. Deus ficou satisfeito com o rei Joás pelo seu trabalho de reformar e limpar a Sua casa . Agora o povo de Deus poderia vir e adorar ao Senhor em um lindo lugar!

reaparando o templo

O Alimento do Paraíso

Certo dia, Yunus, filho de Adão, resolveu não só colocar a vida na balança do destino, mas também investigar a razão e os meios com que o sustento é dado ao homem.
- Eu sou um homem - ele se disse. - Como tal, todos os dias sou aquinhoado com uma parcela dos bens deste mundo. Essa porção me chega às mãos graças a meu próprio esforço, aliado aos esforços de outros. Simplificando esse processo, encontrarei os meios pelos quais o sustento é proporcionado ao gênero humano, e aprenderei algo acerca do "como" e do "porquê". Para essa busca, adotarei a via religiosa, que exorta o homem a confiar no Deus Todo-Poderoso para conseguir seu sustento. Em vez de viver num mundo de confusão, onde o alimento diário e outros bens nos chegam aparentemente através da vida em sociedade, me entregarei ao amparo do Poder que rege todas as coisas. O mendigo depende de intermediários: homens e mulheres caridosos que obedecem a seus impulsos e lhe dão comida ou dinheiro por terem sido ensinados a agir assim. Não aceitarei tal contribuição indireta.
Assim monologando, ele dirigiu-se ao campo, pronto a entregar-se ao amparo de forças invisíveis, com a mesma resolução com que até então aceitara seu sustento de forças visíveis, quando era professor numa escola.
Acabou por adormecer, convicto de que Alá cuidaria plenamente de seus interesses, do mesmo modo como pássaros e animais são providos de sustento em seus respectivos reinos.
Ao amanhecer, o coro dos pássaros o despertou, e o filho de Adão permaneceu quieto, de início, à espera de que seu sustento aparecesse. Apesar de confiar na força invisível, e de estar seguro de que seria capaz de entendê-la quando começasse a agir na esfera espiritual por ele adotada, logo percebeu que o pensamento especulativo por si só não lhe seria de grande valia naquele terreno estranho.
Estendido na margem do rio, passou o dia inteiro observando a natureza, perscrutando as silhuetas dos peixes na água, fazendo suas orações De vez em quando, escoltados por servos em trajes vistosos e montados em cavalos de bela estampa, que faziam tilintar sinetas colocadas nos arneses assegurando o direito imperioso de passagem, atravessavam por ali homens ricos e poderosos, que se limitavam a gritar uma saudação à vista de seu venerável turbante. Grupos de peregrinos paravam e se punham a mastigar pão e queijo secos, o que servia apenas para avivar seu apetite por uma refeição, a mais modesta que fosse.
- apenas uma prova, e logo logo tudo estará bem - murmurou Yunus enquanto iniciava sua quinta oração daquele dia, mergulhando então na contemplação do modo como lhe fora ensinado por um dervixe de grandes feitos perceptivos.
Outra noite se foi.
Cinco horas após o amanhecer do segundo dia, quando Yunus estava sentado olhando fixamente os raios de sol refletidos no poderoso Tigre, viu algo flutuando entre os caniços. Era um pacote envolto em folhas e atado com fibras de palmeira. Yunus, o filho de Adão, penetrou no rio e recolheu a inusitada carga.
O pacote pesava perto de trezentas e cinqüenta gramas. Mal desamarrou-o, as narinas de Yunus foram impregnadas por um delicioso aroma. Era o possuidor agora de uma porção de halwa de Bagdá. Este halwa, composto de uma pasta de amêndoas, água de rosas, mel, avelãs e outros valiosos elementos, era apreciado pelo seu gosto e tido como um alimento tonificante. As belas mulheres do harém o adoravam por seu sabor e os guerreiros o levavam em suas campanhas devido ao seu poder alimentício. Era utilizado no tratamento de centenas de males.
- Minha crença está justificada! - exclamou então Yunus. - E resta apenas a verificação: se uma porção igual de halwa, ou seu equivalente, me chegar às mãos vinda das águas diariamente ou a outros intervalos, eu conhecerei os meios ordenados pela providência para meu sustento, e terei somente que usar minha inteligência para investigar sua origem.
E nos três dias seguintes, exatamente à mesma hora, um pacote de halwa veio trazido pelas águas até às mãos de Yunus.
Essa ocorrência, concluiu Yunus, era uma descoberta de suma magnitude. E ele podia resumi-la na seguinte fórmula:
"Simplifica sua situação e a Natureza continuará operando aproximadamente do mesmo modo." Eis uma descoberta que, por si só, quase o levou a compartilhá-la com o mundo. Pois não é comum dizer-se: "Quando tiveres conhecimentos poderás ensina?" Mas logo se compenetrou de que não lograra um conhecimento; somente experimentara. Obviamente, o próximo passo seria rastrear o curso da halwa, rio acima, até chegar à sua fonte. Aí então poderia entender não apenas sua origem, mas também os meios pelos quais aquela porção era separada para seu uso específico.
Durante vários dias, Yunus seguiu o curso do rio. Cada dia, com a mesma regularidade, porém cada vez mais cedo, o halwa aparecia, e ele o comia.
Em dado momento, Yunus notou que o rio, em sua parte superior, em vez de estreitar-se como seria de esperar, se alargava bastante. Em meio a uma ampla extensão de água havia uma ilha fértil. E sobre esta ilha via-se, por sua vez, um grande e magnífico castelo. Dali se origina o alimento paradisíaco, foi a dedução de Yunus.
Enquanto conjeturava sobre o próximo passo a dar, Yunus viu à sua frente um alto e desalinhado dervixe, com os cabelos emaranhados de um eremita e um manto de remendos multicores.
- Paz, Baba, Pai - disse então Yunus.
- Ishk Hu! - gritou o ermitão. - O que faz aqui?
- Estou empreendendo uma sagrada busca - explicou o filho de Adão - e devo, com esse objetivo, alcançar aquele castelo. Será que não tem uma idéia de como poderei conseguir o que pretendo?
- Como parece não saber nada sobre o castelo, apesar de ter especial interesse nele - respondeu o ermitão - eu vou lhe dar os esclarecimentos necessários. Em primeiro lugar, a filha
de um rei vive ali, prisioneira e em exílio, atendida, é verdade, por muitos e magníficos servidores, mas presa de qualquer forma. Escapar dali é muito difícil, pois o homem que a raptou e a aprisionou por não querer desposá-lo ergueu barreiras incrivelmente poderosas, invisíveis ao olho humano. Você terá que superá-las para entrar no castelo e alcançar seu objetivo.
- Como pode ajudar-me?
- Estou prestes a iniciar uma viagem especial de devoção. Mas lhe darei uma palavra e exercício, o Wazija, que, se você for digno, trará em seu auxílio os poderes invisíveis dos benévolos Gênios, as criaturas de fogo, as únicas capazes de combater as forças mágicas que mantêm o castelo inexpugnável. Que a paz recaia sobre você.
E assim dizendo, o eremita se afastou, depois de repetir estranhos sons e movimentos, com uma desenvoltura e habilidade realmente notáveis num homem de sua venerável aparência.
Yunus sentou-se à margem do rio e durante três dias ficou orando seu Wazif a e aguardando a aparição do halwa. Então, num fim de tarde, quando o sol iluminava ainda a torre mais alta do castelo, ele teve uma estranha visão.
Ali, resplandecente, numa visão de celestial beleza, surgira uma jovem que só podia ser a princesa. Ela se deteve um instante contemplando o sol que se despedia, e depois deixou cair sobre as ondas que golpeavam as rochas do castelo, longe dela, um pacote de halwa. Ali, pois, estava a origem imediata da graça que ele, Yunus, recebia.
- Eis a fonte do Alimento do Paraíso! - exclamou Yunus. Agora estava nos próprios umbrais da verdade. Cedo ou tarde o Líder dos Gênios, a quem estava apelando por intermédio do Wazifa, chegaria e o habilitaria a alcançar o castelo, a princesa e a verdade.
Tão logo tais pensamentos lhe vieram à mente, viu-se transportado pelos céus ao que lhe pareceu ser um reino etéreo, onde havia casas de surpreendente beleza. Entrou numa delas onde viu uma criatura semelhante a um homem, mas que não era jovem na aparência, ainda que sábio e de idade indefinível.
- Eu - disse a aparição - sou o Líder dos Gênios e o trouxe até aqui em resposta às suas súplicas e por ter feito uso
desses Grandes Nomes que lhe foram ofertados pelo Grande Dervixe. Que posso fazer por você?
- Oh, Todo-poderoso Chefe de todos os Gênios - murmurou Yunus, - sou alguém que busca a verdade, e a resposta que procuro só poderei encontrá-la no castelo encantado, próximo de onde me achava quando invoquei sua presença. Dê-me, eu suplico, o poder de entrar nesse castelo e falar com a princesa ali aprisionada.
- Assim será feito! - exclamou o Líder. - Mas, antes de mais nada, fique prevenido de que um homem recebe uma resposta a suas indagações sempre de acordo com sua capacidade de entender e com seu próprio preparo.
- A verdade é a verdade - disse Yunus, - e eu a terei, não importa qual seja. Conceda-me esta graça.
Logo Yunus era despachado numa forma incorpórea (graças à magia do Gênio), escoltado por um pequeno grupo de Gênios auxiliares, incumbidos pelo seu líder de usar sua especial habilidade para ajudar àquele ser humano em sua busca. Nas mãos Yunus segurava um espelho especial de pedra que, segundo as instruções do Chefe dos Gênios, ele devia fazer incidir sobre o castelo, para poder ver as defesas ocultas.
Por meio de tal espelho, Yunus descobriu que o castelo era protegido por uma fila de gigantes invisíveis e aterradores, que destruiam quem se aproximasse. Os Gênios, muito hábeis nessa tarefa, os afugentaram. O próximo obstáculo era uma espécie de teia ou malha invisível estendida em torno do castelo. Também foi destruída pelos Gênios voadores, dotados de uma habilidade especial para romper a rede. Finalmente havia uma massa quase pétrea, invisível, que preenchia o espaço entre o castelo e a margem do rio. Esta também foi destruída com eficiência pelos talentosos Gênios, que após saudarem Yunus voaram velozes como a luz para seus domínios.
Yunus viu então que uma ponte emergia por si mesma do leito do rio, permitindo-lhe chegar ao castelo sem molhar-se. No portão principal estava um soldado que o levou imediatamente aonde se achava a princesa, que pareceu ainda mais bela do que da primeira vez em que a vira.
- Todos lhe somos gratos por sua ação ao destruir as defesas que tornavam inexpugnável esta prisão - disse a prin-
cesa. - E agora poderei voltar para a companhia do meu pai, mas quero antes recompensá-lo pelos seus grandes esforços. Fale, diga o que deseja, que lhe será dado.
- Pérola incomparável - retrucou Yunus, - só busco e anseio por uma única coisa: a verdade. Por ser dever de todos que a têm ofertá-la aos que dela podem beneficiar-se, eu vos rogo, Alteza, dê-me a verdade que me é tão necessária.
- Diga qual é essa verdade, e até onde seja possível concedê-la lhe será dada.
- Muito bem, Alteza. Como e por ordem de quem, o Alimento do Paraíso, o magnífico halwa que tendes atirado para mim diariamente, é assim providenciado?
- Yunus, filho de Adão, - disse a princesa - o halwa, como você o chama, que lanço à água todos os dias, na realidade é o resíduo dos cosméticos com os quais cuido da minha pele após meu banho diário com leite de jumenta.
- Por fim eu aprendi - disse Yunus - que o entendimento de cada homem está condicionado à sua capacidade de entender. Para vós, trata-se dos restos de seus preparados de beleza. Para mim, é o Alimento do Paraíso.


