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30/06/2009

A velhinha e a cabaça



Era uma vez uma velhinha que vivia sozinha numa pequena casa junto a um bosque onde ela gostava muito de passear.
Um dia quando ia para o casamento da sua filha teve que atravessar todo o bosque a pé.
Ia ela a apreciar o passeio quando encontrou uma raposa, que lhe disse:
– Vou-te comer velhinha
– Não faças isso agora – respondeu a velhinha – é que eu vou ao casamento da minha filha, quando voltar venho mais gordinha.
E a raposa deixou-a continuar o seu caminho.
Um pouco mais à frente encontrou um grande lobo.
– Não passas aqui sem que eu te coma – disse o lobo.
A velhinha respondeu:
– Agora não, eu vou ao casamento da minha filha e vou voltar mais gordinha.
E o lobo também a deixou ir embora.
No casamento da filha a velhinha divertiu-se muito e comeu muito também.
Quando já estava para ir embora e voltar para casa, lembrou-se do lobo e da raposa que estavam à espera dela. Então contou a história à filha e ficaram as duas a pensar numa forma para a velhinha voltar para casa sem ser vista.
Foram então à procura de alguma coisa onde a velhinha se pudesse esconder, experimentaram vários objectos, panelas, barris, e então encontraram uma grande cabaça onde ela cabia e conseguia espreitar para poder ver.
No caminho de volta para casa a velhinha ia rodando a cabaça.
Quando passou pelo lobo eu perguntou:
– Viste por ai uma velhinha?
– Nem velhinha nem velhão, roda cabacinha, roda cabação – respondeu-lhe a velhinha.
E continuo o seu caminho escondida dentro da cabaça.
Já ia um pouco mais descansada por ter conseguido enganar o lobo, quando a raposa se pôs no seu caminho.
– Viste por ai uma velhinha? – perguntou-lhe a raposa.
A velhinha respondeu:
– Nem velhinha nem velhão, roda cabacinha, roda cabação
Pouco depois chegou a casa em segurança, bateu com a cabaça numa grande pedra que estava perto da porta e saiu de lá de dentro.
A velhinha continuo a dar os seus passeios, mas noutro sítio do bosque para não se cruzar novamente com o lobo e a raposa e eles ainda hoje continuam à espera que a velhinha volte do casamento da filha.


