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31/01/2010

Lenda da Conversão dos Mouros de Trancoso


Omar, chefe guerreiro mouro, acabava de reconquistar Trancoso numa fúria destruidora que não poupava crianças, mulheres e velhos. Iberusa Leoa, uma cristã de bonitas feições, conseguiu refugiar-se numa gruta e tornou-se eremita. Passados tempos, quando já pensava ter escapado das mãos dos sarracenos, foi capturada. Levada para o castelo, ficou refém para ser trocada por um sobrinho do alcaide que tinha sido feito prisioneiro pelos cristãos. Guardada dia e noite por quatro mouros, Iberusa começou a falar-lhes do seu Deus cristão e da sua fé. Os mouros, renitentes a princípio, acabaram convertidos e resolveram fugir com Iberusa. A cristã e os quatro mouros convertidos encontraram o exército de D. Afonso Henriques, que vinha libertar Trancoso, e foram imediatamente baptizados. Ficaram para sempre na memória do povo como os mouros convertidos de Trancoso.




30/01/2010

A Bela e a Fera


(Beauty and the Beast)
versão de Charles Perrault


Era uma vez um mercador que, precisando fazer uma longa viagem, perguntou as três filhas que presentes desejavam lhes trouxesse, ao regressar. As duas mais velhas pediram vestidos e jóias e a mais nova, chamada Bela, que era a predileta do pai, pediu-lhe apenas uma rosa.

Resolvidos os negócios e quando já tinha empreendido a viagem de retorno, perdeu-se o mercador à noite num bosque. Caía neve e o vento era tão forte que tornava a caminhada muito incômoda e fatigante. De repente, porém, ele viu brilharem umas luzes entre as árvores. Encaminhou-se para aquele lugar e encontrou-se diante de um palácio todo iluminado. Entrou e, depois de atravessar vários salões completamente desertos, chegou a um compartimento, onde estava posta uma grande mesa, com muitas iguarias. Como estava com fome, sentou-se e comeu com grande apetite. Satisfeito o seu desejo, passou para outro cômodo, onde encontrou uma bela cama. Sem mais preâmbulos, deitou-se e adormeceu.

Na manhã seguinte, despertou, já com o sol alto e, junto ao leito, em vez de seus velhos trajes, achou uma bela e nova roupa. Vestiu-a sem receio e, depois da refeição matinal, que já encontrou preparada, saiu da hospitaleira e misteriosa habitação. Mas, quando ia passando pelo jardim, viu um roseiral florido. Recordando-se, só então, do pedido da filha predileta, colheu a mais bela rosa. Tão logo o fez, sentiu o chão tremer de modo apavorante e uma horrível fera surgiu ante o espantado mercador. - Ingrato! – exclamou o estranho ser. - Hospedei-te em meu castelo e tu, como único agradecimento, colhes a flor do meu rosal, profanando aquilo que estimo ainda mais que a própria vida! Como castigo, vais morrer!

O pobre homem, trêmulo, suplicou à fera que lhe perdoasse a involuntária ofensa a contou-lhe que havia colhido a rosa para levá-la de presente à filha mais nova. - Perdôo-te – disse o monstro - com a condição de me trazeres aqui essa tua filha!

O velho adorava a sua Bela e, com profundo pesar, teve de levá-la ao castelo do bosque e ali deixá-la à mercê do monstro. A donzela estava convicta de que seria por ele devorada e ficou assombrada ao verificar que, ao contrário, ele a tratava com toda a delicadeza, tudo fazendo para que nada lhe faltasse e adivinhando seus mínimos desejos. Todas as tardes, o estranho hospedeiro ia visitar sua hóspede e entretinha-se a palestrar com ela. Assim, pouco a pouco, quase sem o perceber, Bela afeiçoou-se à Fera, a ponto de não poder ficar por muito tempo sem sua presença. Nos aposentos que a donzela ocupava no castelo, havia um espelho mágico, que refletia nitidamente tudo quanto se passava na casa do mercador. Bela, de quando em quando, olhava no espelho para informar-se a respeito de sua família. Uma noite, ela viu, por ele, que o pai adoecera gravemente. Chorando, suplicou ao monstro licença para passar uns dias com os seus pais e irmãos. A Fera, após recomendar-lhe que regressasse no fim de uma semana, consentiu.

O mercador, devido à alegria de poder ver e abraçar novamente a filha querida, sarou depressa. Os dias passavam voando para a jovem, na casa paterna, e a semana findou sem que ela percebesse. Uma noite, porém, ela sonhou que o monstro estava agonizante e chamava por ela aflitivamente. Atemorizada e cheia de remorsos, acordou, levantou-se e partiu no mesmo instante para o palácio do bosque, onde encontrou a fera no jardim, estendida junto ao roseiral e desacordada. A donzela, em prantos, abraçou-a e disse-lhe, soluçando: - Não morras! Não morras! Se sarares, eu me casarei contigo!

Apenas acabou de pronunciar tais palavras, a fera, dando um salto, transformou-se num belo príncipe. Agradeceu, então, à jovem por ter posto fim, com suas palavras, ao triste encantamento a que tinha sido condenado por uma bruxa. Em seguida, levou-a para o seu reino, onde o casamento foi celebrado com deslumbrantes pompas e os esposos viveram alegres e felizes, por muitos e muitos anos.


Charles Perrault

29/01/2010

Lenda de Seteais

Seteais é um dos mais belos recantos de Sintra. O seu nome remonta a 1147, altura em que D. Afonso Henriques conquista Lisboa e Sintra se rende sem resistência, uma vez que ficava isolada do restante território árabe.
Segundo a lenda, um dos primeiros cavaleiros cristãos a subir a serra de Xentra foi D. Mendo de Paiva que encontrou uma porta secreta por onde fugiam vários mouros. Entre eles encontrava-se uma moura muito bonita com a sua velha aia.
Quando viu o cavaleiro, a jovem, por se sentir descoberta, suspirou.
A aia, aflita, pediu-lhe que não suspirasse mais. D. Mendo decidiu fazer a jovem sua prisioneira. Quando o disse à aia a jovem voltou a suspirar.
O novo suspiro da bela moura fez com que a velha aia confessasse ao cavaleiro que a jovem tinha sido amaldiçoada por uma feiticeira e que morreria no dia em que desse sete ais.
A revelação deste segredo fez com que a moura suspirasse de novo.
O cavaleiro não acreditou na história o que provocou outro suspiro da jovem. Quando o cavaleiro anunciou que fazia ambas suas prisioneiras a bela moura soltou novo suspiro. A pobre velha ficou desesperada porque a sua ama já tinha suspirado cinco vezes. O cavaleiro voltou a dizer que não acreditava em tais maldições e que iria procurar um local sossegado para onde as levaria.
Depois do cavaleiro se afastar surgiu um grupo de mouros que tinha ouvido a conversa e que se preparou para roubar as duas mulheres. Com um golpe de adaga cortaram a cabeça da velha ama o que provocou novo ai na jovem. Este foi o sexto ai. O sétimo foi a última coisa que disse, no momento em que viu a adaga voltear para lhe cair sobre o pescoço.
Quando D. Mendo voltou ficou muito triste e deu àquele recanto de Sintra, em honra da bela moura, o nome de Seteais.

Lenda de Sintra




27/01/2010

Lenda de Percival

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Existem numerosas versões sobre a origem de Perceval. Na maioria das histórias ele é de origem nobre, sendo filho de Pelinore, cavaleiro valoroso e rei de Listenoise. A sua mãe, habitualmente anônima, desempenha um papel importante na história. Ela vai viver em uma floresta isolada para impedir o filho de se tornar cavaleiro. A sua irmã, portadora do Santo Graal, é ocasionalmente chamada Dandrane. Nas versões da história em que Perceval é filho de Pelinore, os seus irmãos são Tor, Agloval, Lamorat e Dornar.

Depois da morte do pai de Perceval, a sua mãe leva-o para o isolamento na floresta, fazendo com que ignore até aos quinze anos como se comportam os homens. Um dia, ao brincar com dardos na floresta, o jovem Perceval encontra cinco cavaleiros com armaduras tão brilhantes que os toma por anjos. Depois adquire o desejo de se tornar cavaleiro e dirige-se à corte do Rei Artur. Depois de ter se revelado um excelente guerreiro, é convidado a juntar-se aos Cavaleiros da Távola Redonda.

Nos contos mais antigos, Perceval participa da busca do Santo Graal. Na versão de Chrétien de Troyes ele encontra o Rei Pescador ferido e observa o Graal, mas abstém-se de pôr a questão que iria trazer a cura do soberano. Apercebendo-se do seu erro ele esforça-se por voltar ao Castelo do Graal e terminar a sua demanda.

As histórias posteriores fazem de Galaaz, filho de Lancelote, o verdadeiro herói do Santo Graal. Mas mesmo que o seu papel tenha sido diminuído, Perceval mantém-se como uma importante personagem e é um dos dois cavaleiros (juntamente com Boors) que acompanha Galaaz ao Castelo do Graal, terminado com ele a sua demanda.

Nas versões primitivas da história, a amada de Perceval é Floribranca e ele se torna rei de Corbenic depois de ter curado o Rei Pescador. Já nas versões posteriores, ele mantém-se virgem e morre depois de ter encontrado o Graal. Na versão de Wolfram von Eschenbach o filho de Perceval é Lohengrin, o Cavaleiro do Cisne.

Alguns investigadores defendem que Perceval, juntamente com a lenda do Santo Graal, são de origem persa, mas essas teorias têm sido rejeitadas por outros eruditos.

Lenda da Conversão de Abul


No lugar de Barbeita, vivia um conde poderoso e a sua linda irmã Margarida. A jovem tinha muitos pretendentes mas rejeitava-os a todos. Estranhando este facto, o irmão quis saber a razão desta atitude. Margarida revelou-lhe que tinha um amor secreto e também uma rival. A rival era, nem mais nem menos, D. Aldonça, a jovem que estava prometida ao seu irmão. O nome do homem que amava era Abul Wali, um mouro que em breve viria falar com o conde. Abul estaria disposto a tornar-se cristão para desposar Margarida. Margarida avisou o irmão que a sua prometida, D. Aldonça, também amava o mouro e tudo faria para evitar que Abul casasse com ela.
A chegada de Abul provocou grande sensação: era jovem, belo e de tez morena, inteligente e elegante. Queria casar com Margarida mas precisava de uma prova divina que o convencesse a tornar-se cristão. A amada falou-lhe da sua devoção por Santiago e do quanto ela tinha rezado para que Abul viesse em breve juntar-se-lhe. Então Abul prometeu-lhe que se converteria se algum dia visse um milagre.
Os ciúmes do conde eram tão grandes quanto a felicidade de Margarida, a quem Abul dedicava a sua total atenção. Aproveitando-se da situação, D. Aldonça convenceu o conde de que o mouro a tinha ofendido. Atiçado pelo ciúme provocado pela intriga da sua prometida, o conde virou o povo contra Abul que teve de fugir. Cansado, parou junto de uma fonte para beber água e, lembrando-se da grande devoção de Margarida para com Santiago, evocou a sua ajuda prometendo-lhe a sua conversão ao cristianismo.
O povo tinha acabado de cercar o mouro, quando da multidão surgiu o conde que os impediu de avançarem dizendo que Abul era já um convertido. Para sua surpresa, o conde perguntou-lhe se era verdade aquilo que Abul lhe tinha mandado dizer por um velho cavaleiro. Abul disse-lhe que apenas tinha prometido a sua conversão a Santiago. O conde apercebeu-se de que o cavaleiro tinha sido o próprio Santiago e abraçou Abul, dando-lhe a mão da sua irmã.
Em sinal de agradecimento, Abul mandou colocar naquele local um padrão com a imagem de Santiago que ainda hoje lá se encontra.