29/07/2010

Dona Ôla

Uma viúva tinha duas filhas, das quais uma era bela e inteligente, a outra feia e preguiçosa. Mas ela gostava muito mais da feia , porque era a sua própria filha , e a outra tinha de fazer o trabalho da casa e ser a criada da casa. A pobre moça era obrigada a ir todos os dias para a rua, sentar-se na beira de um poço e fiar até que seus dedos sangrassem.
Aconteceu, certo dia , que a bobina ficou ensanguentada, e, por isso, ela se debruçou sobre o poço para lavá-la, quando a bobina lhe escapou da mão e caiu dentro do poço. A moça correu chorando para a madrasta e contou-lhe sua desgraça. Esta, porém, lhe passou uma descompostura tão violenta, e foi tão impiedosa, que disse:
- Se deixaste a bobina cair no poço, agora vai e traze-a de volta!
A pobre moça voltou para o poço, sem saber o que fazer. E, na sua grande aflição, pulou para dentro, para buscar a bobina. Ela perdeu os sentidos, e quando acordou e voltou a si, viu-se num lindo campo inundado de sol e coberto de flores. A moça foi andando por esse campo , até chegar a um forno que estava cheio de pão. E o pão gritava: - Ai, tira-me, tira-me, senão eu queimo , já estou assado há muito tempo. Então ela se aproximou e com a pá tirou os filões de dentro do forno.
Continuou o caminho , e chegou a uma árvore que estava coberta de maçãs, que gritava: - Ai, sacode-me , sacode-me, nós, maçãs, já estamos maduras. Então ela sacudiu a árvore até as maçãs caírem e não ficar nenhuma na árvore. E, depois de arrumar todas as maçãs num monte, continuou o caminho.
Finalmente, ela chegou até uma casa pequenina, da qual espiava uma velha, que tinha dentes muito grandes e a moça ficou com medo e quis fugir, mas a velha gritou-lhe: - De que tens medo minha filha? Fica comigo. Se fizeres os trabalhos da casa direito estarás muito bem. Só precisas prestar muita atenção ao arrumar minha cama, sacudindo o acolchoado com vontade, até que as penas voem, então cai neve no mundo. Eu sou a dona Ôla.
Como a velha lhe falava mansamente, a moça criou coragem e entrou na casa para o serviço. Ela cuidava de tudo a contento da velha, e sacudia o acolchoado com vontade, até que as penas voassem como flocos de neve. Por isso tinha uma vida boa junto da velha , comia bem todos os dias.
Depois de viver com dona Ôla por um tempo a menina começou a entristecer.
No começo, nem ela mesma sabia o que lhe faltava, mas finalmente percebeu que sentia saudades, embora aqui passasse mil vezes melhor que na sua própria casa, mas mesmo assim ela sentia saudades.
Finalmente ela disse à velha:
- A saudade me pegou e mesmo que eu passe aqui em baixo tão bem , não posso continuar. Tenho que subir e voltar para os meus.
A dona Ôla lhe disse:
- Agrada-me saber que tu queres voltar para casa, e como tu me servistes tão fielmente , eu mesma vou te levar para cima. Ela tomou a mão da moça e levou-a para um grande portão. O portão se abriu e, quando ela estava bem debaixo dele, caiu uma forte chuva de ouro, e o ouro ficou pendurado nela, e ela ficou toda coberta de ouro.
- Isto é para ti, porque foste tão diligente , disse a velha e devolveu-lhe também a bobina que caíra no poço. Então o portão se fechou e a moça chegou novamente na superfície da terra e quando chegou ao pátio da casa, o galo que estava pousado no poço gritou:

“Cocoricó, cocoricó,
A donzela de ouro está aqui!”