29/06/2009

Os Três Amigos

Era uma vez três amigos que decidiram ir viajar pelo seu país fora, como na época em que esta história se passa não existiam carros tiveram que viajar a pé e durante vários dias.
O grupo de amigos era o seguinte, O Cacheira de Ferro, o mais inteligente e líder do grupo a alcunha é esta porque para qualquer lugar que ele vá leva sempre a sua cacheira, o Arranca Pinheiros, o mais forte, é lenhador tal como o seu pai dai a alcunha, e o Leite de Burra o mais fraquito do grupo que tem esta alcunha pois quando ele nasceu a mãe não tinha leite para o amamentar e tinha que lhe dar o leite que uma burra que a família tinha.
Num desses dias enquanto visitavam uma pequena aldeia decidiram ficar por lá durante alguns dias para a poderem conhecer melhor e visitar tudo o que tivesse algum interesse.
Perguntaram a um homem que encontraram no caminho se conhecia alguma casa que eles pudessem alugar para passar uns dias por lá.
O homem disse que tinha uma casa que lhes podia alugar, mas que estava assombrada.
Eles aceitaram, o Cacheira de Ferro disse que não havia problema nenhum com a assombração, que essas coisas não existem, o Arranca Pinheiros disse que eles não tinham medo e que se essa tal assombração aparecesse que ele estava lá para defender o grupo, já o Leite de Burra estava cheio de medo.
No primeiro dia em que ficaram na casa assombrada decidiram que o Leite de Burra ficava lá a cozinhar enquanto os outros dois iam dar uma volta pela terra e nos outros dias iam trocando que ficaria em casa.
Estava o Leite de Burra a fazer a sopa quando ouviu um barulho:
– Ai que eu caio, Ai que eu caio – Dizia uma voz vinda da chaminé.
Ele lembrou-se logo da assombração e disse muito assustado:
– Cai, mas não caias em cima da sopa.
Mas a assombração caiu e entornou a sopa toda, o Leite de Burra ficou ainda mais assustado e quando os dois amigos regressaram contou-lhe a história ainda a tremer.
Então no dia seguinte decidiram que quem ficavam em casa era o Arranca Pinheiros.
Estava ele a tratar do jantar quando ouviu um barulho:
– Ai que eu caio, Ai que eu caio – Dizia uma voz vinda da chaminé.
Confiante na sua força disse:
– Cai lá para veres o que te acontece.
Mais uma vez a assombração caiu e entornou toda a comida que ele tinha preparado para ele e os seus companheiros de viagem.
Quando os outros voltaram do passeio desse dia, estava o Arranca Pinheiros ainda a limpar a cozinha, contou-lhes o que se tinha passado e o Leite de Burra disse:
– Estão a ver! É melhor irmos embora desta terra e continuarmos a nossa viagem.
Mas o Cacheira de Ferro, que não é de ficar com medo, disse:
– Nem pensar! Amanhã fico cá eu e vamos ver se desta vez jantarmos!
Os outros, que estavam ainda meio amedrontados, disseram:
– Mas tem cuidado, esta assombração é mesmo perigosa.
– Não se preocupem – Disse o Cacheira de Ferro – Fico aqui bem protegido pela minha cacheira que já me ajudou muitas vezes.
No dia seguinte, estava o Cacheira de Ferro a preparar o jantar e lá voltou a voz da chaminé:
– Ai que eu caio, Ai que eu caio.
Ao que ele respondeu:
– Cai lá.
Quando a assombração caiu, o Cacheira de Ferro deu-lhe uma forte cacheirada que deixou a assombração ferida.
Quando os amigos voltaram do passeio ele contou-lhes o que se tinha passado e decidiram seguir o rasto que a assombração tinha deixado, pois estava ferida.
O rasto terminava num poço, que por ser de noite, eles não conseguiam ver o fundo. Foram ter com o dono da casa e pediram-lhe uma corda e uma sineta.
Quando voltaram para junto do poço o Cacheira de Ferro disse:
– Vamos lá ver que tipo de assombração é esta que fica ferida e foge para dentro de um poço. Leite de Burra, como és o mais levezinho és o primeiro a descer ao poço, quando estiveres com medo toca a sineta.
– Eu?! – Disse ele – Mas eu já estou com medo.
– Vá deixa-te disso – Disseram ou outros – Estamos aqui para te ajudar.
– Está bem – e atou a corda à cintura e começaram a desce-lo lentamente.
Pouco tempo depois começou a tocar a sineta, os outros puxaram-no rapidamente para cima.
– Então o que viste? – perguntou curioso o Cacheira de Ferro
– Nada, só moscas e mosquitos – respondeu o Leite de Burra
– Agora vou lá eu ver – disse o Arranca Pinheiros enquanto atava a corda à cintura.
Começaram a desce-lo e pouco tempo depois começou também ele a tocar a sineta, puxaram-no rapidamente para cima.
– Então? – perguntaram o Cacheira de Ferro e o Leite de Burra
– Nada, só moscas e mosquitos – respondeu ele.
Mais uma vez o Cacheira de Ferro, não desistiu e foi ele ver o que teria aquele poço.
Começaram a desce-lo e passados alguns metros, as moscas e mosquitos tinham desaparecido e ele conseguia ver agora um grande palácio.
Quando chegou ao fundo foi andando até à porta do palácio, foi então que viu uma linda princesa à janela, tão linda que ficou logo apaixonado.
– Ora viva bela princesa – disse ele para chama à atenção.
– Que fazes tu aqui? – disse ela com espanto.
– Vim pedi-la em casamento, pois assim que a vi fiquei completamente apaixonado.
– É melhor ires já embora antes que o grande guardião do palácio do poço aqui chega, senão, vais ter que lutar com ele.
– Não tenho medo, com a minha cacheira já derrotei muitos guardiões.
– Mas nesta luta não poderás usar a tua cacheira, será uma luta com espadas. Deves escolher a mais feia e ferrugenta já que é a única espada boa.
Ainda estavam eles a conversar quando chegou o grande guardião, quando o Cacheira de Ferro olhou para ele reconheceu-o logo.
– Então eras tu que nos andavas a assustar! Não existe nenhuma assombração.
– Queira que fossem embora para não nos chatearem, assim que o Joaquim vos alugou a casa fui lá para ver se vos mandava embora, mas já vi que não consegui, por isso vais ter que lutar comigo. Escolhe a tua espada.
– Quero a ferrugenta.
– O quê? Queres a ferrugenta, tens esta aqui limpinha e brilhante e escolhes a ferrugenta, queres perder a luta?
– Sim, quero a ferrugenta – Insistiu ele.
Começou então a luta, como o Cacheira de Ferro tinha a melhor espada conseguiu rapidamente derrotar o grande guardião. Quando a luta terminou a princesa saiu do palácio e correu para os braços do Cacheira de Ferro.
– És muito corajoso e aceito o teu pedido de casamento, graças a ti já não sou prisioneira deste terrível guardião, que não me deixava sair do palácio para nada.
Marcaram então o casamento para esse mesmo dia, a princesa mostrou ao Cacheira de Ferro a entrada secreta para o poço, ele foi lá a cima chamar os seus amigos para festa.
Desde esse dia nesta aldeia nunca mais se ouviu falar de assombrações, e no poço como estavam todos muitos felizes não se sabe se ainda lá estão hoje, pois todos os que tentaram entrar no poço só viram moscas e mosquitos.
Quem sabe se um dia alguém verá o palácio com a princesa, o Cacheira de Ferro e os seus grande amigos, Arranca Pinheiros e Leite de Burra.