21/01/2010

Lenda da Atlântida

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O mito da Atlântida baseia-se, desde o princípio dos tempos, na existência de uma ilha chamada Atlântida, que, juntamente com todos os seus habitantes, fora engolida pelo oceano. Situada no Oceano Atlântico, esta terra possuía uma civilização mais antiga do que a dos Árias (Arianos) e mais civilizada do que a egípcia. O império próspero de Atlântida estendia-se por uma vasta região, com bosques, montes e templos de grande beleza, rios, lagos e estradas sem fim, onde palácios maravilhosos, jardins suspensos e torres de cúpulas douradas espelhavam o orgulho de um povo. Entre os Atlântidas ou Atlantes, corpo, mente e espírito eram alimentados por uma arte, religião e filosofia mais avançadas do que as dos Gregos. Os sábios estudavam o movimento dos astros e meditavam sobre os segredos do Universo enquanto os homens se fundiam nos mistérios da natureza. O homem comum tinha acesso a todo este conhecimento e vivia sabiamente na simplicidade do dia-a-dia, gozando da paz que o respeito pela tradição e pelas leis equilibradas gerava. A sua perfeição e felicidade eram tão grandes que os próprios deuses ficaram invejosos e resolveram seduzir os habitantes com a ambição do poder e das conquistas.
Os Atlântidas formaram exércitos invencíveis, só possíveis com os seus elevados conhecimentos científicos. Invadiram a Europa e a Ásia, matando e pilhando, vencendo e escravizando. Dominadores da Terra, voltaram vitoriosos a Atlântida, acompanhados de tesouros incalculáveis, belas princesas escravizadas e humilhados guerreiros algemados. Recebidos com êxtase pelo seu povo, os guerreiros atlântidas, orgulhosos e arrogantes, em vez de agradecerem aos deuses dos céus, elegeram um imperador como o deus atlante na terra. Ressentidos, os deuses fizeram tremer a terra e provocaram inundações de tal forma, que, no dia seguinte, no lugar onde antes existia a grande Atlântida, estendia-se o oceano imenso e azul.
Esta lenda de mistério e encanto aparece pela primeira vez em Platão que se baseia nos escritos de Sólon, legislador grego, que tinha vivido 150 anos antes de Platão, e que tinha ouvido a história de Atlântida a sacerdotes egípcios, durante a sua viagem ao Egipto. Estes sacerdotes contaram-lhe a razão pela qual os Egípcios respeitavam os Atenienses e lhes estavam gratos. Em tempos muitos antigos, cerca de nove mil anos antes da época de Sólon, os Atenienses tinham lutado contra os guerreiros da Atlântida, vencendo-os. Os Atlântidas tinham invadido a Europa e a Ásia e os Atenienses formaram uma coligação com os outros povos da Grécia para os combaterem. Apesar dos aliados terem desertado, os Atenienses lutaram sozinhos, libertando não só Atenas como também o Egipto e outros reinos do jugo da Atlântida. Pouco tempo depois desta vitória, Atlântida sofreu terríveis terramotos e inundações e, juntamente com todo o seu povo, desapareceu, engolida pelo mar. Segundo as notas de Sólon, na partilha da Terra entre os deuses imortais, Atlântida tornou-se pertença de Posídon. A ilha fora habitada pelos Atlantes, descendentes de Atlas, filho de Posídon. O reino foi próspero até ao momento em que as leis de Posídon deixaram de ser respeitadas, o que originou a intervenção dos deuses que castigaram os seus habitantes com a destruição de Atlântida.
Qualquer que seja a versão da lenda, Atlântida foi sempre considerada como símbolo da Idade de Ouro, do paraíso perdido e da cidade ideal, na qual o próprio Platão projectou os seus ideais de uma civilização perfeita.


19/01/2010

A Filha do Rei da Juventude


Enquanto Finn e seu filho Oisin, junto a vários companheiros, caçavam em uma manhã brumosa de verão pela margem do lago Lena, foram investigar uma belíssima moça, montada em um corcel branco como a neve. Ela levava um traje de rainha: uma coroa de ouro e um manto de seda marrom com estrelas de ouro que a envolviam e arrastavam pelo solo.
Seu Cavalo levava adornos de ouro.
A donzela se aproximou de Finn e com ele falou:
-Desde longe vim e te encontrei, Finn, filho de Cumhal.
-Qual é sua terra, donzela, e o que desejas de mim?
-Meu nome é Niam a do cabelo dourado. Sou filha do rei da Terra da Juventude, e o que me trouxe aqui é o amor pelo vosso filho Oisin.
Ela girou e falou com o jovem guerreiro e lhe falou com uma voz que ninguém poderia negar algo que fosse pedido:
-Virá comigo, Oisin, à terra de meus pais?
-Contigo irei até o fim do mundo.
Então a donzela falou sobre sua terra, e enquanto o fazia, uma calma de sonhos inundou todas as coisas. Nenhum cavalo se moveu, os cães deixaram de latir, nenhum som do vento mexeu as folhas do bosque.Os homens estavam tão maravilhados que tudo o que ela falou, só puderam se lembrar:

É uma terra deliciosa, acima de todos os sonhos
Mais bela que qualquer coisa jamais vista pelos olhos.
Lá todos os anos têm frutos nas árvores.
E durante todo o ano as plantas florescem.

Ali as árvores mel selvagem gotejam.
E o vinho e o hidromel nunca terminam.
Nenhum habitante conhece a dor ou a doença
E a morte ou decadência nunca estão perto de lá.

A festa nunca se interrompe nem a caça cansa,
Nem tão pouco para de tocar as músicas dos salões;
O ouro e as jóias da Terra da Juventude
Brilham com esplendor jamais conhecidos por homem algum.

Terás cavalos de boa linhagem
Terás cães que correm mais que o vento
Uma centena de guerreiros que o seguirão nas batalhas
Uma centena de donzelas que cantarão para que possas dormir.

Uma Coroa do Soberano levarás na fronte,
E ao teu lado uma arma mágica sempre estará,
E será o senhor de toda a Terra da Juventude,
E senhor de Niam dos cabelos dourados

Ao terminar a canção, Oisin foi montar no corcel mágico, e, sustentando a donzela em seus braços desapareceu como um raio de luz faria no bosque.


Lendas celtas irlandesas




18/01/2010

Catarina Quebra-Nozes

Era uma vez um rei e uma rainha, como os que reinavam em muitas nações. O rei tinha uma filha chamada Ana, e a rainha tinha outra chamada Catarina. Ana era muito mais bonita que a filha da rainha, mas gostavam uma da outra como verdadeiras irmãs. Sentindo inveja da filha do rei por ser mais bonita que a sua Catarina, a rainha procurou um meio de estragar a beleza dela. Assim, foi se aconselhar com a dona Galinha, que lhe disse para mandar a mocinha ir vê-la na manhã seguinte, de jejum.
Na manhã seguinte, bem cedo, a rainha disse a Ana:

“Vá, minha querida, até a dona Galinha, na ravina, e peça- lhe alguns ovos.” Lá se foi Ana, mas, vendo um pedaço de pão ao passar pela cozinha, pegou-o e foi mastigando pelo caminho afora.

Ao chegar à dona Galinha, pediu os ovos, como lhe haviam mandado fazer. A dona Galinha lhe disse: “Levante a tampa daquela panela ali e veja.” A mocinha obedeceu, mas não aconteceu nada. “Volte para sua mãe e diga-lhe para manter sua despensa bem trancada”, disse a dona Galinha. Assim ela voltou para casa e contou à rainha o que a galinha dissera. Com isso, a rainha soube que a mocinha tinha comido alguma coisa. Na manhã seguinte ficou muito atenta e despachou a princesa de jejum. Mas ela viu uns camponeses colhendo ervilhas à beira do caminho e, sendo muito gentil, falou com eles e pegou um punhado de ervilhas, que foi comendo pelo caminho.
Quando chegou à dona Galinha, esta disse: “Levante tampa da panela e verá”Ana levantou a tampa do recipiente, mas nada aconteceu. Dona Galinha ficou terrivelmente zangada e disse a Ana: “Diga para sua mãe que a panela não vai ferver se o fogo estiver apagado.”Ana voltou para casa e contou isso à rainha. No terceiro dia a rainha foi pessoalmente com a menina até a dona Galinha. Ora, dessa vez, quando Ana levantou a tampa da panela, sua linda cabeça despencou e uma cabeça de ovelha pulou no seu pescoço.

Muito satisfeita, a rainha voltou para casa. Sua própria filha, Catarina, no entanto, pegou um fino pano de linho, envolveu com ele a cabeça da irmã e tomou-a pela mão. Assim partiram, em busca da sorte. Andaram, andaram e andaram até que chegaram a um castelo. Catarina bateu à porta e pediu pousada por uma noite para ela e uma irmã doente. Ao entrar, descobriram que era o castelo de um rei. Esse rei tinha dois filhos e um deles estava muito doente, à beira da morte, e ninguém conseguia descobrir qual era o seu mal. O curioso era que toda pessoa que o velava durante a noite desaparecia para nunca mais. Por isso o rei oferecera uma burra de prata a quem se dispusesse a ficar com ele. Ora, Catarina era uma menina muito corajosa, e se ofereceu para cuidar do principe.

Até a meia-noite, tudo correu bem. Quando as doze badaladas soaram, porém, o príncipe doente levantou-se, vestiu-se e se esgueirou escada abaixo. Catarina seguiu-o, mas ele não pareceu notar. O príncipe foi até o estábulo, selou seu cavalo, chamou seu cão de caça, pulou na sela e Catarina pulou lepidamente atrás. E lá se foram o príncipe e Catarina pela floresta. Catarina ia arrancando nozes das árvores e enchendo com elas seu avental. Cavalgaram e cavalgaram até chegar a um monte verdejante. Ali o príncipe refreou o cavalo e disse: “Abra, abra, monte verdejante, e deixe entrar o jovem príncipe com seu cavalo e seu cão.” E Catarina acrescentou: “E sua dama atrás de si’
Imediatamente o monte verdejante se abriu e eles entraram. O príncipe penetrou num salão magnífico, feericamente iluminado, e muitas lindas fadas o cercaram e o chamaram para dançar. Enquanto isso, sem ser notada, Catarina escondeu-se atrás da porta. Dali viu o principe dançando, e dançando, até que não pôde dançar mais e desabou sobre um divã. As fadas se puseram então a abaná-lo, até que ele conseguiu se levantar e continuar dançando. Finalmente o galo cantou e o príncipe tratou de montar de novo seu cavalo a toda pressa; Catarina pulou atrás e rumaram para casa. Quando o sol da manhã se levantava, foram ao quarto do príncipe e encontraram Catarina sentada junto ao fogo, quebrando suas nozes. Contou que o príncipe tivera uma boa noite, mas que não velaria por ele mais uma noite a menos que ganhasse uma burra de ouro. A segunda noite transcorreu como a primeira, O príncipe se levantou à meia-noite e cavalgou até o monte verdejante e o baile das fadas, e Catarina foi com ele, colhendo nozes enquanto avançavam pela floresta. Dessa vez não espiou o príncipe, pois sabia que ia dançar, dançar e dançar. Mas viu urna fadinha-bebê brincando com uma varinha de condão e, sem ser notada, ouviu uma fada dizer a outra: “Três batidas corn essa varinha de condão tornariam a irmã de Catarina tão linda como sempre foi.” Assim, Catarina começou a rolar nozes para a fada-bebê, e mais, e mais, até que a criança saiu cambaleando atrás dos frutos e deixou cair a varinha, que Catarina guardou no avental. E ao cantar do galo cavalgaram para casa como antes e, mais que depressa, ao entrar em seu quarto no palácio, Catarina tocou Ana três vezes com a varinha de condão.A repelente cara de ovelha caiu e ela voltou a ser linda como sempre.

Na terceira noite, Catarina só consentiu em velar o príncipe doente se pudesse se casar com ele. Tudo se passou como nas duas primeiras noites. Dessa vez a fadinha-bebê estava brincando corn um passarinho. Catarina ouviu urna das fadas dizer:”Três bocados deste passarinho devolveriam ao príncipe doente mais saúde do que ele jamais teve.” Catarina rolou todas as nozes que tinha para a fadinha-bebê, até o passarinho cair; guardou-o então no seu avental.