Então a moça entrou em casa, foi bem recebida pela irmã e pela madrasta por estar coberta de ouro.
A moça contou tudo o que lhe acontecera , e quando a madrasta soube como ela chegara a tanta riqueza, quis arranjar a mesma sorte para a sua filha feia. Ela deveria sentar-se na beira do poço e fiar, para que a bobina caísse ela precisaria picar seu dedo, mas ela meteu o dedo no espinheiro para ensanguentá-lo, aí jogou a bobina e pulou atrás.
Ela chegou, no lindo campo e continuou a caminhar. Chegou perto do forno e o pão gritou para ser retirado do forno pois já estava muito assado. Mas a preguiçosa respondeu:
- Não tenho vontade de me sujar, e foi embora.
Logo chegou perto da macieira que pediu que ela a sacudisse para as maçãs caírem porque estavam maduras. Mas ela respondeu:
- Não faço isso, pois pode cair uma na minha cabeça, e continuou no caminho.
Quando chegou à casa de dona Ôla, não ficou com medo porque já ouvira falar dos seus dentes , e logo se engajou no serviço dela. No primeiro dia foi diligente e fez tudo direito pensando no que ia ganhar.
Porém, no segundo dia ela começou a ficar preguiçosa e no terceiro ela nem queria se levantar da cama e nem arrumar a cama de dona Ôla como devia e as penas não voaram. Aí dona Ôla cansou-se dela e a despediu. A preguiçosa ficou contente e pensou que agora viria a chuva de ouro .
Dona Ôla levou-a até o portão, a moça ficou em baixo dele, mas em vez de ouro foi despejado um grande pote de piche em cima dela.
- Isto é a recompensa pelos teus serviços, disse dona Ôla e trancou o portão.
Ela voltou para casa , mas toda coberta de piche e o galo cantou:

“Cocoricó, cocoricó,
A donzela suja está aqui!”

Mas o piche ficou grudado nela e não saiu por toda a sua vida!!!!!

A origem da estrela-do-mar

Uma antiga lenda da província de Okinawa conta que, certa ocasião, o deus Estrela Polar e a deusa Cruzeiro do Sul resolveram trazer vida para a terra. Então, quando a deusa Cruzeiro do Sul estava pronta para dar à luz, ela perguntou ao deus Poderoso do Céu onde poderia ter seus bebês. O deus Poderoso do Céu olhou para a terra e avistou uma pequena ilha chamada Taketomi-jima, onde existia, ao sul, um belo mar de coral. Então, ele disse à deusa Cruzeiro do Sul: – Vá ao lado sul de Taketomi-jima, pois lá existe uma praia com águas mornas e ondas mansas, isso será muito bom para seus bebês.
Assim, a deusa Cruzeiro do Sul desceu da Alta Planície Celeste e dirigiu-se à ilha, conforme sugerira o deus Poderoso do Céu. Lá chegando, deu à luz a várias estrelinhas cintilantes. A deusa estava muito feliz, pois realmente aquela praia tinha a água morna e uma temperatura perfeita para que suas filhas pudessem passar os primeiros anos de suas vidas.
– Assim que crescerem, elas subirão a Alta Planície Celeste para se encontrar comigo e viveremos cintilantes no céu. Disse a deusa retornando ao seu lugar.
Entretanto, o deus Sete Dragões do Mar ficou irritado, porque a deusa Cruzeiro do Sul não lhe pediu permissão e usou a praia para parir seus filhos. Ele então chamou uma das suas serviçais, a dona Serpente Gigante, e ordenou:
– Não admito que ninguém dê à luz em meu oceano sem minha permissão. Vá e devore todos os bebês que encontrar na região sul da ilha.
A dona Serpente Gigante, obediente à ordem de seu amo, engoliu todos os bebês da deusa Cruzeiro do Sul com sua enorme bocarra, matando-os todos. Em seguida, cuspiu seus corpos.
As estrelinhas mortas flutuaram no mar até alcançarem uma praia chamada Higashi Misaki, no lado leste da ilha Taketomi. As estrelinhas, empurradas pelas ondas, pararam na praia e ficaram com o corpo salpicado de areia. Nessa localidade, havia um santuário onde vivia a semideusa Amável. Quando encontrou as estrelinhas sem vida, Amável sentiu muita pena delas e levou-as para o santuário.
- Oh! Pobres estrelinhas, vou colocá-las no incensório. Assim, quando os aldeões vierem me trazer oferendas durante o festival e queimarem os incensos, suas almas poderão subir ao céu junto à fumaça. Lá, na Alta Planície Celeste, poderão reencontrar sua mãe.
Conforme a semideusa Amável planejou, quando chegou o dia do festival, os aldeões queimaram muitos incensos e as almas dos bebês-estrelas subiram ao céu levadas pelas fumaças.

Esta é a origem lendária da estrela-do-mar. Em Taketomi-jima, apesar de séculos terem se passado, ainda hoje é possível encontrar estrelas-do-mar com corpos salpicados de areia nas belas praias que ficam ao sul da ilha de Okinawa. Elas são conhecidas como Hoshi-suna (estrelas de areias), nome que nasceu em referência a esta lenda.

Lenda do Japão


28/07/2010

As Formigas e a Pena

Uma formiga, que caminhava perdida sobre uma folha de papel, viu uma pena que desenhava traços negros e finos.
- Que maravilha! - exclamou. - Que coisa notável! Tem vida própria e faz garatujas nesta bela superfície a ponto de poder equiparar-se aos esforços conjuntos de todas as formigas do mundo. E que rabiscos faz! Parecem formigas, milhões de formigas trabalhando juntas!
Contou seus pensamentos a outra formiga, que ficou igualmente interessada e elogiou os poderes de observação e de reflexão da primeira.
Mas outra formiga disse:
- Valendo-me de seus esforços, devo admiti-lo, tenho observado esse estranho objeto. Mas cheguei à conclusão de que não é ele que impulsiona seu trabalho. Você cometeu o erro de não observar que a pena está ligada a outros objetos que a rodeiam e a conduzem. Esses devem ser considerados como a origem de seu movimento, acredite.
Desse modo as formigas descobriram os dedos.
Passado algum tempo, outra formiga caminhou sobre os dedos e percebeu que faziam parte da mão, que explorou total e minuciosamente, ao estilo das formigas, esquadrinhando-a toda.
Voltou então para junto de suas companheiras e gritou-lhes:
- Formigas! Tenho importantes notícias para vocês. Aqueles pequenos objetos fazem parte de outro muito maior. E este é o que realmente move tudo.
Depois descobriram que a mão estava ligada a um braço e o braço a um corpo; que não existia uma, e sim duas mãos; e que existiam dois pés, que não escreviam.
As investigações prosseguiram. Assim, as formigas chegaram a ter uma idéia adequada da mecânica da escrita.
Através de seu método de investigação costumeira, entretanto, nada conseguiram saber a respeito do sentido e da intenção da escrita, nem sobre como, finalmente, eles eram determinados: as formigas não sabiam ler nem escrever.