O Pintainho Garnizé e o Pucarinho de Ouro



Era uma vez um pequeno pintainho chamado Garnizé vivia numa quinta com a sua mãe, a galinha Pintada.
Um dia quando estava a depenicar na terra encontrou um pucarinho de ouro e foi logo a correr entregá–lo à mãe, para ela o colocar na sala a enfeitar.
O Rei do País onde vivia o pintainho Garnizé, num dos seus passeios pelo reino passou perto da quinta, e como estava muito cansado, decidiu pedir água à mãe do pintainho Garnizé.
O melhor copo que a galinha Pintada tinha para dar água ao Rei era o que o filho tinha encontrado. O Rei ao ver que era de ouro decidiu ficar com ele.
Quando voltou para casa, depois de mais um dia de brincadeiras com os seus amigos, o pintainho Garnizé viu que o pucarinho de ouro já não estava na sala. Então a mãe contou–lhe que o Rei o tinha levado para o palácio. O pintainho Garnizé ficou muito chateado e decidiu que no dia seguinte, iria ao palácio do Rei para que ele lhe devolvesse o seu pucarinho.
No dia seguinte, pegou na sua sacola mágica e saiu em direcção ao palácio do Rei.
No caminho para o palácio encontrou duas grandes pedras que estavam a chocar uma com a outra.
As pedras disseram–lhe:
– Pintainho Garnizé passas por aqui e esmagamos–te.
– Não façam isso – respondeu–lhes pintainho – eu vou ao palácio do Rei buscar o pucarinho de ouro que ele me roubou, se quiserem vir comigo entrem para dentro da minha sacola mágica, pode ser que ainda me venham a dar uma ajuda.
E as pedras entraram para dento da sacola e continuaram a viagem com o Pintainho.
Um pouco mais à frente estava uma raposa que lhe disse:
– Pintainho Garnizé passas por aqui e eu como–te.
E o Pintainho, um pouco assustado, respondeu–lhe:
– Não faças isso, eu vou ao palácio do Rei buscar o pucarinho de ouro que ele me roubou, se quiseres vir comigo entra para dentro da minha sacola mágica, pode ser que ainda me venhas a dar uma ajuda.
E a raposa entrou para a sacola e continuou a viagem com o Pintainho, e as pedras.
Ainda não tinha andado muito desde que encontrou a raposa, o Pintainho Garnizé deu de caras com uma família de toupeiras que lhe tinham bloqueado o caminho.
– Pintainho Garnizé passa por aqui e roemos–te as patas.
E o Pintainho, aos saltos, disse–lhes:
– Não façam isso, eu vou ao palácio do Rei buscar o pucarinho de ouro que ele me roubou, se quiserem vir comigo entrem para dentro da minha sacola mágica, pode ser que ainda me venham a dar uma ajuda.
E as toupeiras entram para a sacola e continuaram a viagem com o Pintainho, as pedras, e a raposa.
Já não faltava muito para chegar ao palácio do Rei quando o pintainho Garnizé se cruzou com o grande lobo da floresta, que lhe disse.
– Pintainho Garnizé, hoje não me escapas.
– Hoje não, por favor… – disse o Pintainho – eu vou ao palácio do Rei buscar o pucarinho de ouro que ele me roubou, se quiseres vir comigo entra para dentro da minha sacola mágica, pode ser que ainda me venhas a dar uma ajuda.
E então o lobo entrou para a sacola e continuou a viagem com o Pintainho, as pedras, a raposa e as toupeiras.
Quando, ao longe, já se via o palácio do Rei, o Pintainho ao atravessar o rio ouvi–o dizer:
– Pintainho Garnizé se passas por aqui levo–te na corrente até ao mar.
O Pintainho deu alguns passos para trás e respondeu–lhe:
– Não faças isso, eu vou ao palácio do Rei buscar o pucarinho de ouro que ele me roubou, se quiseres vir comigo entra para dentro da minha sacola mágica, pode ser que ainda me venhas a dar uma ajuda.
O rio entrou e continuou a viagem com o Pintainho, as pedras, a raposa, as toupeiras e lobo.