Ao cantar do galo partiram de novo, mas, ern vez de quebrar suas nozes como costumava fazer, nesse dia Catarina depenou o passarinho e cozinhou-o. “Oh!” disse o príncipe doente. “Gostaria de um bocado desse passarinho:’ Assim Catarina deu-lhe um pedacinho da ave e ele se ergueu sobre os cotovelos. Dá um pouco exclamou de novo: “Oh, se eu pudesse comer mais um bocado daquele passarinho!” Catarina deu-lhe mais um pedaço e ele se sentou na cama. Depois ele disse de novo:”Ah, se pudesse comer um terceiro bocado daquele passarinho!” Catarina deu-lhe um terceiro bocado e ele se levantou, forte e lampeiro, vestiu-se e foi se sentar junto ao fogo.

Quando o pessoal chegou na manhã seguinte, encontrou Catarina e o jovem pnncipe quebrando nozes juntos. Nesse meio tempo, o irmão do príncipe vira Ana e caíra de amores por ela, como faziam todos que viam seu lindo rosto. Assim o filho doentio casou-se com a irmã sadia e o irmão sadio casou-se com a irmã doentia, e todos viveram felizes e morreram felizes e nunca beberam de um copo vazio.

Joseph Jacobs
(versão brasileira)


17/01/2010

Tristão e Isolda

Ficheiro:John william waterhouse tristan and isolde with the potion.jpg

Tristão e Isolda é uma história lendária sobre o trágico amor entre o cavaleiro Tristão, originário da Cornualha, e a princesa irlandesa Isolda (ou Iseu). De origem medieval, a lenda foi contada e recontada em muitas diferentes versões ao longo dos séculos.

O mito de Tristão e Isolda tem provável origem em lendas que circulavam entre os povos celtas do norte da Europa, ganhando uma forma mais ou menos definitiva a partir de obras literárias escritas por autores normandos no século XII. No século seguinte a história foi incorporada ao Ciclo Arturiano, com Tristão transformando-se em um cavaleiro da távola redonda da corte do Rei Artur. A história de Tristão e Isolda provavelmente influenciou outra grande história de amor trágico medieval, a que envolve Lancelote e a Rainha Genebra.

Tristão, excelente cavaleiro a serviço de seu tio, o rei Marc da Cornualha, viaja à Irlanda para trazer a bela princesa Isolda para casar-se com seu tio. Durante a viagem de volta à Grã-Bretanha, os dois acidentalmente bebem uma poção de amor mágica, originalmente destinada a Isolda e Marc. Devido a isso, Tristão e Isolda apaixonam-se perdidamente, e de maneira irreversível, um pelo outro. De volta à corte, Isolda casa-se com Marc, mas Isolda e Tristão mantêm um romance que viola as leis temporais e religiosas e escandaliza a todos. Tristão termina banido do reino, casando-se com Isolda das Mãos Brancas, princesa da Bretanha, mas seu amor pela outra Isolda não termina. Depois de muitas aventuras, Tristão é mortalmente ferido por uma lança e manda que busquem a Isolda para curá-lo de suas feridas. Enquanto ela vem a caminho, a esposa de Tristão, Isolda das Mãos Brancas, engana-o, fazendo-o acreditar que Isolda não viria para vê-lo. Tristão morre, e Isolda, ao encontrá-lo morto, morre também de tristeza.




A Bela Melusine



Certo dia, o conde Siegfried afastou-se do castelo de Koerich para ir à caça. Foi cavalgando e quando deu por ele, estava perdido. Ao pôr do Sol entrou num vale profundo e estreito, mas reparou que lá ao fundo erguia-se um rochedo enorme e as ruínas de um castelo romano. Aproximou-se do rochedo e viu uma mulher linda que cantava lindamente. Esta estava sentada nos escombros do castelo quando o conde, balbuciou:
- Como te chamas?
Ela ergueu-se devagar e disse-lhe docemente:
- Melusine. Chamo-me Melusine.
Depois mergulhou no rio Alzette desaparecendo ao mesmo tempo que os últimos raios de Sol. Exausto, o conde adormece.
De manhã, levantou-se e procurou o rio, disposto a ir para o seu castelo que mais tarde encontrara, mas nunca mais esquecera Melusine, indo por isso todos os dias ao rochedo na esperança de encontrá-la. Por sorte ela voltou e juntos passaram momentos muito felizes, pois Melusine cantava as mais lindas canções e Siegfried ouvi-a, fascinado.
Assim, o conde pediu-a em casamento, mas a donzela impôs algumas condições:
- Caso contigo se me prometeres que não me obrigas a sair daqui. Quero viver sempre junto do rochedo do Bock.
- Seja como queres. Mandarei construir o castelo mais lindo que já se viu por estas paragens.
Melusine parecia hesitante.
- Ainda há outra coisa...
- Tudo o que quiseres! Pede e ser-te-á concedido.
- Preciso de ficar sozinha aos sábados. Prometes que não me segues, não me procuras, não me perguntas sequer onde é que eu vou?
O pedido era estranho, mas o conde jurou porque queria mesmo casar com Melusine.
- Prometo. Dou-te a minha palavra.
Siegfried trocou uma propriedade pelo Rochedo de Brock. O dono do rochedo aceitou a proposta e o conde finalmente casou com Melusine. Tiveram sete filhos e tudo corria bem nas suas vidas até que os amigos começaram a espicaçá-lo!
- Não percebo como é que aturas uma coisa destas! - dizia um.
- Se fosse minha mulher, garanto-te que não desaparecia aos sábados. - dizia outro.
Assim, Siegfried ficou curioso sobre esse mistério da esposa e um sábado espreitou pelo buraco da fechadura.
O que viu deixou-o assombrado, pois Melusine estava a tomar banho e quando se remexia na água, em vez de aparecerem as pernas e os pés, levantava uma monstruosa cauda de peixe, coberta de escamas repelentes. Melusine era uma sereia do rio e ao se aperceber desse facto Siegfried grita tão alto que o seu grito fez eco pelas paredes do castelo, assustando Melusine que se atira de cabeça e mergulha nas profundezas da água a que pertencia, desaparecendo para sempre. Assim, a lenda diz que Melusine aparece de sete em sete anos para implorar que alguém a ajude a quebrar o encanto de ser sereia. Melusine vai tecendo vestes de linho e por cada sete anos, ela acrescenta mais um fio de linho. Se antes de ela acabar esta obra ninguém a salvar, Luxemburgo irá desfazer-se em ruínas.


Lenda do Luxemburgo


O Bicho Folharal



A onça estava cansada de ser enganada pela raposa, e mais irritada ainda por não conseguir pegá-la para poder fazer um bom guisado.
Um dia teve uma ideia: deitou-se na sua toca e fingiu-se de morta.
Quando os bichos da floresta souberam da novidade, ficaram tão felizes, mas tão felizes que correram na toca da onça para ver se a sua morte era mesmo verdade.
Afinal de contas, a onça era uma bicho danado!
Vivia dado sustos nos outros animais!
Por isso estavam todos muitos felizes com a noticia de sua morte.
A raposa porém, ficou desconfiada e como não é boba nem nada,ficou de longe, apreciando a cena.
Atrás de todos os animais, ela gritou:
_ Minha avó quando morreu, espirrou três vezes. Quem tá morto de verdade, tem que espirrar.
A onça ouviu aquilo e para demonstrar para todos que estava mesmo mortinha da silva, espirrou três vezes.
- É mentira gente! Ela tá viva!- Gritou a raposa
Os bichos correram assustados, enquanto a onça levantava furiosa.
A raposa fugiu rindo da cara da sua adversária.
Mas a onça não desistiu de apanhar a raposa e pensou num plano.
Havia uma grande seca na floresta, e os bichos para beber água tinham que ir num lago perto da sua toca.
Então ela resolveu ficar ali.
Deitada.
Quieta.
Esperando...
Espreitando a raposa dia e noite, sem parar.
Um dia, irritada e com muita sede, a raposa resolveu dar basta naquela situação.
E também elaborou um plano.
Lambuzou-se de mel e espalhou um monte de folha seca por seu corpo cobrindo-o todo.
Chegando ao lago encontrou a onça.
Sua adversária, olhou-a bem e perguntou:
_ Que bicho é você que eu não conheço?
Cheia de astúcia, a raposa respondeu:
_ Sou o bicho folharal-
_ Então, pode beber água.
Vendo que a raposa bebia água como se tivesse muita sede, a onça perguntou desconfiada;
_ Está com muita sede hein!
Nisso, a água amoleceu o mel e as folhas foram caindo do corpo da raposa.
Quando a última folha caiu, a onça descobrindo que foi enganada,pulou sobre ela.
Mas nisso, a esperta raposa já tinha fugido rindo às gargalhadas.

Conto africano

Cinderela




Cinderela era filha de um comerciante rico, que faleceu quando ela ainda era muito jovem. Foi então criada por sua madrasta malvada, que junto de suas duas filhas, transformaram-na em sua serviçal. Cinderela tinha de fazer todos os serviços domésticos - lavar, varrer, cozinhar - e ainda era alvo de deboches e malvadezas. Seu refúgio era o quarto no sótão da casa e seus únicos amigos, os animais da floresta.

Um belo dia, é anunciado que o Rei irá realizar um baile no Castelo, para que o princípe escolha sua esposa dentre todas as moças do reino. No convite, distribuído a todos os cidadãos, havia o aviso de que todas as moças, fossem pobres, altas, magras, feias ou bonitas, deveriam comparecer ao Grande Baile.

A madrasta de Cinderela sabia que ela era a mais bonita da região, então disse que ela não poderia ir, pois não tinha um vestido apropriado para a ocasião. Cinderela então costurou um belo vestido, com a ajuda de seus amiguinhos da floresta. Passarinhos, ratinhos e esquilos a ajudaram a fazer um vestido feito de retalhos, mas muito bonito. Porém, a madrasta não queria que Cinderela comparecesse ao baile de forma alguma, pois sua beleza impediria que o princípe se interessasse por suas duas filhas, muito feias. Então ela e as filhas rasgaram o vestido, dizendo que não tinham autorizado Cinderela a usar os retalhos que estavam no lixo. Fizeram isso de última hora, para impedir que a moça tivesse tempo para costurar outro.

Muito triste, Cinderela foi para seu quarto no sótão e ficou à janela, olhando para o Castelo na colina. Chorou, chorou e rezou muito. De suas orações e lágrimas, surgiu sua Fada-madrinha que confortou a moça e usou de sua mágica para criar um lindo vestido para Cinderela. Também surgiu uma linda carruagem e os amiguinhos da floresta foram transformados em humanos, cocheiro e ajudantes de Cinderela. Antes de sua afilhada sair, a Fada-madrinha lhe deu um aviso: a moça deveria chegar antes da meia-noite, ou toda a mágica iria se desfazer aos olhos de todos.

Cinderela chegou à festa como uma princesa. Estava tão bonita, que não foi reconhecida por ninguém. A madrasta, porém, passou a noite inteira dizendo para as filhas que achava conhecer a moça de algum lugar, mas não conseguia dizer de onde. O princípe, tão-logo a viu, se apaixonou e a convidou para dançar. A ciumeira foi generalizada, todas as moças do reino sentiram-se rejeitadas mas logo procuraram outros pares e a festa foi animada. Apenas a madrasta de Cinderela e suas duas filhas passaram a noite em um canto, tentando descobrir de onde teria vindo aquela moça tão bonita.

Cinderela e o príncipe dançaram e dançaram a noite inteira. Conversaram e riram como duas almas gêmeas e logo se perceberam feitos um para o outro.

Acontece que a fada-madrinha tinha avisado que toda a magia só iria durar até a meia-noite. Quando o relógio badalou as dozes batidas, Cinderela teve de sair correndo pela escadaria do Castelo. Foi quando deixou um dos pés de seu sapatinho de cristal. O príncipe, muito preocupado por não saber o nome da moça ou como reencontrá-la, pegou o pequeno sapatinho e saiu em sua busca no reino e em outras cidades. Muitas moças disseram ser a dona do sapatinho, mas o pé de nenhuma delas se encaixava no objeto.

Quando o príncipe bateu à porta da casa de Cinderela, a madastra trancou a moça no sótão e deixou apenas que suas duas filhas feias experimentassem o sapatinho. Apesar das feiosas se esforçarem, encolheram os dedos, passarem óleo e farinha nos pés, nada do sapatinho de cristal servir. Foi quando um ajudante do príncipe viu que havia uma moça na janela do sótão da casa.