O bom gigante




Era uma vez um gigante que não gostava de ser gigante.
- Chamo muito a atenção - queixava-se ele. - Para onde quer que vá, todos, de longe, apontam o dedo para mim ?Lá vai o gigante!" E assustam-se. E abusam do meu nome e pessoa, metendo medo aos meninos: ?Se não comes a sopa, chamo o gigante". E espalham disparates a meu respeito, dizendo que eu como gente, sou mau e outras calúnias que tais. Não aturo isto.
Pôs-se a andar de joelhos, a ver se não davam tanto por ele. Qual quê! Um gigante de joelhos, quer se queira quer não, é sempre um gigante, ainda que de joelhos.
Deixou de aparecer. Fechou-se no seu palácio de gigante e nunca mais pôs um pé fora de casa. Mas um gigante escondido, que de um momento para o outro pode aparecer, aterroriza ainda mais a vizinhança do que se andasse sempre na rua.
- Vou mudar de terra - decidiu o desgostado gigante.
Andou por vários reinos, sempre precedido pela sua fama.
- Vem aí o gigante - gritavam.
E todos fugiam.
Até que foi ter a uma terra de gigantes. De gigantões. Todos muito maiores do que ele.
- Aqui é que me convém ficar a viver - disse o gigante. - Ninguém vai reparar em mim.
Por acaso reparavam. Chamavam-no, nessa terra, de gigantões matulões, chamavam ao gigante desta história de ?pitorro", ?badameco", ?homenzinho", ?pigmeu"... Mas ele, que tinha muito bom feitio, não se importava.

António Torrado

Lenda da Origem dos Ibejis



Existiam num reino dois pequenos príncipes gémeos que traziam sorte a todos. Os problemas mais difíceis eram resolvidos por eles; em troca, pediam doces, balas e brinquedos.
Esses meninos faziam muitas traquinagens e, um dia, brincando próximos a uma cachoeira, um deles caiu no rio e morreu afogado. Todos do reino ficaram muito tristes pela morte do príncipe.
O gémeo que sobreviveu não tinha mais vontade de comer e vivia chorando de saudades do seu irmão, pedia sempre a Orumilá que o levasse para perto do irmão. Sensibilizado pelo pedido, Orumilá resolveu levá-lo para se encontrar com o irmão no céu, deixando na terra duas imagens de barro. Desde então, todos que precisam de ajuda deixam oferendas aos pés dessas imagens para ter seus pedidos atendidos.

Da mitologia africana

27/07/2010

Beowulf

Ficheiro:Beowulf and the dragon.jpg

O poema narra as aventuras de Beowulf, herói com força sobrehumana, originário da tribo dos gautas (na actual Götaland, Suécia). Ao ouvir as desventuras que afligem a corte do rei Hrothgar, na Dinamarca, Beowulf viaja com um pequeno grupo de guerreiros a esse país, onde é recebido pelo rei em Heorot, o grandioso salão da corte. Logo ao chegar o herói se oferece para livrar Hrothgar e seu povo dos ataques de Grendel, uma criatura monstruosa, descrita como descendente do clã de Caim e verdadeiro símbolo do mal encarnado, que devora homens inteiros. O herói vence e mata Grendel em duelo, utilizando como arma apenas as suas mãos nuas. Seguidamente, a mãe de Grendel, também ela uma criatura monstruosa, vem vingar a morte do filho com novas carnificinas. Beowulf segue seu rastro até uma caverna submarina, localizada num lago habitado por monstros aquáticos, onde a combate e vence com uma poderosa espada, criada para matar gigantes. Depois desta aventura, Beowulf e seus guerreiros retornam por mar à terra dos gautas.

O relato então é cortado por um longo hiato temporal e encontramos o mesmo Beowulf, já idoso e rei entronado do seu país. A chegada de Beowulf ao trono é explicada rapidamente: o rei Higelac morre numa batalha contra os frísios, sendo sucedido por seu filho Heardred. Este é mais tarde morto numa batalha contra as tropas suecas do rei Onela, deixando vazio o trono gauta, que é ocupado por Beowulf.

Cinquenta anos após ser entronado, Beowulf necessita livrar seu reino de um dragão, que fora despertado por um servo que roubara uma taça do seu tesouro ancestral, guardado sob a terra numa mamoa (um monte funerário feito pelo homem). Beowulf, munido de uma espada e um escudo de ferro, entra na caverna onde se encontra o tesouro e o dragão cuspidor de fogo, travando com ele uma feroz batalha. Wiglaf, o mais fiel dos seus guerreiros, entra na caverna e ajuda o rei a matar a criatura, derrubada por uma estocada fatal de Beowulf. Esta termina sendo a última aventura do herói, que morre devido às terríveis feridas causadas pelo monstro. O poema termina com o funeral de Beowulf, que é enterrado com o tesouro numa mamoa num monte junto ao mar, de onde os navegantes a pudessem ver.