Quando chegou ao palácio pediu para falar com o Rei, mas como ele já esperava, disseram–lhe que o Rei estava muito ocupado e não o podia receber. O pintainho ficou muito chateado e enquanto andava de um lado para outro no jardim do palácio lembrou–se da sua sacola mágica, e então disse:
– Que saíam as toupeiras e estraguem o jardim do palácio.
Então a família de toupeiras saiu e ao ver o tamanho do jardim agradeceram ao Pintainho por as ter levado para um sítio como aquele.
Pouco tempo depois já as toupeiras tinham escavado vários túneis no jardim, que transformaram na sua nova casa.
Quando viu que as flores, e a relva estavam estragadas o pintainho começou a gritar:
– Qui…cri…qui…qui… venham cá ver o que eu fiz… venham cá ver o que eu fiz…
Os criados do Rei foram avisa-lo do que o Pintainho tinha feito, então o Rei mandou coloca-lo na capoeira, e as galinhas, como não o conheciam, iam picar-lhe e ele pediria para ir embora.
Quando já estava dentro da capoeira o pintainho pediu:
– Que saía a raposa e coma as galinhas.
Quando a raposa saiu e viu tantas galinhas disse logo:
– Ainda bem que não te comi pintainho, e obrigado por me teres trazido para esta capoeira, não me vou esquecer de ti.
Pouco tempo depois já a raposa tinha comido a maior parte das galinhas e então mais uma vez o pintainho Garnizé pôs–se a gritar:
– Qui…cri…qui…qui… venham cá ver o que eu fiz… venham cá ver o que eu fiz…
O Rei que já começava a ficar zangado, mandou que os criados o colocassem dentro do maior pote de azeite.
Como os potes de azeite do palácio eram feitos de barro, o pintainho Garnizé pediu:
– Que saíam as pedras e partam o pote.
Assim que as pedras começaram a chocar uma com a outra e também com o pote, este partiu–se em muitos bocados e o pintainho conseguiu sair de lá.
As pedras ficaram tão contentes de terem feito aquilo que foram a rir às gargalhadas até ao local onde estavam antes.
Mas no palácio do Rei já se ouvia:
– Qui…cri…qui…qui… venham cá ver o que eu fiz… venham cá ver o que eu fiz… – era o pintainho Garnizé a chamar os criados do Rei.
Muito surpreendidos, os criados, foram dar a notícia ao Rei, que desta vez ficou mais chateado e mandou–o para a cavalariça e os cavalos iriam pisar o intruso.
Nas cavalariças o pintainho disse:
– Que saía o lobo e morda os cavalos.
Não demorou muito para que o lobo já tivesse mordido as patas aos cavalos. Mas antes de se ir embora ainda disse ao pintainho:
– Já podes ir para a floresta à vontade que eu já não te faço mal.
– Qui…cri…qui…qui… venham cá ver o que eu fiz… venham cá ver o que eu fiz… – começou mais uma vez o pintainho.
Desta vez os criados do rei não queriam acreditar no que estavam a ver, o rei ficou fulo e então ordenou, ponham esse pintainho no forno do pão, e quero ver como é que ele se safa desta.
Quando já estava a ficar muito quente dentro do forno o pintainho disse mais uma vez:
– Que saía o rio e apague o forno.
A quantidade de água foi tanta que inundou grande parte do palácio.
E mal o pintainho começou «Qui…cri…qui…qui… venham cá ver o que eu fiz… venham cá ver o que eu fiz…» já os criados do Rei traziam o pucarinho de ouro que o Rei mandou devolver–lhe.
Assim o entregaram o pintainho Garnizé disse–lhes:
– Só vim buscar o que é meu, o Rei roubou–mo, espero que ele não volte a roubar mais nada a ninguém.
O pintainho Garnizé voltou muito feliz para casa.
A mãe dele, a galinha Pintada, voltou a colocar o pucarinho na sala e nunca mais o utilizou para dar água a ninguém.