Sob as ordens do príncipe, a madrasta teve de deixar Cinderela descer. A moça então experimentou o sapatinho, mas antes mesmo que ele servisse em seus pés, o príncipe já tinha dentro do seu coração a certeza de que havia reencontrado o amor de sua vida. Cinderela e o princípe se casaram em uma linda cerimônia, e anos depois se tornariam Rei e Rainha, famosos pelo bom coração e pelo enorme senso de justiça. Cinderela e o príncipe foram felizes para todo o sempre…

Rapunzel

Ficheiro:Johnny Gruelle illustration - Rapunzel - Project Gutenberg etext 11027.jpg

Um casal sem filhos que queria uma criança vivia ao lado de um jardim murado que pertencia a uma bruxa. A esposa, no fim da gravidez, viu uma árvore com suculentos frutos no jardim, e o desejou obsessivamente, ao ponto da morte. Por duas noites, o marido saiu e invadiu o jardim da bruxa para recolher para a esposa, mas na terceira noite, enquanto escalava a parede para retornar para casa, a bruxa apareceu e acusou-o de furto.

O homem implorou por misericórdia, e a mulher velha concordou em absolvê-lo desde que a criança lhe fosse entregue ao nascer. Desesperado, o homem concordou; uma menina nasceu, e foi entregue à bruxa, que nomeou-a Rapunzel. O nome da planta que o marido robou.

Quando Rapunzel alcançou doze anos, a bruxa trancafiou-a numa torre alta, sem portas ou escadas, com apenas um quarto no topo. Quando a bruxa queria subir a torre, mandava que Rapunzel estendesse suas tranças, e ela colocava seu cabelo num gancho de modo que a bruxa pudesse subir por ele.

Um dia, um príncipe que cavalgava no bosque próximo ouviu Rapunzel cantando na torre. Extasiado pela voz, foi procurar a menina, e encontrou a torre, mas nenhuma porta. Foi retornando frequentemente, escutando a menina cantar, e um dia viu uma visita da bruxa, assim aprendendo como subir a torre.

Quando a bruxa foi embora, pediu que Rapunzel soltasse suas tranças e, ao subir, pediu-a em casamento. Rapunzel concordou. Juntos fizeram um plano: o príncipe viria cada noite (assim evitando a bruxa que a visitava pelo dia), e trar-lhe-ia seda, que Rapunzel teceria gradualmente em uma escada. Antes que o plano desse certo, porém, Rapunzel tolamente delatou o príncipe. Na primeira edição dos Contos de Grimm, Rapunzel pergunta inocentemente porque seu vestido estava começando a ficar apertado em torno de sua barriga, revelando tudo para a bruxa (que soube que Rapunzel estava grávida, o que significava que um homem se encontrara com ela). Em edições subseqüentes, Rapunzel perguntou distraidamente por que era tão mais fácil levantar o príncipe do que a bruxa.

Na raiva, a bruxa cortou cabelo de Rapunzel e lançou um feitiço, para que ela vivesse em um deserto. Quando o príncipe chegou naquela noite, a bruxa deixou as tranças caírem para transportá-lo para cima. O príncipe percebeu horrorizado que Rapunzel não estava mais ali; a bruxa disse que nunca mais a veria e empurrou-o até os espinhos de baixo, que o cegaram.

Durante meses ele vagueou através das terras infrutíferas do reino, e Rapunzel mais tarde deu à luz duas crianças gêmeas. Um dia, ela estava bebendo água e começou a cantar com sua bela voz de sempre. O príncipe ouviu-a e encontrou-se com ela. As lágrimas de Rapunzel curaram a cegueira, e a família foi viver feliz para sempre no reino do príncipe.


Irmãos Grimm


14/01/2010

A árvore

[Syringa_vulgaris.jpg]

ERA uma vez um menino que se resfriara. Saíra e molhara os pés; ninguém pôde compreender como, pois o tempo estava seco. Sua mãe o despiu, vestiu-lhe uma roupa quente e mandou trazer a chaleira com água fervendo, para preparar-lhe um chá que o aquecesse. No mesmo instante se apresentou na porta o velho homem engelhado que morava no alto da casa. Vivia sozinho, pois não tinha nem esposa nem filhos; mas gostava muito de crianças e sabia tantos contos e estórias, que era um prazer ouvi-lo.
- Agora beba o seu chá - disse a mãe. - Talvez depois disso o tio lhe conte uma estória.
- Sim, e eu sei muitas estórias novas! - replicou, balançando a cabeça.
- Mas onde foi que o pequeno molhou os pés? - perguntou em seguida.
- E' verdade, onde foi? - replicou a mãe. - E' inconcebível.
- Diga-me, você pode me dizer exatamente, pois eu preciso saber, que profundidade tem o rego, lá em baixo, na rua onde fica a sua escola?
- justamente a altura das botinas disse o menino. - Mas é preciso ir ao grande buraco.
- Pronto! pronto ... Foi aí mesmo que você molhou os pés - disse o velho. - Agora eu gostaria de contar-lhe uma estória, mas acontece que não me lembro mais.
- Oh! 0 senhor bem poderia inventar uma - disse o menino. - Mamãe sempre diz que tudo o que o senhor vê se transforma em um conto e que tudo aquilo em que o senhor toca é motivo para uma estória.
- Sim; mas essas estórias e esses contos não valem nada. Os bons geralmente vêm por eles mesmos. Batem na minha cabeça, dizendo: "Aqui estou!"
- E agora está batendo um? - perguntou o menino.
A mãe sorriu. Lançou as folhas de chá na chaleira e jogou por cima a água fervente.
- Conte, conte!
- Sim, uma estória deve aparecer. Mas as que valem a pena não aparecem quando se deseja. Mas, atenção - disse de repente. Aqui está uma: embaixo da chaleira.
0 menino olhou para a chaleira. A tampa se levantava aos poucos; as folhas do chá apareciam; grandes e longos galhos se estenderam. Formou-se uma árvore que cobriu o leito deixando seus galhos em volta. Que flores e que perfume! No meio da árvore estava sentada uma simpática e velha mulher, trajada com uma roupa extraordinária, verde como as folhas da árvore e ornada com grandes lilases brancos. Não se podia distinguir à primeira vista se era artificial ou se as flores e as folhagens eram vivas.
- Como se chama essa dama? perguntou o menino.
- Os romanos e os gregos, respondeu o velho, chamavam-na de "dryade". Mas nós não usamos mais essa palavra. Actualmente temos para ela um novo nome; vamos chamá-la de Mamãe-Lilás e é ela que agora lhe chama a atenção. Ouça e examine a árvore atentamente.
Lá em baixo, nos n o v o s bairros, havia uma árvore igualmente grande e florida. Crescia no canto de um recinto bastante pobre. E numa linda tarde de sol, duas pessoas idosas estavam sentadas sob a árvore. Tratava-se de um velho marinheiro e sua velha, velha esposa. já eram avós e deviam festejar dentro em pouco as suas bodas-de-ouro, mas não se lembravam da data exacta. Mamãe - Lilás estava sentada na árvore e olhava para eles com ar satisfeito.
- Pois eu sei muito bem quando serão as suas bodas-de-ouro, disse ela.
Mas eles não a ouviram; falavam de seus velhos tempos.
- Você se lembra, disse o velho marinheiro, quando nós éramos muito pequenos, quando brincávamos e corríamos? Era no mesmo lugar onde estamos sentados agora. Nós plantamos pedaços de madeira na terra para fazer nosso jardim.
- Sim, respondeu a velha. Lembro-me muito bem. Regávamos os pedaços de madeira e um deles, um galho de lilás, criou raízes, cresceu e transformou-se na bela árvore sob a qual estamos sentados agora.
- Exactamente, retrucou ele. E lá em baixo, naquele canto, havia uma bacia, onde flutuava o meu barco. Eu mesmo o construíra. Como ele navegava bem! Mas eu devia conhecer a navegação de uma outra maneira!
- Sim, mas antes nós fomos à escola para nos instruirmos. Depois fizemos a primeira comunhão e choramos muito. Depois do almoço, de mãos dadas, subimos ao campanário redondo e nos embriagamos com a vista de Copenhague e o mar. A seguir, fomos até Friedrichsberg, onde o rei e a rainha passavam, em seu barco soberbo, pelos canais.
- Logo ele me mandaria v i a j a r por países distantes.
- Sim, muitas vezes eu chorei por sua causa, interrompeu ela. Pensava que você tivesse morrido e que repousasse no fundo das águas. Passei muitas noites acordada, a fim de ver se o cata-vento girava. Ele girava m u. i t o bem, mas você não voltava. Lembro-me muito bem de que um dia chovia a cântaros e a carroça do lixo parou diante da porta de meus patrões. Desci com a lata do lixo e fiquei parada na porta. Fazia um tempo horrível lá fora! Então o cocheiro entregou-me uma carta. Uma carta sua. Como ela viajara! Abri-a apressadamente e a li; eu ria e chorava, pois estava muito contente. Fiquei sabendo que você estivera nos países quentes, lá onde crescem os cafezais. Que beleza devia ser. Você narrava uma porção de coisas, eu o via com a minha imaginação, enquanto a chuva continuava a cair sem parar, De repente, alguém surgiu e me agarrou pela cintura ...
- A quem, como recompensa, você deu uma bela bofetada.
- E eu podia lá saber que se tratava de você? Você chegou juntamente com a carta. E estava tão lindo! ... Mas o é sempre. Estava com, um lenço amarelo de seda. Usava um chapéu branco novo, que lhe assentava muito bem. Mas, meu Deus, que tempo fazia e que aspecto tinha a rua!
- A seguir - continuou ele - nós nos casamos. Você se lembra? E os filhos que tivemos, a pequena Marrei, Niels, Pierre e Jean-Chrétien?
- Sim, eles cresceram e se tornaram pessoas amadas por todos.
- E eis que tiveram filhos por sua vez! E' a boa semente. Parece-me que foi nesta estação que nós nos casamos.
- Sim, é justamente hoje o dia de comemorarem as suas bodas-de-ouro, - disse Mamãe-Lilás passando sua cabeça entre os dois velhos.
Mas estes dois a tomaram por uma vizinha que lhes dava bom dia. Fitaram-se e estenderam suas mãos enlaçadas. Logo depois chegaram seus filhos e netos, que sabiam muito bem que era o dia das bodas-de-ouro e já os haviam cumprimentado pela manhã. Todavia, ao mesmo tempo em que se lembra de acontecimentos passados, eles se haviam esquecido dessa circunstância. 0 lilás brilhou mais forte, e o sol, que se deitava, veio iluminar o velho casal bem no rosto. Eles tinham, todos dois, as faces coradas e o menor de seus netos dançava em volta deles, gritando de alegria pois nessa noite haveria uma grande festa e eles teriam batatas-doces quentes. Mamãe-Lilás, na sua árvore, abaixa a cabeça e gritava "urra" junto com os outros.
- Mas isso não é um conto - interrompeu o menino, dirigindo-se ao narrador.
- Você pode achar que não - replicou o velho. - Mas vamos interrogar Mamãe-Lilás a esse respeito.
- Não é um conto, realmente - disse Mamãe-Lilás - mas vai chegar um. 0 conto mais extraordinário, nascido da realidade; se assim não fosse, uma árvore tão grande não poderia sair de uma chaleira.
Tirou o menino do leito e apertou-o contra o peito. Os galhos, cobertos de flores de cima abaixo, se fecharam sobre eles e ambos se acharam na mais espessa folhagem. Esta voou com eles pelos ares. Foi tudo incomparavelmente lindo. Mamãe-Lilás se transformou de repente numa linda jovem, vestida com o mesmo traje verde, ornado das flores claras que Mamãe-Lilás usava. Levava no colo uma
verdadeira flor de lilás e uma coroa de lilases em volta de seus cabelos cacheados, de um louro-escuro. Seus olhos eram grandes e belos. Era um prazer fitá-la. A menina e o menino trocaram um beijo; eram da mesma idade e cheios da mesma alegria.
De mãos dadas, saíram da folhagem. Estavam agora no belo jardim florido de sua pátria. Sobre a relva fresca estava a bengala do pai. Para as crianças, essa bengala era viva. Quando se puseram a cavalo sobre ela, o seu cabo polido se transformou numa bela cabeça. Uma longa crina ali flutuava; quatro pernas finas e fortes apareceram: o animal era forte e fogoso. Partiram a galope em volta da relva.
- Agora nós estamos bem longe - disse o menino: - no castelo onde estivemos o ano passado.
E eles rodavam em volta do prado, e a menina que, como todos sabemos, não era outra senão Mamãe-Lilás, gritava sem parar:
- Aqui estamos na região. Você está vendo aquela casa de campo que parece um ovo gigantesco? 0 lilás deixou cair seus ramos para baixo; o galo caminhava orgulhosamente catando a terra a fim de arranjar alimento para seus filhotes. Veja como ele incha o peito Agora estamos perto da igreja. Está no alto da montanha, à sombra dos grandes carvalhos que estão com as folhas meio secas. Agora estamos diante da forja: o fogo queima e os homens seminus batem com seus martelos, fazendo voar as faíscas que formam estrelas. Para a frente! A caminho do belo castelo!
E tudo o que dizia a menina, a cavalo na bengala atrás dele, desfilava aos seus olhos. 0 menino via tudo isso; no entanto, não estava mais do que galopando em volta da relva. A seguir eles brincaram numa alameda transversal e construíram um pequeno jardim. A menina apanhou as flores de lilás que levava nos cabelos e as plantou. E elas cresceram, como acontecera ao velho de que haviam falado, quando ainda eram crianças e se divertiam nos novos quarteirões. Assim como eles, deram-se as mãos. Mas eles não subiram ao campanário vermelho, nem foram até o parque de Friedrichsberg. Não, a menina segurou o menino- pela. cintura e eles voaram para longe, por toda a Dinamarca. Chegou a primavera, depois o verão, depois o outono e o inverno. Mil imagens se refletiam nos olhos
Partiram a galope em volta da relva.
e no coração do menino. E a menina não cessava de lhe dizer: "Não se esqueça nunca." Durante todo o tempo do vôo, o lilás espalhava o seu perfume suave e penetrante. 0 menino sentia bem o odor das rosas e das outras flores, mas o do lilás era ainda mais inebriante; é que as flores pendiam do coração da menina, sobre o qual o pequeno doente apoiava sempre a cabeça.
- Aqui a primavera é magnífica disse a menina. Acabavam de chegar a um bosque de faias. A seus pés espalhava o perfume e as anêmonas rosa-claro brilhavam sobre o verde das folhas. "Oh! não existe primavera mais perfumada do que na floresta de faias dinamarquesas!"
- Aqui a primavera é magnífica! - disse ela. Passavam diante dos antigos castelos do tempo dos cavaleiros. Os muros vermelhos e as torres pontudas refletiam-se nos fossos onde nadavam cisnes e tinham o aspecto de velhas árvores. 0 trigo, nos campos, ondulava como um mar em movimento; flores vermelhas e amarelas balançavam-se na relva; e à noite, quando a lua aparecia, muito branca, era tudo mais lindo ainda. "Não se esqueça nunca!"
- Aqui o outono é magnífico - disse a menina. - 0 céu fica duas vezes mais alto e duas vezes mais azul; a floresta toma os coloridos mais lindos, vermelhos, amarelos e verdes; os cães-de-caça se abraçam; os pássaros selvagens voam em conjunto, gritando, sobre as antigas ruínas de pedra. Por todo canto, sobre o mar azul-escuro, aparecem as velas brancas; e nas fazendas, as velhas mulheres, as moças e as crianças pisam as uvas nos grandes tonéis. Os jovens cantam, os velhos contam estórias de mágicos: "Não se pode imaginar coisa melhor!"
- Aqui, o inverno é magnífico - disse a menina. - Todas as flores ficam cobertas de geada, parecendo feitas de coral branco. A neve estala sob os pés, com se tivéssemos botas novas. No céu, as estrelas cadentes caem uma após outra. Dentro das casas, a árvore de Natal se ilumina; existem presentes; a alegria e a Lua lançava luz prateada por todos os lados. E mesmo a criança mais pobre reconhece: "E' magnífico, no inverno."
Sim, era magnífico e a menina mostrava tudo ao menino. 0 lilaseiro espalhava sempre o seu perfume e continuava a flutuar a bandeira vermelha de cruz branca, a bandeira sob a qual o velho marinheiro partira para distantes países. Depois o menino tornou-se um homem, quis partir para o vasto mundo, para longe, onde ficam os países quentes onde se plantam os cafezais. No momento da partida a jovem apanhou uma flor de lilás do seu peito * entregou-a para guardar. Ele colocou-a no seu livro de preces. E, de cada vez que ele o abria, no estrangeiro, seu olhar caía na página onde se encontrava a flor da recordação. Quanto mais a olhava, mais ela revivia. Ao mesmo tempo, ele respirava o odor de sua pátria, e, entre as pétalas, via distintamente a menina que o fitava com seus olhos claros. E a ouvia murmurar:
- Aqui, é esplêndido na primavera, no verão, no outono e no inverno.
E centenas de imagens passavam por seus olhos.
Muitos anos se passaram. Agora ele era um homem velho que, ao lado de sua esposa, estava sentado sob uma árvore em flor. Davam-se as mãos, como o avô e a avó tinham feito, nos bairros novos; falavam também dos tempos passados e de suas bodas-de-ouro. A menina dos olhos azuis, dos lilases nos cabelos, estava sentada no alto da árvore, e, debruçando a cabeça para eles, dizia:
- E' hoje o aniversário de seu casamento.
Depois tomava duas flores de sua coroa e dava-lhes um beijo. As flores começavam a brilhar como a prata, depois como o ouro, e quando ela as pousou na cabeça dos velhos, cada uma delas se transformou numa coroa de ouro. Estavam os dois sentados, como um rei e uma rainha, sob a árvore perfumada que se parecia com um lilaseiro. Ele contava à sua velha esposa a estória de Mamãe-Lilás, tal como ouvira quando era menino; e parecia-lhes que era muito parecida com as circunstâncias vividas por eles próprios. E era isso que mais lhes agradava.
- Sim, é isso - disse a menina da árvore. - Uns me chamam de Mamãe-Lilás, outros de "dryade"; afinal, eu me chamo Recordação. Sou eu que estou sentada na árvore que floresce todos os dias. Tenho uma vasta memória e sei contar lindas coisas! Deixe-me ver se você ainda tem suas flores?
0 velho homem abriu seu livro de preces. Lá estava uma flor de lilás, fresca como se tivesse sido colhida, e Mamãe-Lilás, ou melhor, Recordação, pendia a cabeça, e os dois velhinhos, coroados de ouro, sentavam-se sob o sol quente. Fecharam os olhos e... e... o conto acabou-se.
0 menino, deitado no leito, não sabia mais se ouvira ou sonhara. A chaleira estava sobre a mesa; não havia árvore alguma. 0 velho homem que contara a estória estava para sair. E o fez.
- Como era lindo! - disse o menino.
Mamãe, teria eu ido mesmo até os países quentes?
- Sem duvida alguma - respondeu a mãe. - Quando se bebe duas xícaras cheias de chá de tília, tudo pode acontecer!
E cobriu-o bem, para que ele não apanhasse mais frio.
- Você dormiu bem, enquanto eu brigava com o nosso velho amigo, a fim de saber se era uma estória ou um conto.
- E onde está Mamãe-Lilás? - perguntou o menino.
- Dentro da chaleira - disse a mãe.
E ali ficará.