Lenda da Suécia


26/07/2010

O aprendiz de alfaiate que tinha imaginação demais


Era uma vez um jovem órfão, aprendiz de alfaiate, chamado Daud, que vivia no Cairo. Enquanto costurava, sentado com as pernas cruzadas, na loja de seu patrão, Daud sonhava acordado. Em sua imaginação ele era sempre um príncipe ou um nobre, vestido com as mais finas roupas.
Um dia um servo trouxe uma esplêndida capa à loja do alfaiate. Pertencia a um rico mercador e tinha que ser cortada em algumas polegadas.
— Apronte-a para amanhã – disse o servo. – Voltarei para buscá-la antes do meio-dia.
— Estará pronta e acabada, ainda que minha loja tenha que permanecer aberta a noite inteira – prometeu o alfaiate.
Pôs-se a trabalhar, e já havia quase terminado quando chegou a noite.
— Se não voltar para comer em minha casa, minha esposa me pertubará tanto que não acabarei nunca de escutá-la.
Assim, ele entregou a capa a Daud e disse-lhe que continuasse a coser o forro até que ele voltasse.
Logo que seu patrão partiu, Daud trabalhou cuidadosamente e logo terminou o acabamento. A capa do mercador era de uma linda lã marrom, e Daud colocou-a ao redor dos ombros para assegurar-se de que o caimento estava bom. Ela lhe caía perfeitamente. Recuou um pouco para ver-se no espelho e pensou que tinha todo o aspecto de um cavalheiro. Colocou um par de botas de couro marroquino vermelho, que pertenciam ao alfaiate, amarrou um lenço branco ao redor de sua cabeça e sentiu que podia passar perfeitamente por um nobre.
"Poderia sair pelo mundo e fazer fortuna", disse para si mesmo. "Ninguém saberia que sou Daud, o aprendiz de alfaiate".
Remexendo embaixo do balcão, onde dormia quando a loja estava fechada, pegou todos os seus pertences e os colocou em uma pequena bolsa dentro do seu cinturão.
Foi para a rua e entrou em um café, onde pediu comida. Era muito tarde e o lugar estava cheio de gente. Após alguns minutos, um jovem rapaz, da sua idade, sentou-se à sua mesa. Logo começaram a conversar, e rapidamente o recém-chegado começou a contar a Daud sobre a sua vida.
— Pela primeira vez na minha vida estou visitando esta cidade – disse o jovem. – Fui criado por meus tios no campo. Quando eu nasci meu pai teve um sonho que o perturbou muito. Nesse sonho lhe apareceu um anjo dizendo que eu morreria, a não ser que fosse enviado para longe, para um lugar seguro. Naquele tempo meus pais viviam em Alexandria, e a doença e a fome atacavam a cidade. Assim foi que me mandaram à casa da irmã de minha mãe, que tinha então um menino da minha idade. Minha mãe morreu e meu pai se mudou para o Cairo, porém não lhe foi possível comunicar-se comigo até este mês, em que completo meu décimo oitavo aniversário.
— Que história curiosa, amigo! – disse Daud, intrigado. – Qual é o seu nome e como encontrará seu pai, agora que está aqui?
— Meu nome é Jabir – disse o outro. – Vim para encontrar meu pai neste mesmo café e ele deve chegar agora. Vê este punhal? Devo tê-lo em minha mão para que ele me reconheça e devo dizer em resposta à sua saudação: "Sou aquele a quem Allah preservou!" E ele responderá: "Louvado seja o senhor do mundo."
Ele entregou a Daud um formosíssimo punhal, feito com o melhor aço de Damasco, com uma bainha decorada com turquesas.
Enquanto segurava o punhal em suas mãos, Daud imaginou-se como o filho que voltava para seu pai e se escutou dizendo a frase que o outro acabara de dizer.
Jabir desculpou-se por ter que sair por alguns minutos, pois devia ocupar-se de seu cavalo, deixando Daud com o punhal.
Logo que saiu, um homem velho, alto e de aparência nobre veio até Daud e saudou-o.
— A paz esteja contigo! – disse-lhe.
— Sou aquele a quem Allah preservou – disse Daud, como num sonho.
— Louvado seja o senhor dos mundos! – exclamou o velho homem.
E abraçou Daud afetuosamente.
— Meu querido filho! Depois de tantos anos! Eu te reconheceria em qualquer lugar!
Daud ia dizer algo, porém o homem o fez calar-se.
— Vem comigo – disse o velho homem. – Teu caminho e o meu serão o mesmo de agora em diante, e te contarei que planos tenho para ti.
Jabir não havia voltado ainda quando Daud, tentado pela oportunidade, foi-se com o ancião para uma enorme casa nos arredores do Cairo. Ali os quartos eram luxuosos e belíssimos, e Daud sentiu que seus sonhos finalmente tinham se tornado realidade. Pensava no ancião como seu pai e tinha esquecido completamente do desafortunado Jabir, cujo lugar havia tomado.
O aprendiz sonhador, imaginando que era o herdeiro legítimo do velho senhor, estava sentado no sofá olhando à sua volta enquanto traziam a ceia.
Um velho servo, chamado Hamid, estava servindo a água. Hamid não podia acreditar que este era o filho de seu amo, estava certo de que algo não estava bem. Sussurrou no ouvido do velho:
— Estás certo de que este é seu verdadeiro filho?
O amo respondeu:
— Certamente. De que outra forma poderia ter conseguido o punhal e saber a frase que deveria dizer?
Repentinamente bateram muito forte na porta, e em poucos minutos entrou Jabir gritando:
— Aí está o bandido que roubou meus direitos de nascimento!
— Não, não – disse Daud. – Pai, acredita-me, nunca vi este homem em minha vida.
— Quem é quem? – exclamou o velho. – Não posso saber quem está dizendo a verdade.
Sem que os demais se dessem conta, o servo Hamid escorregou por detrás de seu amo e rasgou seu manto com uma navalha.
O aprendiz de alfaiate, ao ver o rasgão, tirou linha e agulha de sua pequena bolsa e tentou cosê-lo.
Então Hamid apontou para Daud dizendo:
— Olhem, este deve ser o aprendiz de alfaiate que tinha fugido! A polícia está a sua procura a noite toda! Há menos de uma hora vieram aqui. Estão fazendo averiguações em cada casa.
Daud correu até a porta, porém Hamid foi mais rápido que ele. Derrubou o desgraçado aprendiz e prendeu suas mãos com um pedaço de corda.
— Jabir, meu filho – disse o velho senhor. – Então era você e não ele!
E abraçou finalmente seu verdadeiro filho.
— Perdôo-te – disse a Daud. – Vá embora.
O pobre aprendiz foi levado de volta à loja do alfaiate, onde devolveu a capa que havia roubado. A polícia queria prender Daud, porém, diante das súplicas de seu patrão, deixaram-no livre.
— Este meu ridículo aprendiz – disse o alfaiate – tem uma imaginação demasiado vivaz e posso entender muito bem que tenha sido tentado a levara capa e personificar um nobre. Visto que é órfão, eu o perdoarei e voltarei a empregá-lo, pois não tem mão ruim para coser.
Foi assim que Daud aprendeu sua lição e tentou corrigir-se.
Com o tempo, viveu até esquecer a história de sua fuga e se converteu em um bom alfaiate, como seu patrão. Herdou a loja e nunca mais deixou que sua imaginação o dominasse.

Cosme e Damião



Os Gémeos Acta e Passio nasceram na Arábia, em uma nobre família cristã, no século III da era comum, estudaram medicina na Síria e a praticaram na Egéia sem receber qualquer pagamento, sendo chamados de Anargiros (inimigos do dinheiro) para isso, dizendo: “Nós curamos as doenças em nome de Jesus Cristo e pelo seu poder”.
Acta e Passio foram martirizados na Síria, perseguidos por Diocleciano, acusados de praticarem feitiçarias, e muitos de seus seguidores levaram seus corpos para Roma, onde foram sepultados num templo erguido em homenagem aos dois, pelo Papa Félix IV. Existem muitas versões a respeito de suas mortes, mas nenhuma é comprovada por documentos, o que põe em dúvida até mesmo a existência dos Gémeos.
Hoje, São Cosme e São Damião são considerados os patronos da medicina.

A crença em São Cosme e São Damião é a versão cristã para a crença nos deuses gregos gêmeos, chamados Castor e Pólux, muito difundida no Mediterrâneo. Segundo a tradição popular no século V, os gémeos São Cosme e São Damião apareciam materializados para ajudarem às crianças que sofriam de violência.