28/06/2009

A lenda de Tir Na nOg

A lenda de Tir Na nOg, relata uma história conhecida de todos os que se interessam por mitologia e lendas do passado e não são poucos os que desejariam haver um fundo de verdade na existência desta terra mágica. A busca da eterna juventude sempre foi algo que o Homem perseguiu ao longo dos tempos e lendas como esta continuam a inspirá-lo nessa busca.
Tir Na nOg era uma terra encantada, onde vivia um povo de enorme beleza, os Tuatha De Danann. De acordo com a mitologia Celta, os Tuatha De Danann pertenciam à última geração de deuses que reinavam na Irlanda e eram possuidores de grande poder mágico, como de grande habilidade em todas as artes.
Depois de terem sido derrotados em batalha, foi lhes oferecido o subsolo da Irlanda para viverem. Eventualmente alguns terão aceitado, dando origem aos elementais da terra, mas outros terão viajado para Tir Na nOg onde se terão estabelecido.
A história de Tir Na nOg está intimamente ligada à história de Oisin, um dos maiores, heróis e poetas, da antiga Irlanda. Oisin era filho de Fionn MacCumhail e tornou-se membro do lendário grupo de heróis chamado de Fianna. Os Fianna possuíam grande coragem, força e destreza, tanto para as artes de guerra como para simples caça. Viviam também sob um código moral de valores muito elevados.
Um dia, estavam os Fianna à caça, quando foram abordados por uma mulher de enorme beleza que montava um cavalo branco de imponente porte.
Inquirida por Fionn sobre quem era, de onde vinha e o que queria daquelas paragens, apresentou-se como Niamh do Cabelo Dourado, uma Tuatha De Danann e filha de Manannan, deus do mar e rei de Tir Na nOg e que tinha vindo até terras da Irlanda para encontrar o grande herói e poeta de nome Oisin, homem que ela tinha escolhido para esposo.
Até aquele momento, Oisin não tinha conseguido sair do transe que a beleza daquela mulher o tinha colocado, mas ao ouvir o seu nome pareceu despertar.
Aproximando-se dela, perguntou-lhe que tipo de terra era Tir Na nOg.
Niamh descreveu a sua terra como uma terra encantada, onde ninguém envelhecia ou adoecia, uma terra onde todos os desejos se realizavam.
Sem hesitar, Oisin despediu-se do pai e dos amigos e pulou para a garupa do cavalo da sua amada Niamh. Num último aceno, prometeu voltar um dia.
Os Fianna viram com assombro aquele cavalo galopar sobre as ondas em direcção Oeste, levando consigo o seu heróis Oisin. Fionn sossegou-se, lembrando que Oisin tinha prometido voltar.
Como ninguém adoecia ou envelhecia em Tir Na nOg, Oisin passou lá 300 anos sem que tivesse sentido o passar do tempo. Ele e a sua amada Niamh tinham um vida perfeita, toda ela cheia de amor e felicidade.Mas nem aquela terra encantada poderia banir dele as memórias do passado e começou a sentir enormes saudades, da sua terra, do seu pai e dos seus amigos.
Niamh entendeu esta necessidade de voltar à terra dos mortais e cedeu-lhe um cavalo mágico para que ele pudesse matar as saudades que sentia. No entanto avisou-o de que em momento algum poderia pisar o solo que o tinha visto nascer. Se o fizesse, ele nunca poderia voltar a Tir Na nOg.
Oisin chegou à sua Irlanda para constatar que tinham passado 300 anos e que Fionn e os seus homens há muito que tinha morrido, sendo agora alimento para muitas das lendas e canções que fervilhavam por aquela terra.
Não encontrando o que procurava, Oisin decidiu voltar para Tir Na nOg e para os braços da sua amada Niamh.
No caminho de regresso, deparou-se com alguns homens tentando mover uma enorme e pesada rocha e inclinou-se no cavalo para os ajudar. Foi quando a tragédia aconteceu. Escorregou da sela e caiu em terra mortal, transformando-se de imediato num homem muito velho e cego.
Durante muitos anos, Oisin percorreu as terras da Irlanda até que um dia encontrou S.Patrício que o levou para casa e o tentou converter ao Cristianismo. Oisin falou-lhe sobre os Fianna, sobre os guerreiros da antiga Irlanda e sobre Tir Na nOg.
Oisin morreu logo depois, sem nunca ter voltado a ver Tir Na nOg, nem a sua Niamh e sem nunca saber que para o não prender, Niamh não lhe tinha contado que iria ser pai.
Assim termina a história de Tir Na nOg, ensinando-nos que a eterna juventude á coisa para fadas e não para mortais, mas isso nunca nos impedirá de sonhar.