Hans Christian Andersen
(versão brasileira)



13/01/2010

Ártemis


Deusa da natureza selvagem, Ártemis era irmã gémea de Apolo. Nascera, como ele, dos amores de Zeus com Leto, uma mortal. Sua actividade favorita era a caça, e por isso, de manhã até a noite, ela percorria os vales e as florestas num carro puxado por dois cervos. Gostava de viver nos lugares selvagens, longe das cidades e dos homens, tendo como única companhia caçadoras que haviam feito voto de castidade. Um dia, voltando de uma caçada proveitosa, Artemis se preparava para banhar o corpo cansado nas águas claras de uma fonte. As companheiras tinham acabado de lhe tirar as armas, as sandálias e a túnica, quando de repente apareceu um jovem caçador chamado Actéon. Ele se espantou tanto quanto a deusa e se deteve, fascinado com o espectáculo.
Sem suas armas, Artemis não podia reagir. Com um gesto rápido, tapou a nudez e jogou água na cabeça do caçador, enfeitiçando-o. Imediatamente, surgiram chifres na testa do infeliz; seus pés se transformaram em cascos, e o corpo se cobriu da pelagem de um cervo. Actéon quis gritar, mas sua voz já não era humana. Então fugiu. Seus próprios cães, não reconhecendo o dono, correram atrás dele, fincaram-lhe os dentes e o dilaceraram.
A deusa se mostrou cruel porque não suportou a ideia de ser vista nua por um homem. Mas também sabia ser uma deusa prestativa e oferecer sua protecção, em particular às grávidas. De fato, desde pequena ela se revelara hábil na arte de auxiliar uma mulher a dar à luz. Mal saíra da barriga da mãe, Leto, ajudou-a no parto de Apolo, o irmão gémeo.

Contos e Lendas da Mitologia Grega


Lenda do Palácio Nacional de Sintra



No Palácio Nacional de Sintra existe uma sala cujo o tecto está pintado com diversos desenhos de pegas.

Diz-se que o rei e a rainha que lá viviam nessa época fizeram casar mais de um cento de mulheres, entrando na conta as que ele próprio casou também, seguindo tão bons exemplos. Não havia uma ligação ilícita, nem um adultério conhecido. A corte era uma escola. D. Filipa, pregando ao peito o seu véu de esposa casta, com os olhos levantados ao céu, não perdoava. Terrível, na sua mansidão, trazia o marido sobre espinhos.

Certo dia, segundo reza a lenda, em Sintra, o rei esqueceu-se, e furtivamente pregava um beijo na face de uma das aias, quando apareceu logo, acusadora e grave, sem uma palavra, mas com um ar medonho, a rainha casta e loura. D. João, enfiado, titubeando, disse-lhe uma tolice: "Foi por bem!!!". A rainha saiu solenemente. Eram ciúmes? Não, ciúmes só sente quem está apaixonado, e não era o caso. Apenas sentia o seu orgulho ferido.

Rapidamente a notícia se espalhou pelo palácio, e toda a criadagem andava com a frase "Foi por bem" na boca. Chateado com a situação, o rei decidiu tomar uma iniciativa, mandou construir uma sala para a criadagem. Todos ficaram radiantes e contando os dias que faltavam para a sala estar pronta.

Finalmente chegou o dia, iam conhecer a sala. Qual não foi o espanto de todos ao verem que o tecto de tal sala estava todo pintado com pegas, que tinham escrito no bico "Pour Bien". (traduza-se por bem).

Esse palácio nacional é rodeado de jardins, um deles é o jardim da Lindaria.

Reza a lenda que esse jardim era o local onde as mouras vinham, ao sair do banho, respirar a frescura do ar e o perfume embalsamado das flores. Uma dessas mouras enfeitiçou-se de amores por um cristão que ali escondido as observava. Seu marido, ao descobrir, matou-a. E dizem que ainda hoje, todas as noites a moura volta ao jardim em busca do cristão por quem se apaixonou.

12/01/2010

Uma Rosa da Campa de Homero

Em todas as canções do Oriente soa o amor do rouxinol pela rosa. Nas noites calmas, claras de estrelas, o cantor alado faz uma serenata à sua odorosa flor.

Não longe de Esmirna, sob os altos plátanos, para onde o mercador puxa os camelos carregados que levantam orgulhosamente os pescoços altos e pisam desajeitados a terra, que é santa, vi um roseiral florido. Pombas bravas voavam entre os ramos altos das árvores e as suas asas cintilavam, quando um raio de sol tombava sobre elas, como se fossem de madrepérola.

No roseiral havia uma flor entre todas a mais bonita e era para esta que cantava o rouxinol as suas mágoas de amor. Mas a rosa estava silente, nem uma gota de orvalho havia, como lágrima de compaixão, nas suas pétalas. Curvava-se com o caule para baixo sobre umas pedras.