História de Shiva

Há muitíssimo tempo, havia três grandes deuses, filhos do Grande Deus Desconhecido, assim chamado porque – segundo narram os sábios – nenhum homem podia Dele se aproximar, a menos que tivesse o coração puro e limpo e merecesse, por suas virtudes, a graça de Sua visão. Estas três divindades eram, como seu próprio Pai, imaculadas. Brahma, o primogénito, teve por tarefa a criação de todo o universo; o segundo, Vishnu, dedicou-se à conservação e cuidando da obra de seu irmão; enquanto que o mais difícil de todos os trabalhos, coube a Shiva. – Eu modelo os mundos disse Brahma – para que todas as almas manifestadas tenham a oportunidade de cumprir seu ciclo e retornar à Consciência de nosso Pai Celeste. E por esta razão que crio estrelas e gotas de orvalho, e algum dia, todos seremos novamente UNO. Tempo e Espaço poderão então descansar, pois ninguém necessitará deles. – Eu cuido da tua obra – falou Vishnu -, e velarei por ela dia após dia, minuto após minuto, para que se mantenha tal qual tu a criaste. Não terei sossego enquanto existir uma só criatura que deva transitar pela “casa das formas” em busca da essência de nosso Divino Pai. – E tu Shiva? – interrogaram ao terceiro. – Meu papel é muito difícil, queridos irmãos. Os homens que me contemplam, mas que permanecem aferrados à matéria, verão em mim seu destruidor, porque certamente serei eu quem levará suas almas de regresso ao reino de nosso Senhor. Os sábios, em troca, amar-me-ão buscando-me; e eu, prazeiroso, procurá-los-ei para orientá-los no caminho de retorno àquele mundo do qual jamais voltarão; mundo esse que só podem habitar os homens que alcançaram o supremo estado de perfeição espiritual. – Sim – disse Vishnu – teu trabalho é árduo, e poucos poderão entendê-lo. Deverás ensinar aos homens que todo este universo criado por Brahma, e custodiado por mim, é pálido reflexo do outro, o real, que mora no coração de nosso Pai. Deverás fazer com que entendam que, ficar apegado a estas formas plasmadas por nós, é pueril. O sábio vê o intimo das coisas, e se une à Essência Suprema da qual tudo isto provém. Assim foi sempre, e o é ainda agora. Enquanto Brahma cria o cosmos, Vishnu o protege, e Shiva ensina ao coração de todas as coisas, o meio pelo qual atingirá a divina meta. Shiva, deus da Misericórdia e do Amor, com infinita ternura, alerta os homens para não se extraviarem na busca daquela Essência Suprema. – Se souberdes abandonar todos os bens terrenos – diz a seus discípulos -, podereis achar o caminho da Imortalidade, nunca antes. Deveis matar todo apego físico e mental às coisas transitórias, a fim de que vos ilumine a glória dos bens eternos. E como bom mestre de almas, ele próprio pratica uma austeridade tão rígida, que se tornou conhecido como o maior dos ascetas religiosos. Nada possui na casa-criação de seu irmão Brahma; nela, nada lhe pertence, a não ser as almas que ele, ansiosamente, busca elevar para uni-las a seu Divino Pai. Ainda que príncipe, veste uma humilde túnica de anacoreta, anda descalço, não participa de festa alguma neste mundo, e tudo quanto faz é concentrar sua mente e seu coração naquela amadissima Essência. Na mais alta montanha da índia, lá nos Himalaias, costuma-se vê-lo junto aos monges penitentes que vivem nas neves orando ao Deus Supremo. Eles também adoram Shiva, que reconhecem como seu mestre; e dizem que ele mora no monte Kailasa, perto do lago Mansarovara. Nesse louvado cume onde só chega o vento gelado, ele fica submerso em profunda meditação, tentando colocar toda sua vontade e seu amor na tarefa de despertar almas. O Kailasa é um monte estranho: quando Shiva está meditando, afirmam que o próprio céu estremece de regozijo, agita-se a neve de suas encostas e as altas montanhas inclinam-se reverentes para, ansiosamente perguntar-lhe: – Ó misericordioso Shiva! Quando estaremos libertas de nossos corpos de matéria, a fim de nos unirmos outra vez Àquele, nosso Senhor? Os sábios contam que numa ocasião, quando Shiva estava absorto em profundas meditações, pareceu-lhe por um instante que todos haviam abandonado suas formas materiais; não existiam já nem pássaros, nem estrelas, nem homens, pois tinham-se convertido nesse Grande Desconhecido. Ao ver a criação reintegrada a seu primeiro lar, sentiu-se tão feliz que, no meio do vazio infinito, começou a dançar. Essa maravilhosa dança de Shiva é evocada ainda hoje, em toda a Índia; assim, uma vez por ano os monges a representam, querendo significar com isto que chegará o dia em que o universo inteiro tornar-se-á uma Única Realidade. Shiva nada pede a seus devotos; uma vareta de incenso, uma flor ou uma simples oração é suficiente para louvá lo. Todavia, para ele também são louvores as lágrimas de todos os que sofrem as misérias da vida terrestre. Existe uma árvore que particularmente aprecia, e sob sua generosa sombra costuma abstrair-se em longas meditações. Na Índia chamam-na bael, e os devotos do Misericordioso depositam aos pés de suas estátuas, flores, folhas e pequenas lascas dessa madeira. Diz a tradição que um dia, quando Shiva orava ao Deus Supremo, foi atacado por uma quadrilha de ladrões que, o desconhecendo e acreditando que fosse um rei, não por suas roupas, mas por seu porte, golpearam-no com bastões de bael para roubar-lhe o dinheiro que, imaginavam, possuía. Shiva não interpretou este ato como uma agressão; ao contrário, pensou que se tratava de devotos que lhe ofertavam pedaços daquela madeira, de um modo muito particular; entretanto, o único que pareciam conhecer. Nem por um instante cogitou em castigá-los, e sim agradeceu-lhes a dádiva de seu amado lenho. Os ladrões fugiram espavoridos, pois não compreendiam como alguém podia sorrir e agradecer cada golpe que recebia. Numa outra oportunidade, descendo de seu monte Kailasa, pôs-se a contemplar todas as criaturas. Assim, viu nas selvas dos Himalaias um poderoso leão, respeitado por sua ferocidade e admirado por seu porte, que perambulava pelos intrincados caminhos; observou o tigre, as gazelas, o cordeiro, os pássaros, descobrindo com profunda alegria os cuidados e esmeros que havia tido seu irmão Brahma quando lhes deu suas formas adequadas. Por uma ou outra razão, todos eles eram queridos, procurados e elogiados. Mas, ai! quanto sofreu ao ver as serpentes, fugindo sempre das águias, dos homens de todo mundo! – Ó Senhor da Piedade! – queixou-se tristemente Takshaka, o rei das serpentes. – Ninguém nos quer; absolutamente ninguém Homens e animais procuram sempre nos matar! Não há em todo o reino deste mundo, criatura mais desditosa que o réptil… E o senhor Shiva, com infinito amor, alçou várias delas e lhes disse: – Como ninguém vos ama, dar-vos-ei meu coração e proteger-vos-ei com todo zelo. E assim o fez. Para que ninguém as atacasse, acolheu-as junto de si. Timidamente, algumas se enroscaram em seus braços, outras em seu pescoço e cabeça. Desde aqueles remotos tempos, pintores e escultores vêm fazendo quadros e estátuas do deus Shiva e suas serpentes… Muitos procuram um estranho simbolismo neste fato, cujo verdadeiro significado é o infinito amor que Shiva prodigaliza aos desamparados. Entre estes, também está o homem. O Senhor da Misericórdia, dá abrigo àqueles que o mundo rejeita, pois sabe que o Deus Desconhecido depositou sua essência em todas as criaturas, ainda que estas sejam- na aparência – decrépitas ou mentalmente aleijadas. Eis porque ele também ama os maus Logo serão perfeitos – diz suspirando.- Chegarão a descobrir-se e ser realmente o que são, isto é, filhos de nosso Pai Celeste.