O Rapto de Ganímedes


[Amantes+-+Rapto+Ganimedes+Rubens.jpg]


Um jovem quando muito belo, despertava a paixão e o desejo de homens maduros. Ser raptado por um homem mais velho era comum em sociedades como a cretense, sendo autorizado pela lei, estabelecendo um prazo de convivência entre raptor e raptado, que cessava com a volta do jovem trazendo presentes que a lei da cidade especificava, como um boi para ser sacrificado a Zeus, em uma festa que o jovem dava, declarando publicamente se havia concordado ou não com o rapto e com o relacionamento que estabelecera com o amante. Se ao ser raptado, o jovem noivo não concordasse com o amante, ele poderia, no momento do sacrifício do boi e da festa, exigir uma reparação e desligar-se da relação. Dificilmente este fato acontecia, visto que era uma desgraça social um jovem bonito e de família abastada não possuir amante em conseqüência da sua má conduta para com quem o raptasse. Os que eram raptados tornavam-se companheiros dos seus amantes, usufruindo privilégios especiais, como usar roupas da melhor qualidade; ocupar os lugares de honra nas corridas e danças, indicando que eram especiais para os seus amantes.
A lenda do rapto de Ganímedes por Zeus, o senhor do Olimpo, legitimava o ato de raptar adolescentes, dando ao costume a ritualização religiosa necessária. Zeus, pai absoluto dos deuses e dos heróis, tem as suas lendas voltadas para os amores impetuosos que sempre teve e que o levaram a raptar e amar diversas mulheres, com as quais sempre teve filhos. Para que as suas conquistas não fossem descobertas por sua colérica e ciumenta esposa Hera (Juno), Zeus usava os mais complexos disfarces para atrair as amantes: metamorfoseou-se de touro para atrair Europa ou de Cisne para amar a bela Leda. Fugindo da função dos amores fugazes e procriadores, surge a lenda de Ganímedes, um príncipe troiano que arrebatou o coração do mais poderoso dos deuses do Olimpo, fazendo-o por um momento, amante do amor que sublimava o belo, esquecendo-se da função milenar da procriação.
Ganímedes era um príncipe troiano, que, ao despertar a puberdade no corpo e na alma, trazia uma beleza rara. Seus traços de homem-menino reluziam pelos campos aos arredores da cidade de Tróia, onde cuidava dos rebanhos do pai. Foi numa tarde de primavera, que a beleza maliciosa de Ganímedes chamou a atenção de Zeus. O senhor do Olimpo, ao avistar beleza tão sublime, foi fulminado pela paixão. Impossível resistir à graciosidade do rapaz, ao rosto ainda imberbe, a transitar entre a juventude e à idade viril. Enlouquecido pelo desejo e pela paixão, Zeus transformou-se em um águia, indo pousar junto ao jovem. Encantado pela beleza onipotente da ave, Ganímedes aproxima-se, acariciando-lhe a plumagem. Imediatamente Zeus envolve o rapaz, tomando-o pelas garras, levando-o consigo para as alturas. Cego de paixão, o senhor do Olimpo possui o jovem ali mesmo, em pleno vôo. Ganímedes após ter sido ludicamente amado por Zeus, foi levado para o Olimpo.
Ao contrário das lendas das amantes de Zeus, que após o idílio do amor, eram perseguidas pelos ciúmes de Hera ou pela ira dos pais, sofrendo até o momento do parto do filho do deus, Ganímedes, apesar da fúria de Hera, chega ao Olimpo intacto, onde é recebido com honras, assumindo o posto privilegiado de servir o néctar da imortalidade aos deuses, substituindo Hebe na função. Após servir aos deuses, Ganímedes derramava os restos sobre a terra, servindo também aos homens.



