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18/07/2010

A Cidade das Quatro Colinas


Era uma vez, a menos de mil milhas daqui, uma cidade conhecida como A Cidade das Quatro Colinas.
O nome era muito apropriado, pois a cidade crescera e se espalhara em torno de quatro pequenas elevações que, praticamente, marcavam seus limites.
No topo de cada colina existia um templo de oração, local onde os moradores faziam seus pedidos, procuravam paz para os seus corações e, eventualmente, agradeciam alguma dádiva recebida.
Cada templo possuía uma escadaria que lhe servia de entrada, e em cada escadaria e no seu interior, esmolava e residia um cego.
Cada morador de cada colina, talvez por comodidade, talvez por hábito, talvez pelos dois, frequentava o templo da colina onde morava e, de alguma forma, sustentava o cego que ali vivia.
Certo dia a cidade ficou alvoroçada. Um forasteiro recém-chegado anunciou em pleno mercado, para todos os que quisessem ouvir, que logo estaria chegando à cidade um circo, e que esse circo trazia uma novidade incrível, um animal que ninguém na cidade conhecia e nem sequer imaginava. O circo tinha como sua grande atração - um elefante!! E como ele é? É grande? É pequeno? Se parece com que? É feroz? É manso?
E o forasteiro respondeu: Ah! Isso eu não sei, mas todos aqueles que o viram disseram que era um animal muito impressionante!
A cidade ficou em grande expectativa com a vinda do circo e do elefante. Todos só falavam naquilo.
Bem tarde da noite, quando todos já estavam dormindo, o circo chegou. Os quatro cegos, cada qual de sua colina, devido, talvez, aos seus ouvidos sensíveis, ouviram o circo chegar e movidos por um interesse comum resolveram ir até o local onde o circo deveria ser instalado. Cada um procurava por mais uma oportunidade de trabalho: vender lotarias, rasgar bilhetes e outras coisas para as quais a visão não teria muita importância.
O circo ainda não tinha começado a se armar, e os cegos, um a um, cada um há seu tempo, chegaram até o carro do gerente.
Todos queriam as mesmas coisas: Arrumar um trabalho e conhecer o elefante.
O primeiro cego, depois de conseguir a garantia de um serviço, pediu para ver o elefante. O gerente, no fundo até divertido com o pedido, levou o cego até o local onde estava o elefante e fez o cego entrar.O cego entrou e deparou-se com a presa do elefante. Passou a mão nela, de cima a baixo, sentiu a lisura do marfim, comprovou sua dureza, apreendeu sua forma e voltou para a sua colina muito impressionado.
O segundo cego teve as mesmas atitudes e fez o mesmo trajecto, só que se deparou com a tromba do elefante. Passou a mão nela, de cima a baixo, sentiu sua textura, comprovou a sua forma, apreendeu sua flexibilidade, e voltou para a sua colina muito impressionado.
O terceiro cego, depois de arrumar serviço e ser levado ao elefante, deparou-se com sua orelha. Passou a mão nela, em todas as direcções, sentiu sua espessura, comprovou sua área, apreendeu seu movimento, e voltou para a sua colina muito impressionado.
O quarto cego, por sua vez, deparou-se com o corpo do elefante. Abriu os braços, verificou sua extensão e sua altura, sentiu sua consistência, apreendeu seu volume, e voltou para sua colina muito impressionado.
Mas uma coisa inesperada aconteceu! Um mensageiro entregou ao gerente um pequeno pedaço de papel, e o circo não se instalou na cidade.
Antes do dia nascer o circo já havia seguido o seu caminho.
A cidade, ao despertar e ficar sabendo que o circo tinha ido embora, ficou muito decepcionada, pois todos queriam saber como era o tal do elefante, até que descobriram que os "seus" cegos tinham "visto" o impressionante animal.
Mas as informações eram muito contraditórias. As versões não combinavam entre si. Já estava começando a haver muitas brigas e discussões no mercado, onde cada morador de cada colina sustentava que o "seu" cego é que tinha ido até o circo.