- Jaz aqui o maior cantor da terra! - disse a rosa. - Quero perfumar a sua campa. Sobre ela quero derramar as minhas pétalas, quando a tempestade as arrancar. O cantor da Ilíada tornou-se terra nesta terra, donde broto... Eu, uma rosa da campa de Homero, sou demasiado sagrada para florir para o pobre rouxinol!

E o rouxinol cantou até morrer.

O condutor de camelos chegou, com os seus camelos carregados e os seus escravos negros. O filhinho dele encontrou o pássaro morto. Enterrou-o na campa do grande Homero. E a rosa agitou-se ao vento. Veio a noite, a rosa fechou completamente as pétalas e sonhou... que era um belo dia de sol. Chegava uma multidão de estrangeiros, de francos. Faziam uma viagem de peregrinação, à campa de Homero. Entre os estrangeiros havia um cantor do Norte, da terra das neblinas e das auroras boreais. Arrancou a rosa, premiu-a num livro e levou-a consigo para outra parte do mundo, para a sua pátria distante. E a rosa murchou de pena e ficou no livro fechado, que ele abriu em casa, dizendo:

- Eis uma rosa da campa de Homero!

Ora vejam, isto sonhou a flor que acordou e estremeceu ao vento. Uma gota de orvalho caiu das suas pétalas na campa do cantor e o sol ergueu-se, o dia tornou-se quente e a rosa resplandeceu ainda mais bela do que antes - estava na sua Ásia quente. Ouviram-se então passos, vieram estrangeiros, francos, que a rosa vira no seu sonho e entre os estrangeiros havia um poeta do Norte. Este arrancou a rosa, premiu um beijo na sua boca fresca e levou-a consigo para a terra de neblinas e auroras boreais.

Como uma múmia repousa agora o cadáver da flor na sua Ilíada e como em sonho ouve ela abrir o livro a dizer: "Eis uma rosa da campa de Homero!".

Hans Christian Andersen


11/01/2010

Lenda da Bezerra de Monsanto




Diz a lenda que, há muito tempo atrás, as tropas romanas cercaram Monsanto durante sete terríveis anos. Sem se renderem, os seus habitantes tinham sofrido muito e visto morrer muitos dos seus.
Ao velho chefe da aldeia, apenas lhe restava uma filha. Os seus irmãos tinham sido todos mortos pelo inimigo. Queria que a sua filha fugisse e se pusesse a salvo com o seu rebanho, mas esta recusava heroicamente. Perante a coragem da filha, o pai pediu-lhe para sacrificar o seu último rebanho e reparti-lo com os habitantes, uma vez que os alimentos escasseavam. Talvez assim conseguissem aguentar mais uma semana. Essa semana passou e os soldados romanos aperceberam-se da trágica situação dos sitiados. Exigiram novamente a sua rendição.
Vendo o desespero do velho chefe, a filha pediu-lhe que não esmorecesse, pois ela ainda tinha guardado uma bezerra gorda que serviria para os salvar a todos. Contou os seus planos ao pai, que os pôs logo em prática: chegou ao cimo das muralhas e, com uma segurança que a todos surpreendeu, gritou aos romanos que não se renderiam porque ainda tinham muita comida. Como prova disso, atirou-lhes a bezerra. O cônsul romano, cansado de tantos anos de cerco, resolveu retirar para Roma.

A Torre de Caim



No tempo em que os vális de Córdova tinham quase todo o reino sujeito, é que sucedeu o que vou contar. […] — No tempo que disse, lavrava a discórdia entre dois ricos-homens nas terras se além-Douro, afirmavam uns que por amor dos lindos olhos de certa dama, juravam outros que por causa da aposta de um cavalo. De seus castelos os dois inimigos, postos defronte, corriam o campo talando vinhas, pomares e searas, e mal um se descuidava, o outro, assaltando-o, vinha logo acordá-lo a ferro e a fogo. Em suas mesnadas, ou companhas de homens de armas, ardia a guerra em toda a fúria. Nos casais assolados de ambos, o solarengo ou o pastor nunca sabia se ao anoitecer recolheria os frutos, e os rebanhos a salvo, ou se despertaria ao clarão das labaredas, para enterrar algum dos seus assassinado. Por fim o cavaleiro mais velho acometeu o paço acastelado do contrário, e tomou-o à traição, deixando a cabeça do senhor cravada nas ameias. Aconteceu isto, véspera de S. João, por alta noite, quando todos festejavam o bendito Santo com fogueiras, cantigas e folias. O cavaleiro tinha um filho e um irmão. O filho de idade tenra; o irmão temido pela índole e pelo braço. Entraram e saíram os anos, assim a criança fez-se homem; e de parte a parte a aversão das duas famílias cada vez crescia mais. O rio, que as separava, tingiu-se de sangue por muitas vezes, e os sinos não cessavam de dobrar na igreja pelos que morriam. O tempo, que tudo gasta de dia para dia, parecia avivar mais aquela rixa. […] De repente as areias inflamaram-se em um mar de fogo; o céu cobriu-se de trevas; e nas pontas recortadas das altas rochas dançaram, cruzando-se, milhares de luzeiros. Ouviu-se então na vasta solidão do ermo um brado imenso. D. Inigo respondeu, e o pacto, que ali firmou, foi tão negro, que a lua tornou-se cor de sangue e sumiu-se, que as estrelas esconderam trémulas a sua luz. O cristão acabava de vender ali a alma ao inferno pela vingança. […] Cumpridos doze anos, D. Inigo voltou, sem saber como, à terra em que nascera. Disseram que um cavalo da cor da noite, com os olhos todos chamas, o trouxera em breves instantes da Judeia a Portugal. […] Na sala de armas do castelo soam mil vozes de júbilo. […] A meio do banquete as danças tornam a entrançar os pares como grinaldas vivas do festejo. Pelas portas abertas do alcáçar enxameiam incessantemente donas, cavaleiros e monges, convidados pela hospitalidade quase régia do rico-homem. As taças cheias de licor espumoso correm de mão para mão. D. Ordonho, de pé, alça a sua, e com a fronte erguida, brada: — À paz dos cristãos! À ruína e confusão dos infiéis! Uma longa aclamação responde à sua voz: — Assim findem todas as discórdias entre irmãos! Ainda não tinha pousado o vaso na mesa quando, voltando a vista, soltou um grito. Os convivas olharam também e ficaram imóveis com as taças suspensas. No lugar vazio destinado a honrar a memória do pai de Ansures, apareceu de repente um homem sentado. Vestia armas pretas com viseira calada e na cota açor bordado. Descalçando o guante direito, e empunhando a primeira taça cheia, ergueu-a lentamente: — Bem falado, conde Ordonho! exclamou. À paz da noite de S. João!... Não bebeu, derramou o vaso, e o vinho, maculando a toalha, tornou-se vermelho e vivo como o sangue. No sítio em que pousou a taça uma malha de ferro em brasa queimou a alvura do linho. Alçou então a viseira. Os olhos, as feições e os modos eram exactamente os do cavaleiro assassinado havia catorze anos; porém os cabelos e as barbas brancas lembravam que, por cima do seu corpo passara o frio da sepultura. Alguns dos que o viram desejaram fugir, mas, petrificados por um poder oculto, não puderam mover-se. O horror gelava a todos. […] Do castelo, no eirado fronteiro, uma voz cheia e vibrante levanta brados de triunfo, e por momentos avulta a estatura gigante do conde Ordonho, cozida nas chamas, imóvel e majestosa, com os cabelos soltos ao temporal. Depois abateu-se a torre com grande estrépito, as quadrelas aluíram-se, as traves acesas remoinharam e caíram, e entre os destroços, como um leito tranquilo, o velho guerreiro adormeceu do sono eterno. Honra ao que morre amortalhado em suas armas e envolto no seu pendão! Ao cabo de sessenta anos de pelejas o fronteiro sepultou consigo a orgulhosa raça de Riba d’Ave, e do seu castelo só ficaram de pé aquela torre negra, que além vemos, e a ermida onde jazem os ossos de Pedro Ansures.


Rebelo da Silva, Contos e Lendas
Lenda do século XI

09/01/2010

Rolando e a Durindana



Rolando, sobrinho preferido do imperador Carlos Magno, era o mais valente de todos os cavaleiros do seu tempo. Sem temer os inimigos, combatia bravamente em nome da fé cristã. Trazia sempre consigo a Durindana, espada inquebrável, originalmente pertencente a Heitor, bravo guerreiro de Tróia, sendo-lhe presenteada por Carlos Magno, quando completara dezessete anos. No punho de ouro da espada, encontrava-se um dente de São Pedro, gotas do sangue de São Basílio, um fio do cabelo de São Denis e um fio do manto da virgem Maria. Sob o fio da lâmina da Durindana, muitos infiéis sarracenos tombaram.
Por sua valentia, Rolando foi designado por Carlos Magno a combater os sarracenos que se instalavam por toda a península Ibérica. Assim, com a Durindana em punho, montado em seu valente e veloz cavalo Vigilante, o jovem vassalo partiu para a Ibéria, em nome da sua fé e do seu imperador. Na empreitada, foi acompanhado pelos também vassalos do rei, Ganelão e Oliveiros. Sob os seu comando estava o mais poderoso dos exércitos, formado pelos paladinos conhecidos como os Doze Pares da França.
De Saragoça a Pamplona, Rolando venceu os invasores sarracenos. Por onde passava, adquiria fama, temor e respeito. Mas quis o destino que o valente vassalo de Carlos Magno fosse traído por Ganelão. O traidor fez um pacto com o rei Marsílio, de Saragoça, para acossar o exército de Rolando e, conseqüentemente, ceifar-lhe a vida.
A grande emboscada aconteceu nos Pirineus, na passagem de Roncesvales. Ali, foram surpreendidos pelos sarracenos. Aos poucos, Rolando viu cair sob a espada inimiga, os seus fiéis soldados. No meio de tão sangrenta batalha, o bom amigo Oliveiros, prometido de Auda, irmã de Rolando, pediu para que ele soasse o olifonte, alertando assim, o exército maior de Carlos Magno, fazendo com que viessem socorrê-los.
Mas as súplicas de Oliveiros foram inúteis, pois Rolando, garboso e destemido cavaleiro, não poderia manchar a sua honra mostrando medo, e recorrendo à ajuda do real do tio. Em reposta, atirou-se ferozmente aos inimigos, matando dezenas deles. Entre os seus mortos estava o filho do rei Marsílio. O próprio monarca teria a mão decepada pela Durindana. Ferido, o rei partiu com parte dos seus soldados. Morreria mais tarde, devido à hemorragia que sofrera. Antes de cerrar os olhos na morte, o rei ordenou que os seus homens vingassem o seu martírio e o do seu filho.
Sob a paisagem dos Pirineus, a batalha entre os sarracenos e o exército de Rolando enchia os campos de sangue. Um a um, Rolando viu tombar os seus valentes soldados. Por fim, assistiu à morte do cavalo Vigilante. Já no final da luta, Rolando decidiu soar o olifonte. Vendo que a morte estava próxima, ele ainda tentou quebrar, em vão, a Durindana, para que não caísse nas mãos dos infiéis. Em um último ato, cravou a espada mágica em uma rocha.
Ao ouvir o olifante soar, Carlos Magno saiu em socorro do sobrinho. Chegara tarde demais, Rolando jazia inerte no chão de Roncesvales. O rei ajoelhou-se diante do corpo do cavaleiro, cobrindo o seu rosto com as suas lágrimas. Jurou ao morto que vingaria a sua morte. Assim, Carlos Magno venceu os líderes sarracenos, executou o traidor Ganelão e conquistou Saragoça. Em silêncio absoluto, moveu o corpo de Rolando até Blaye, enterrando o maior dos heróis dos Doze Pares da França. A Durindana ficou cravada, para sempre, numa rocha no meio do nada, à espera de um novo cavaleiro digno de usá-la.