A lenda legitima os privilégios que os jovens raptados tinham ao lado dos amantes. Evita-se o castigo, comum às amantes de Zeus, mostrando que o amor de um homem mais velho com um jovem era lícito, puro e honroso. Ganímedes é hoje um dos satélites do planeta Júpiter, uma homenagem ao mito.

Adónis e as anémonas

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Lendas+e+Flores+<span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_0">Adonis</span>[1].<span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_1">jpg</span> (<span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_2">image</span>)
Lendas+e+Flores+Adonis[1].jpg (image)

Cíniras, rei de Chipre, filho de Apolo, é um soberano amante da arte e o criador de vários instrumentos musicais, como a flauta. Após um banquete regado de muito vinho e música, o rei recolheu-se nos seus aposentos, totalmente embriagado. A filha Mirra, que nutria uma paixão pelo próprio pai, aproveita da sua embriaguez para viver este amor, deitando-se no leito do pai e com ele tendo uma noite de amor. No dia seguinte, já sóbrio, o rei percebe o ardil. Enfurecido tenta matar a filha, que foge para os bosques. É nos bosques que Mirra irá dar à luz àquele que se tornaria o homem mais belo de toda a Grécia, Adónis, filho incestuoso do amor que sentia pelo próprio pai.
Adónis é de uma beleza perfeita. Tão perfeita que atrai para si a paixão de Afrodite, a deusa do amor e da beleza. Nos braços do amante mortal, Afrodite vive dias de intensa e feliz paixão, despertando a fúria do seu amante, o deus Ares, senhor da guerra e da discórdia. Preterido pelo amor de um mortal, o deus vinga-se da amante, quando Adónis participa de uma caçada de javalis. Ares envia um javali enfurecido que ataca o jovem, ferindo-o mortalmente nas ancas. O sangue de Adónis mancha a erva verde. Afrodite corre em socorro do amante, mas já o encontra dilacerado e morto pelo javali. Do sangue do belo Adónis faz brotar as anémonas, flores brancas e sem cor. A deusa que se tinha ferido ao correr entre as silvas, vê o próprio sangue respingar sobre as anémonas, que se tingem de vermelhas. Da sua dor e do sangue do amado foi feita a anémona, flor da tristeza e do consolo, de raríssima beleza e que floresce e vive por pouco tempo.

O ermitão e o ladrão

Numa ermida morava um virtuoso ermitão, ao qual se chegou um salteador de caminhos, dizendo-lhe:
— Vós rogais a Deus por todos. Rogai-Lhe que me tire deste mau ofício que trago, senão eu vos hei de matar.
Saindo dali, tornava a fazer o mesmo que dantes, e outra vez tornava a vir ao eremita, dizendo:
— Vós não quereis rogar a Deus por mim, pois hei de vos matar.
Tantas vezes fez isto, que uma vez veio decidido a matar o eremita. Diante dessa decisão, o eremita propôs:
— Já que me queres matar, tiremos primeiro ambos uma pedra que tenho sobre minha sepultura. Depois de morto, lançar-me-ás dentro sem muito trabalho.
Ele aceitou, e assim foram ambos erguer a pedra. Porém, enquanto o salteador trabalhava quanto podia para erguê-la, o ermitão trabalhava para que ela não se erguesse. E desta maneira não faziam nenhuma mudança na posição da pedra.
O salteador deu pela coisa, e disse:
— Do modo como vós me ajudais, como posso eu erguê-la? Eu levanto a minha parte, mas vós inutilizais o meu esforço.
Antes que ele prosseguisse, o ermitão explicou:
— E agora vamos ao que nos interessa. Que me adianta rogar a Deus por ti, pedindo-lhe que te tire do pecado e mau ofício que trazes, se tu não te queres tirar e estás muito de propósito perseverando nele?