O governante da cidade ficou preocupado e curioso. Preocupado, pois o seu mercado estava em desordem e curioso porque ele também gostaria de saber como era o elefante.
Mandou então que os cegos viessem à sua presença, e ordenou também que o escriba oficial estivesse presente.
O primeiro cego, na entrevista com o governante e com o escriba, disse: Um animal muito impressionante! Liso como o mármore, duro como o ferro. No alto é tão grosso que minhas mãos juntas não abarcam, mas vai afinando, faz uma curva e acaba em ponta. Parece uma lança!
E o escriba apontou nos seus registos oficiais: O elefante parece uma lança.
O segundo cego disse: Um animal muito impressionante! É comprido, maior que eu. Lembra um tubo ou um bambu, redondo e grosso, mas muito flexível, e acaba numa espécie de boca sem dentes, muito sensível. Parece uma grande cobra!
E o escriba apontou nos seus registos oficiais: O elefante parece uma grande cobra.
O terceiro cego disse: Um animal muito impressionante! Enorme! Não consegui, por mais que me esticasse, alcançar o seu topo. Ele é fino, um pouco áspero, mas muito resistente. Balança muito! Houve um momento em que senti uma grande lufada de ar. Parece um grande abanador!
E o escriba apontou nos seus registos oficiais: O elefante parece um grande abanador.
O quarto cego disse: Um animal muito impressionante! Andei dois passos para cada lado com as mãos estendidas e não percebi o seu fim. Fiquei na ponta dos pés com os braços esticados e não percebi o seu topo. É grosseiro ao tacto, muito rugoso e cede um pouco quando se aperta. Parece um muro coberto de couro.
E o escriba apontou nos seus registros oficiais: O elefante parece um muro.
O governante, ao tomar conhecimento dos depoimentos ficou muito indignado. "Alguém está mentindo" - pensou ele. E mandou que os cegos fossem submetidos ao químico oficial para que se lhes aplicasse o soro da verdade.
Quando chegou o resultado da prova e ficou constatado que todos os cegos haviam falado a verdade, o governante ficou perplexo e confuso, mas como ele próprio se considerava um homem lógico e objectivo, chegou às seguintes conclusões:
1 - Os cegos poderiam ter sido submetidos á alguma espécie de feitiço, coisas que só os circos são capazes de cometer.
2 - Poderiam ter quatro elefantes naquele circo, e, por pura maldade do gerente, cada cego foi apresentado a um.
3 - De qualquer maneira, mesmo que o elefante (ou os elefantes) tivesse quaisquer daquelas formas descritas, não teriam nenhuma utilidade para si, ou para o seu governo.
Sendo assim, o melhor que poderia ser feito era esquecer essa coisa de elefante e seguir a sua vida como era antes. E, da sua parte, assim o fez. Mas os moradores da cidade souberam do teste da verdade e cada morador de cada colina tinha absoluta confiança na integridade do "seu" cego.
Passado algum tempo, como é comum entre os homens, alguns, com habilidades desenvolvidas de forma especial, chegaram à seguinte conclusão: Lança, Cobra, Leque e Muro, não eram expressões literais: eram símbolos de algo maior e transcendente.
Outros, usando outras habilidades, convenceram a população que determinadas atitudes eram indispensáveis para que eles pudessem alcançar determinados "estados" mais elevados, o que lhes permitiria ter uma verdadeira compreensão do que realmente havia acontecido.
É uma história muito comprida e que ainda não terminou. O que se sabe é que existe uma cidade com quatro colinas. Em cada colina existe um templo.
O Templo da Lança - dedicado Àquele que tudo penetra.
O Templo da Serpente - dedicado Àquele que tudo abarca.
O Templo do Leque - dedicado Àquele que tudo respira.
O Templo da Muralha - dedicado Àquele que tudo protege.
Antigamente era chamada de Cidade das Quatro Colinas, hoje é conhecida como a Cidade dos Cegos.