Desta forma, Shiva vai de era em era, de cultura em cultura, ensinando às almas o caminho do retorno à Morada Eterna.




As longas colheres

Uma vez, num reino não muito distante daqui, havia um rei que era famoso tanto por sua majestade como por sua fantasia meio excêntrica.
Um dia ele mandou anunciar por toda parte que daria a maior e mais bela festa de seu reino. Toda a corte e todos os amigos do rei foram convidados.
Os convidados, vestidos nos mais ricos trajes, chegaram ao palácio, que resplandecia com todas as suas luzes.
As apresentações transcorreram segundo o protocolo, e os espetáculos começaram: dançarinos de todos os países se sucediam a estranhos jogos e aos divertimentos mais refinados.
Tudo, até o mínimo detalhe, era só esplendor. E todos os convidados admiravam fascinados e proclamavam a magnificência do rei.
Entretanto, apesar de primorosa organização da festa, os convidados começaram a perceber que a arte da mesa não estava representada em parte alguma.
Não se podia encontrar nada para acalmar a fome que todos sentiam mais duramente à medida que as horas passavam.
Essa falta logo se tornou incontrolável.
Jamais naquele palácio nem em todo o país aquilo havia acontecido.
A festa não parava de esforçar-se para atingir o auge, oferecendo ao público uma profusão de músicos maravilhosos e excelentes dançarinos.
Pouco a pouco o mal-estar dos espectadores se transformou numa surda mas visível contrariedade.
Ninguém no entanto ousava elevar a voz diante de um rei tão notável.
Os cantos continuaram por horas e horas. Depois foram distribuídos presentes, mas nenhum deles era comestível.
Finalmente, quando a situação se tornou insustentável, e a fome intolerável, o rei convidou seus hóspedes a passarem para a uma sala especial, onde uma refeição os aguardava.
Ninguém se fez esperar. Todos, como um conjunto harmonioso, correram em direção ao delicioso aroma de uma sopa que estava num enorme caldeirão no centro da mesa.
Os convidados quiseram servir-se, mas grande foi sua surpresa ao descobrirem, no caldeirão, enormes colheres de metal, com mais de um metro de comprimento. E nenhum prato, nenhuma tigela, nenhuma colher de formato mais acessível.
Houve tentativas, mas só provocaram gritos de dor e decepção. Os cabos desmesurados não permitiam que o braço levasse à boca a beberagem suculenta, porque não se podiam segurar as escaldantes colheres a não ser por uma pequena haste de madeira em suas extremidades.
Desesperados, todos tentavam comer, sem resultado. Até que um dos convidados, mais esperto ou mais esfaimado, encontrou a solução: sempre segurando a colher pela haste situada em sua extremidade, levou-a à ... boca de seu vizinho, que pôde comer à vontade.
Todos o imitaram e se saciaram, compreendendo enfim que a única forma de alimentar-se, naquele palácio magnífico, era um servindo o outro.



25/07/2010

O Senhor Palha


Era uma vez, há muitos e muitos anos, é claro, porque as melhores histórias passam-se sempre há muitos e muitos anos, um homem chamado Senhor Palha. Ele não tinha casa, nem mulher, nem filhos. Para dizer a verdade, só tinha a roupa do corpo. Ora o Senhor Palha não tinha sorte. Era tão pobre que mal tinha para comer e era magrinho como um fiapo de palha. Era por esse motivo que as pessoas lhe chamavam Senhor Palha.
Todos os dias o Senhor Palha ia ao templo pedir à Deusa da Fortuna que melhorasse a sua sorte, mas nada acontecia. Até que um dia, ele ouviu uma voz sussurrar:
— A primeira coisa em que tocares quando saíres do templo há-de trazer-te uma grande fortuna.
O Senhor Palha apanhou um susto. Esfregou os olhos, olhou em volta, mas viu que estava bem acordado e que o templo estava vazio. Mesmo assim, saiu a pensar: “Terei sonhado ou foi a Deusa da Fortuna que falou comigo?” Na dúvida, correu para fora do templo, ao encontro da sorte. Mas, na pressa, o pobre Senhor Palha tropeçou nos degraus e foi rolando aos trambolhões até o final da escada, onde caiu por terra. Ao levantar-se, ajeitou as roupas e percebeu que tinha alguma coisa na mão. Era um fio de palha.
“Bom”, pensou ele, “uma palha não vale nada, mas, se a Deusa da Fortuna quis que eu o apanhasse, é melhor guardá-lo.”
E lá foi ele, com a palha na mão.
Pouco depois, apareceu uma libélula zumbindo em volta da cabeça dele. Tentou afastá-la, mas não adiantou. A libélula zumbia loucamente ao redor da cabeça dele. “Muito bem”, pensou ele. “Se não queres ir embora, fica comigo.” Apanhou a libélula e amarrou-lhe o fio de palha à cauda. Ficou a parecer um pequeno papagaio (de papel), e ele continuou a descer a rua com a libélula presa à palha. Encontrou a seguir uma florista, que ia a caminho do mercado com o filho pequenino, para vender as suas flores. Vinham de muito longe. O menino estava cansado, coberto de suor, e a poeira fazia-o chorar. Mas quando viu a libélula a zumbir amarrada ao fio de palha, o seu pequeno rosto animou-se.
— Mãe, dás-me uma libélula? — pediu. — Por favor!
“Bem”, pensou o Senhor Palha, “a Deusa da Fortuna disse-me que a palha traria sorte. Mas este garotinho está tão cansado, tão suado, que pode ficar mais feliz com um pequeno presente.” E deu ao menino a libélula presa à palha.
— É muita bondade sua — disse a florista. — Não tenho nada para lhe dar em troca além de uma rosa. Aceita?
O Senhor Palha agradeceu e continuou o seu caminho, levando a rosa. Andou mais um pouco e viu um jovem sentado num tronco de árvore, segurando a cabeça entre as mãos. Parecia tão infeliz que o Senhor Palha lhe perguntou o que havia acontecido.
— Hoje à noite, vou pedir a minha namorada em casamento — queixou-se o rapaz. — Mas sou tão pobre que não tenho nada para lhe oferecer.
— Bem, eu também sou pobre — disse o Senhor Palha. — Não tenho nada de valor, mas se quiser dar-lhe esta rosa, é sua.
O rosto do rapaz abriu-se num sorriso ao ver a esplêndida rosa.
— Fique com estas três laranjas, por favor — disse o jovem. — É só o que posso dar-lhe em troca.
O Senhor Palha continuou a andar, levando três suculentas laranjas. Em seguida, encontrou um vendedor ambulante puxando uma pequena carroça.
— Pode ajudar-me? — disse o vendedor ambulante, exausto. — Tenho puxado esta carroça durante todo o dia e estou com tanta sede que acho que vou desmaiar. Preciso de um gole de água.
— Acho que não há nenhum poço por aqui — disse o Senhor Palha. — Mas, se quiser, pode chupar estas três laranjas.
O vendedor ambulante ficou tão grato que pegou num rolo da mais fina seda que havia na carroça e deu-o ao Senhor Palha, dizendo:
— O senhor é muito bondoso. Por favor, aceite esta seda em troca.
E, uma vez mais, o Senhor Palha continuou o seu caminho, com o rolo de seda debaixo do braço.
Não tinha dado dez passos quando viu passar uma princesa numa carruagem. Tinha um olhar preocupado, mas a sua expressão alegrou-se ao ver o Senhor Palha.
— Onde arranjou essa seda? — gritou ela. — É justamente aquilo de que estou à procura. Hoje é o aniversário de meu pai e quero dar-lhe um quimono real.
— Bem, já que é aniversário dele, tenho prazer em oferecer-lhe a seda — disse o Senhor Palha.
A princesa mal podia acreditar em tamanha sorte.
— O senhor é muito generoso — disse sorrindo. — Por favor, aceite esta jóia em troca.
A carruagem afastou-se, deixando o Senhor Palha com uma jóia de inestimável valor refulgindo à luz do sol.
“Muito bem”, pensou ele, “comecei com um fio de palha que não valia nada e agora tenho uma jóia. Sinto-me contente.”
Levou a jóia ao mercado, vendeu-a e, com o dinheiro, comprou uma plantação de arroz. Trabalhou muito, arou, semeou, colheu, e a cada ano a plantação produzia mais arroz. Em pouco tempo, o Senhor Palha ficou rico.
Mas a riqueza não o modificou. Oferecia sempre arroz aos que tinham fome e ajudava todos os que o procuravam. Diziam que sua sorte tinha começado com um fio de palha, mas quem sabe se não terá sido com a sua generosidade?