Lenda medieval

08/01/2010

Lenda da Cabeça da Velha




Diz a lenda que na serra de Peneda vivia Leonor, uma jovem rica e bela, sob a tutela de um tio fidalgo, o poderoso e cruel D. Bernardo. Leonor tinha um amor secreto, D. Afonso, um fidalgo jovem, mas arruinado. Era ajudada pela sua velha aia Marta que a acompanhava nos breves encontros que mantinha com o seu apaixonado. Marta tinha-lhes jurado fidelidade, afirmando mesmo que se algum dia os traísse Deus a transformaria em pedra.
Um dia, Marta vinha de um encontro com D. Afonso, que lhe tinha dado uma carta para Leonor, quando foi surpreendida por D. Bernardo. O cruel fidalgo, suspeitando de algo, obrigou a velha Marta a contar o que se passava a troco de grandes ameaças e conseguiu arrancar-lhe a hora e o local do próximo encontro entre os jovens. D. Bernardo decidiu surpreender os amantes e castigá-los.
Marta acompanhou Leonor no dia do encontro, com grande desespero por nada poder contar à sua ama. Os jovens apaixonados encontraram-se na serra de Peneda, ficando Marta a vigiar num local próximo. Estavam Leonor e D. Afonso a trocar juras de amor quando ouviram vozes e, querendo verificar o que se passava, dirigiram-se ao local onde Marta se encontrava. Verificaram com espanto que Marta se tinha transformado em pedra, sinal de que os tinha traído. Sabendo-se em perigo, os jovens fugiram para a Galiza onde casaram e fizeram fortuna.

07/01/2010

A Senhora Holle



Uma mulher tinha duas filhas. Uma era linda e trabalhadeira, a outra era feia e preguiçosa. Mas ela gostava muito mais da feia, porque era filha dela de verdade,
e a outra era uma espécie de criada da casa, que tinha que fazer todo o trabalho.
Todo dia a coitadinha tinha que se sentar perto de um poço, à beira da estrada, e fiar até que seus dedos sangrassem.
Acontece que um dia o fuso escorregou da mão dela e caiu no fundo do poço. Ela desatou a chorar, e foi correndo para casa, contar à madrasta o que tinha acontecido. A madrasta não teve pena nenhuma e ralhou muito com ela:
- Você deixou cair lá dentro! – gritou ela – Então pode muito bem ir buscar…
A pobre moça voltou para junto do poço e não sabia o que fazer. No fim, estava tão assustada que acabou pulando lá dentro, para ver se conseguia pegar o fuso de novo. Mas acontece que então ela desmaiou e, quando acordou, estava numa linda campina, onde brilhava o sol e havia milhares de flores lindíssimas.
A moça começou então a caminhar pela campina e daí a pouco chegou junto ao forno de um padeiro. Estava cheio de pão, e o pão começou a gritar:
- Me tire daqui! Me tire daqui! Se não, eu vou queimar todinho… Já estou pronto há um tempão.
Então a moça encontrou uma pá de padeiro e tirou todos os pães lá de dentro, um por um.
Depois, continuou andando. Daí a pouco chegou a uma árvore carregadinha de maçãs. A árvore começou a gritar:
- Me sacuda! Me sacuda! Todas as minhas maçãs já estão maduras…
Então ela sacudiu a árvore e as maçãs foram caindo como se fossem uma chuva, até que não sobrou nenhuma. A moça empilhou as frutas todas e depois seguiu seu caminho.
Finalmente, chegou a uma casinha. Tinha uma velha espiando lá de dentro pela janela. Os dentes dela eram tão grandes que a moça ficou com medo e saiu correndo. Mas a velha gritou:
– Está com medo de que, minha filha? Fique comigo. Se você me ajudar no serviço da casa, e trabalhar direitinho, garanto que não vai se arrepender. É só você ter cuidado, fazer minha cama bem feita e sacudir a coberta até que as penas voem, porque então vai chover na terra. Eu sou a senhora Holle.
A velha falava de um jeito tão carinhoso que a moça se comoveu e concordou em trabalhar para ela. E fazia o trabalho direitinho. A senhora HolIe ficou muito satisfeita com ela, que sempre batia a cama e sacudia as cobertas com tanta força que as penas saíam voando como se fossem flocos de neve. Em troca, levava uma boa vida, nunca brigava com ela, e tinha carne cozida ou assada para comer todo dia.
Depois de estar trabalhando com a senhora HoIle há algum tempo, entretanto, a moça foi começando a ficar triste. Primeiro, ela não sabia bem o que era, mas depois foi descobrindo que era saudade. Apesar de estar agora mil vezes melhor do que em casa, ela queria voltar. Por isso, acabou dizendo à senhora Holle:
- Estou com saudades de casa. Sei que estou muito bem aqui embaixo, mas não estou agüentando mais. Tenho que voltar para junto da minha família. A senhora Holle respondeu:
- Acho que é uma coisa boa que você tenha saudades de casa, e fico contente com isso. Mas como você me serviu tão lealmente, eu mesma vou levá-la.
Dizendo isso, pegou a moça pela mão e levou-a até uma grande porta. A porta se abriu e, bem na hora em que a moça estava passando por ela, começou a chover ouro lá do alto, e ficava grudado nela. Num instante ela estava coberta de ouro da cabeça aos pés.
- É a sua recompensa por ter trabalhado tão bem – disse a senhora HolIe. E deu a ela o fuso que tinha caído lá em baixo, no fundo do poço. Em seguida, a porta se fechou e a moça estava outra vez no mundo, perto da sua da mãe.
Quando ela entrou no quintal, o galo, que estava em pé na beirada do poço, começou a cantar:

Coco rocó…
Lá vem nossa menina
Coberta de ouro em pó…

Aí ela entrou em casa, e a mãe e a irmã ficaram falando sem parar, porque ela estava coberta de ouro.
A moça contou a elas tudo o que tinha acontecido. Quando a mãe ouviu a história de como é que ela tinha encontrado aquela riqueza toda, quis que a filha feia
e preguiçosa tivesse a mesma boa fortuna. Então disse a ela que se sentasse ao poço e começasse a fiar. Para que o fuso ficasse cheio de sangue, ela meteu a mão numa moita de espinheiro e espetou o dedo. Depois, jogou o fuso no fundo do poço e pulou atrás dele.
Acordou na mesma campina bonita que a irmã, e saiu caminhando pelo caminho. Quando chegou ao forno o pão gritou outra vez:
- Me tire daqui! Me tire daqui! Se não, vou queimar todinho… Já estou pronto há um tempão. Mas a preguiçosa respondeu:
- Eu, hein? Está pensando que eu quero ficar toda suja?
E seguiu em frente. Daí a pouco chegou junto da velha macieira, que gritou:
- Me sacuda! Me sacuda! Todas as minhas maçãs já estão maduras…
Mas ela respondeu:
- Não faltava mais nada! Já imaginou se uma de suas maçãs cair na minha cabeça?E seguiu em frente.
Quando chegou à casa da senhora HolIe, ela não teve medo nenhum, porque sabia que ela tinha aqueles dentes enormes. No mesmo instante, concordou em trabalhar para ela.
No primeiro dia, se esforçou para trabalhar bastante, e fazer tudo o que a senhora Holle tinha mandado, porque só estava de olho no dinheirão que ia ganhar. Mas no segundo dia ela começou a afrouxar, e no terceiro foi pior ainda. porque ela não queria nem se levantar cedinho de manhã. E não fez a cama da senhora Holle direitinho, nem sacudiu a coberta até que as penas voassem. Num instante a senhora Holle se cansou do desmazelo dela e a mandou embora.
A moça ficou muito contente, porque achou que finalmente tinha chegado a hora da chuva de ouro. E, realmente, a senhora Holle a levou até a porta. Mas
na hora em que estava passando pela porta, não foi ouro o que choveu sobre ela. O que se derramou foi um caldeirão, cheinho de piche.
- É a recompensa pelo seu trabalho – disse a senhora Holle, fechando a porta. A preguiçosa voltou para casa, toda coberta de piche. Quando o galo na beirada do poço a viu, começou a cantar:

Coco rocó…
Lá vem nossa menina
E é uma sujeira só…

O piche não saiu de jeito nenhum e ficou grudado nela pelo resto da vida.

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Irmãos Grimm
(versão brasileira)


03/01/2010

A lenda do coração materno


Mostra-nos esta famosa lenda árabe a que extremos pode atingir o amor materno. Encontramos a figura de um filho alucinado que se arrepende de um crime infame que praticou contar a própria mãe.

Terminada a prece de Mogreb e confortados com o sublime pensamento de Deus, voltamos, ao padejar da tarde, para o interior da tenda. Ao cruzar a porta, o homem do turbante parou um instante, sorriu para mim, bateu de leve com a mão na testa e exclamou com certo alvoroço:
- Lembrei-me, agora, meu amigo: Mu-á-ssem! Era assim que se chamava a tal cidade. Era esse o nome que me faltava!
- Mu-á-ssem!
Revesti-me de certo ânimo e arrisquei, cautelosamente, como quem pisa o tapete da incerteza:
- Nada vos impede, agora, á ilustre cheique! de nos contar a história famosa que os árabes, nossos irmãos, intitulam A Lenda do Coração Materno. Estamos todos ansiosos por ouvi-la.
- Sim, sim - aquiesceu o cheique com acentuada bonomia. -Farei, com o maior prazer, a narrativa da lenda que vos interessa.
Entrou, abancou-se no estrado e, voltando-se para o poeta Assad Bittar, dono da tenda, interpelou-o num tom afetado de quem declama:
- Repara, á Caid el-Markhan como vai a claridade pelo deserto e pelo céu. O dia, bem sei, está declinando, O Sol já levou para o oásis recurvo do horizonte a sua caravana infinita de luz. Dize-me: ainda se distingue um fio preto de um fio branco? O que achas, ó poeta?
Assad Bittar enrolou o seu belo rosário de coralinas, ergueu o rosto e, repuxando um dos panos da tenda, olhou para a linha sombria das tamareiras. Fez, a seguir, um gesto vago com a mão esquerda e informou:
- Asseguro-vos, ó preclaríssimo cheique ei -m edhaIt , que nAo émais possível, mesmo com o olhar de lince, dentro da réstia da luz que nos envolve, distinguir-se um fio preto de um fio branco!
Tive a impressão de que as frases de Assad Bittar surgiam com a cadéncia suave de uma deliciosa casida.7
Fez-se silêncio na tenda. A noite fria e veludosa caía triste, tristemente, sobre o deserto. O céu repintava-se de mil e unia estrelas. Os beduínos, que vigiavam os nossos rebanhos, acenderam suas pesadas lanternas; muito ao longe ouvia-se o latir alegre dos cães e o uivar lúgubre de um chacal faminto.
O cheique do turbante verde (chefe dos contadores de histórias) nâo se fez de rogado. Ajeitou a manga da túnica, passou o polegar direito pelo queixo, soltou dois pigarros e, depois de ter proferidoo clássico "Em nome de Allah, Clemente e Misericordioso", assim começou:
- Aquele que desce as encostas agrestes de Bení-Hakaan,8 seguindo a trilha esburacada e incerta das caravanas, encontra um lugarejo, outrora verdejante e alegre, que os árabes denominaram Muássem.
Vivia em Muássem (já lá se vão muitos e muitos anos) uma jovem que se chamava Leilah,0 filha de Zeraik, vendedor de incenso. Direi, ainda, que Leilah era extremamente formosa. (Louvado seja Allah que criou a mulher para encanto de nossa vida!). Seus olhos eram negros e babilônicos; suas faces morenas tinham a maciez de uma pétala de rosa ao abrir da manhã. Leilah, ao sorrir, lembrava uma tâmara muito doce, mais doce, talvez, que as tâmaras eI-hamyra, de Saná". Assad Bittar diria, com certeza: "Ao admirar a beleza de Leilah convenci-me de que Deus, Deus também é poeta!"
Nas tardes de al-junurat, antes da quarta prece, Leilah deixava Muássem, atravessava o ToI, e ia (em companhia de Suraia, sua tia mais velha) até o oásis de Ababi/, onde havia boas fontes, vários bazares com amplo sortimento de sensela, ounah e essências raras.
Foi numa dessas excursões a Ababil que Leilah conheceu o jovem Halim ben-Muhib ben-Dhaoud, El Hadj chamír'7das caravanas que percorriam o Iêmen e levavam peregrinos até à Cidade Santa (Que Allah a glorifique para todos os séculos!)
Cabe-nos contar, ó irmão dos árabes!, que a filha de Zeraik apaixonou-se pelo condutor de caravanas. A sua paixão desconhecia 4 limites até no ilimitado. Não foi menor o amor que Leilah fez nascer no coração de Halim.
Graças à complacência e tolerância da velha Suraia, repetiramse amiudadas vezes os encontros dos dois namorados. Irocaram juras de amor. E este tinha a violência do Ouahed ao varrer, sibilante, os areais do Roba-el-KaIi. Lembram-se? Esse vento tudo parece arrasar.
I-Ialim ben-Muhib reafirmou o seu plano. Iria até Meca levar mais uma caravana de trezentos peregrinos, sendo muitos do Egito e alguns até do Sudão. Compromissos muitos sérios, que datavam do ano anterior, o obrigavam a partir. O seu casamento, com Leilah, sua noiva, ficaria marcado para a primeira semana após seu regresso da Cidade Santa.
Aquela viagem de Halim encheu de inquietação o coração de Leilah. Muitos meses ficaria afastada de seu namorado; ele seria obrigado a percorrer o Fialhi e o FhaUatt22 visitar acampamentos, enfrentar bandoleiros e arriscar a vida. E a possibilidade de outros perigos obscurecia o pensamento de Leilah: o seu noivo, durante a longa jornada, percorreria três ou quatro cidades, populosas, cheias de vida e de alegria. Num desses centros, poderia, o intrépido chamír, encontrar uma jovem de formosura estranha, irresistível, que o seduzisse, que o prendesse para sempre. E ela seria roubada. Perderia o amor de Halim! Desesperava-se Leilah ao imaginar que semelhante desgraça pudesse ocorrer no circulo de sua vida.
O que fazer?
Fez sentir a sua tia Suraia as angústias que a afligiam. Disse-lhe Suraia:
- Em Ababil, para além das ruínas, vive agora um feiticeiro prodigioso. O seu nome é Khabil ben-Rahab. Consta que veio de Loheia, no Tehama. Já ouvi dizer que tem feito verdadeiros milagres. Quem sabe se desse feiticeiro Não poderás obter uma baraki-' ou um remédio capaz de prender, para sempre, o teu namorado? Inch' Allah! Quem sabe?
Aceitou Leilah o alvitre de sua tia. Consultaria o velho feiticeirode Loheia, ouviria, talvez, outros encantadores e adivinhos. Esses homens, malabaristas do mistério, ouvem os djins forjam filtros secretos, conhecem talismãs poderosos com os quais é fácil acorrentar um jovem, seja um prfncipe, um valente chamir ou um mísero caravaneiro.
Para além de Ababil, entre as ruínas de uma antiga fortaleza desmantelada, erguera o velho Khabil ben-Rahab, o bruxo, a sua tenda de mágico e curandeiro.
Leilah, sempre guiada pela leviana Suraia, foi recebida pelo mandigueiro! (Queira Allah esclarecer os que vivem no erro e no pecado!)
Qualquer visitante ficaria impressionado com as horripilantes figuras e estranhos objetos que enchiam a tenda de Khabil: caveiras, corujas empalhadas, ossos de avestruz, peles de cobras, dentes de elefantes, ervas venenosas, velhas clinitarras, colares, escudos e objetos de todas as formas. O falso vidente (e a sua voz era vincada de hipocrisia) inquinu:
- O que desejas de mim, formosa menina? Nada mais sou do que um servo entre os teus servos!
Leilah ergueu o véu e circunvagou os olhos pelo interior da tenda. Sentia-se assustada, apreensiva. Tudo ali parecia encantaçâo e esconjuro. Surala, fraca e supersticiosa, não se animou a entrar e permaneceu fora, na sombra da velha muralha. Khabil, o feiticeiro, puxou por um pequeno tamborete e disse à jovem:
- Senta-te aqui, minha filha! senta-te. Fala. Leio a afliçáo em teus olhos. Como poderei ajudar-te?
Cheia de ilusões, a ingênua menina, em voz branda, quase sumida, contou ao infame impostor todo o seu romance de amor. Falou, entre suspiros, da intranqúilidade em que vivia, pois o seu noivo ia viajar peles caminhos de Allah. Demoraria em muitas cidades. Seria assediado por muitas mulheres. E as flechas da seduçáo cairiam sobre ele. Como poderia ela obter um meio certo, seguro, infalível de prender para sempre o amor de seu amado?
- E qual é o nome desse jovem tâo venturoso? - indagou o velho intrujâo.
-Chama-se Halim, é o chanilrda caravana!
- Ah! Ah! Ah! riu o miserável, esfregando as mãos. - Ah! Ah!Ah!
Aquela intempestiva casquinada de riso assustou Leilah. Seu corpo tremia; seu rosto cobriu-se como véu da palidez.
Acudiu o hediondo bruxo, com falsas palavras e desatada hipocrisia, tentando tranqúilizá-la:
- Não te assustes, minha filha, nâo te assustes! Estou rindo, menina, por tua causa; infundados sâo os teus ciúmes e os teus receios. Conheço o teu namorado. Revelo o seu nome por extenso: é o valente chamir El-Hadj Halimben-Muhib ben-flhaoud. E meu amigo. Tudo terminará bem.
Cada palavra do sacripanta trazia o veneno da mentira. O seu envilecido coração enchera-se de ódio ao ouvir o nome de Halim, que ele sabia ser filho de lasmina. Lembrou-se do tempo em que era moço, quando vivia em Loheia. Conhecera a delicada lasmina, filha de um tecelão. Enamorou-se loucamente dela. Procurou-a. Pediu-a três vezes em casamento. Implorou. Humilhou-se. Mas lasmina três vezes o repeliu, para, mais tarde, casar-se com Huhib ben-Dahoud, o peroleiro. E o miserável, ao relembrar fatos perdidos no passado, sentia-se invadido por ondas de furor. Mas chegara, afinal, o momento da vingança, que ele, o noivo repudiado, espumante de cólera, durante 32 anos, acalentara em seu denegrido coraçâo. Huhib ben-Dahoud, o peroleiro, já havia morrido. Mas Iasrnina vivia. E, agora, a namorada de Halim, o filho dileto de Iasmina, vinha procurálo. "Pela desgraça que pesou na minha vida - refletia o sacripanta -vais ter, agora, a minha vingança escrita em sangue na areia clara do teu destino!'
Dominou-se, afinal; fingiu que meditava: com a ponta do dedo riscou figuras cabalfsticas no chão; levantou-se e tomando em uma das mãos cinco pedrinhas de várias cores (depois de fazer com que Leilah as beijasse uma a uma) atirou-as ao acaso, sobre as figuras por ele traçadas. Permaneceu, ainda, calado durante algum tempo, refletindo, fingindo que decifrava um sortilégio qualquer. Era glacial a placidez de seu semblante. E disse, afinal, aflautando a voz, com ar compungido:
- Infelizmente, menina, as pedras do teu Destino, atiradas por mim sobre o signo de Salomão, revelaram algo muito grave. Deploro ver-me obrigado a dizer-te a verdade. A sombra de terrível desgraça paira sobre tua cabeça. Vais perder o teu noivo!
- Vou perdê-lo?
- Sim, vais perdê-lo! - confirmou o intrujão com gravidade. -Ao passar com seus caravaneiros por Medina, ele ficará enfeitiçado por uma jovem chamada Jamile e esquecerá, para sempre, a sua noiva de Muássem.
Fez, neste ponto, uma pausa muito rápida e falou novamente:
- Há, porém, um meio de se evitar essa desgraça.
- O que deverei fazer? - indagou a jovem com a voz abafada e com um leve tremor nos lábios. Respondeu o embusteiro, iluminado por satânico pensamento:
- Estás vendo a pedrinha vermelha, junto á terceira ponta desta estrela? A tua felicidade é indicada claramente por essa pedrinha. Cumpre que exijas de teu namorado (antes que ele parta para Meca) o seguinte: Halim deverá trazer-te o coraçâo de sua própria Mãe!
-O coração de sua Mãe! - repetiu Leilah horrorizada com a revelação do impostor. - Mas isso é um crime. Isso é uma infâmia!
Os olhos negros de Leilah apareciam rorejados de lágrimas.
O bruxo procurou convencer a jovem:
- Não há crime, nem infâmia, quando está em jogo a felicidade de uma noiva apaixonada! tasmina, a mãe de Halim, já se arrasta velhinha e poucos anos permanecerá nesta vida. E tu, minha filha, noiva dileta, tens um futuro imenso diante de ti. E o que chamamos, dentro da magia, um ato sacrificatório. E não vejo, na Linha Sagrada das Cinco Pedras, outra solução para o teu caso. Ou cumpres o que disse, ou perderás, para sempre, o amor de Halim!
E notando que a jovem o fitava estarrecida, olhos muito aberros, cheios de interrogaçôes, o cínico feiticeiro continuou, dando àVOZ, cava e misteriosa, uma inflexão carinhosa:
- Leva este frasco. Contém um filtro milagroso por mim preparado. Dá ao teu noivo algumas gotas desse filtro. E ele ficará meigo, terno, cada vez mais apaixonado por ti, e procurará cumprir Lodos os teus caprichos.
E depositou na mão de Leilah um ftasco escuro que tinha suco de Erva Ma/dita, a erva que obscurece a razão, causa vertigem e que leva o homem aos extremos da loucura.
Tudo se passou de acordo com o plano hediondo imaginado pelo perverso makrouniembusteiro. (Que Cheitá, o Maldito, o castigue!). Leilah fez com que o noivo ingerisse o suco da Erva Maldita e, quando Halim já se achava dominado pela ação da peçonha, disselhe arrebatada:
Queres que eú te ame para o resto da vida? Queres que eu consagre toda a minha existência a ti, somente a ti? Traze-me o coraçâo de tua Mãe!
- Mas, querida... - balbuciou, alucinado, em tom de súplica.
- Que idéia é essa? Que estás pedindo? O coração de minha Mãe?
- Sim - confirmou Leilab em tom rompante - quero o coraçào de tua Mãe!
E impeliu-o suavemente para a estrada. Ela bem sabia que a bondosa Jasmina, mãe de Halim, encontrava-se num oásis próximo, na casa do ben-Dahoud.
O jovem Halim, sob a ação da Erva Maldita, praticou o crime abominável. Arrancou com o punhal o coração de sua Mãe e, tomando-o na mão, partiu a correr pela estrada.
Estranho impulso forçava-o a voltar, o mais depressa possível, para a casa de Leilah, sua noiva. Lá chegando ele diria com sobrancena:
- Aqui está, querida. Pediste o coração de minha Mãe? Ei-lo vivo, sangrando!
O dia vinha nascendo. Os primeiros clarões do Sol iluminavam, ao longe, as tamareiras de Muássem.
E Halim, quando entrou pela estrada que contornava o Tol, levando na mão esquerda o coração materno, tão desorientado se achava que tropeçou nos pedregulhos e caiu.
A queda foi violenta. Halim ergueu-se com dificuldade, gemendo, e levou a mão ao joelho em sangue. Sentia dor intensa pelo corpo.
Ouviu, então, bem perto, uma voz muito meiga, terna, que o interpelava com extrema solicitude:
- Estás ferido, meu filho?
Tomado de verdadeiro pavor, o matricida olhou alucinado para a sua mão, para a sua mão esquerda. Ele bem percebera. A voz viera dali, viera do coração! Do coração de sua mãe!
Aquelas palavras de desvelo, de ternura, foram palavras de sua Mãe, daquela Mãe dedicada, que mesmo depois de apunhala da, mutilada, ainda se interessava, vigilante, por ele, ainda sofria por ele...
- Estás ferido, meu filho?
O veneno da Erva Maldita, naquele instante, deixou de atuar sobre o seu cérebro. Halim caiu na triste realidade e percebeu a extensão infinita do crime ignominioso que cometera. Assassinara sua Mãe, a sua maior amiga, o maior amor de sua vida, para atender a um capricho louco de sua namorada! Ele era um infame; um celerado; um facínora perverso!
Levou aos lábios o coração materno, beijou-o levemente e murmurou:
- Perdoa, Mãe querida! Perdoa o teu filho! Teu desventurado filho estava louco, sob a ação de um veneno, embrutecido pela paixâo, e não sabia o que fazia! Perdoa, Mãe querida.

Lenda árabe