Conto Japonês

As duas irmãs



Há muito tempo, duas irmãs, Omelumma e Omeluka, adoravam brincar ao ar livre, rir e correr para todo lado. Certo dia, seus pais saíram para a feira que era um pouco longe de casa, e recomendaram: - Cuidado com os animais da terra e do mar, porque muitas pessoas já foram levadas pelos monstros. Fiquem dentro de casa e não façam muito barulho. Quando fizerem comida, acendam um fogo pequeno, para que a fumaça não atraia os animais. E, quando secarem os grãos, façam em silêncio, para que os monstros não ouçam.
Porém, disse o pai, o mais importante, é que não saiam para brincar com outras crianças. Fiquem dentro de casa. As duas concordaram com tudo. Acenaram em despedida quando os pais se afastaram.
Ficaram dentro de casa a manhã inteira, mas conforme as horas iam passando, aumentava a sensação de fome. Então, começaram a socar os grãos para fazer uma papa, e aquilo virou logo uma brincadeira. Elas riam e faziam muito barulho. Aí acenderam um grande fogo para que a comida ficasse pronta mais depressa, esquecendo-se da advertência dos pais.
Após comer até se fartar, as duas viram os amigos brincando no campo e foram correndo brincar com eles.
Enquanto brincavam, um rugido imenso saiu de dentro da mata e outro veio do mar, aparecendo muitos monstros que cercaram as crianças. Aterrorizadas, as duas correram, mas foram separadas. Os monstros do mar carregaram Omelumma e os da terra Omeluka.
As duas pensaram, - se tivéssemos ouvido nossos pais. Agora seremos devoradas pelos monstros. Porém, eles não as devoraram, mas as venderam como escravas em lugares muito distantes de sua terra.
Omelumma foi escolhida por um homem, que comprou-a e casou-se com ela.
Omeluka, mais jovem, não teve a mesma sorte. Foi escolhida por um homem cruel, que a comprou, mas a fez de escrava, dando-lhe muitas tarefas dia e noite. Passado um tempo ele vendeu-a para um outro homem ainda pior do que ele que a maltratava ainda mais. Assim, passaram-se muitos anos.
Enquanto isso, Omelumma vivia confortavelmente com o marido e deu à luz seu primeiro filho, um menino. O marido foi ao mercado para encontrar uma escrava que pudesse ajudá-la nas tarefas com o bebê e a irmã, Omeluka, estava lá, para ser vendida.Assim, ele trouxe Omeluka para ser escrava da irmã, mas ela estava muito mudada, devido aos maus tratos que sofrera e Omelumma não reconheceu-a.
Todas as manhãs, Omelumma ia para o mercado e entregava o bebé aos cuidados da irmã, deixando também, muitas tarefas para serem realizadas. Omeluka se desdobrava, mas era muito serviço. Quando ia buscar água ou lenha, o bebé ficava em casa, todavia seu choro a trazia rapidamente de volta, e assim não trazia a lenha suficiente. A irmã quando chegava a surrava por não ter cumprido suas ordens, mas se ela deixava o bebé chorando, os vizinhos contavam e ela apanhava do mesmo jeito. Ela tentou levar o bebé quando ia pegar lenha, mas não deu certo, porque não conseguia fazer o serviço com ele no colo.
Certa tarde, o bebé só interrompeu o choro, quando ela o colocou no colo e o embalou suavemente. Uma vizinha aproximou-se perguntando por que ela não fazia suas tarefas. Ela ficou com medo de ser denunciada e voltou ao trabalho. Mas o bebé começou a chorar e ela não teve saída senão se sentar e começar a embalá-lo de novo. Não sabendo mais o que fazer, finalmente entoou uma canção:

Shsh, shsh, bebezinho, não chore mais
Nossa mãe nos disse para não fazer fogo grande,
Mas nós fizemos
Nossa mãe nos disse para não fazer barulho,
Mas nós fizemos.
Nosso pai nos disse para não brincar lá fora,
Mas nós brincamos.
Então os monstros do mato e do mar nos levaram embora,
Para muito longe, muito longe!
E onde pode a minha irmã estar?
Muito longe, muito longe!
Shsh, shsh, bebezinho não chore mais.

Uma velha que ouviu aquela cantiga, lembrou-se da história que Omelumma lhe contara, há muito tempo, sobre terem sido levadas pelos monstros do mar e da terra. Ela percebeu que a escrava devia ser a irmã de Omelumma, há tanto tempo sumida. Correu até o mercado para contar a novidade à Omelumma.
No dia seguinte, ela deu várias tarefas à irmã e em seguida saiu, para o mercado. Mas voltou em segredo e viu como a irmã corria de um lado para o outro tentando impedir o bebé de chorar enquanto fazia seu serviço. Finalmente a irmã sentou-se e começou a cantar a canção que a velha escutara.
Assim que Omelumma ouviu a canção, reconheceu que era sua irmã e, chorando de dor e remorso, chegou perto dela para pedir perdão.
As duas se abraçaram e choraram juntas. Em seguida Omelumma libertou a irmã, jurou nunca mais maltratar nenhum servo e quando o marido chegou também ficou muito feliz ao saber da novidade. Viveram depois disso, muito felizes.

Conto africano