(recolha de Teófilo Braga)

As três penas



Era uma vez um rei que tinha três filhos. Dois deles eram inteligentes e sensatos, porém o mais novo, era chamado de Simplório ou Bobalhão.
Quando o rei sentiu que estava ficando fraco, começou a pensar em deixar o trono, mas não sabia a qual filho deveria passar a coroa. Pensou muito, chamou os três filhos para junto dele e falou:
- Saiam em viagem e aquele que trouxer o mais lindo Tapete, será meu sucessor. Mas, para que não houvesse discussão entre os três em relação ao caminho a seguir, o rei levou-os para a frente do Castelo, pegou três penas e soprou-as para o ar dizendo:
- Para onde elas voarem, para lá ireis.
A primeira voou para o oeste, a segunda para leste e a terceira caiu no chão perto do mais novo. Assim, um irmão foi para a direita, o outro tomou a esquerda, mas ficaram zombando do mais novo que não poderia ir para lugar nenhum, porque a pena tinha caído no chão e ele teria que ficar ali no mesmo lugar.
Simplório sentou-se no chão, muito triste, mas de repente, ele viu um alçapão e resolveu abri-lo. Quando levantou a tampa ele viu que havia uma escada para baixo. Resolveu descer para ver o que podia encontrar. Lá embaixo, encontrou uma porta, bateu e ouviu uma voz que dizia:
“Donzela menina,
Verde e pequenina.
Pula de cá para lá
Ligeiro vai olhar,
Quem lá na porta está.”
A porta abriu e ele viu uma grande e gorda sapa sentada e rodeada por uma porção de sapinhos pequenos. A gorda sapa perguntou o que ele queria, ele respondeu sem graça:
-Eu gostaria de ter o mais lindo Tapete que exista, para me tornar rei.
Aí a sapa chamou uma sapinha e lhe disse:
“Donzela menina
Verde e pequenina
Pula de cá pra lá
Ligeiro vá buscar
A caixa que lá está.”
A sapinha trouxe a caixa que era bem grande e a sapa gorda abriu-a tirando de dentro dela o mais lindo e fino Tapete que existia na terra e entregou-o ao rapaz. Ele agradeceu e subiu de volta.
Os outros dois irmãos, porém, julgando-se muio sabidos, não procuraram nada. Pegaram, cada um, uma pastora de ovelhas e tiraram sua grossas mantas para levar ao rei e dizer que eram Tapetes.
Quando chegaram, o mais novo estava entrando no Castelo, trazendo o maravilhoso Tapete.
Quando o rei viu o Tapete, admirou-se e disse:
- Por direito e por justiça, o reino deve pertencer a ele, meu caçula.
Na mesma hora os outros dois reclamaram dizendo ser impossível ele se tornar rei. Pediram mais uma tarefa ao pai. Este lhes falou:
- Herdará o meu reino aquele que trouxer o mais belo Anel que existir.
Simplório mais uma vez desceu pela escada do alçapão e contou o que acontecera para a sapa gorda, dizendo o que precisava agora.
A sapa na mesma hora chamou a sapinha e lhes disse a mesma coisa.(repetir verso)
Quando a sapa abriu a caixa, ela tirou o mais lindo Anel que já se viu, cheio de pedras e brilhantes.
Os dois mais velhos mais uma vez não se preocuparam e pegaram pelo caminho aros de uma roda e levaram ao rei.
Quando o mais novo chegou com o maravilhoso Anel, o rei novamente disse que ele seria o novo rei, mas os irmãos não se conformaram e pediram uma última chance.
O rei resolveu conceder o pedido, mas disse que seria a última tarefa, definitivamente. Eles teriam que trazer a mais linda Moça que encontrassem.
Simplório desceu novamente as escadas para falar com a sapa e dizer-lhe que precisava de uma linda Moça.
-Ah, disse a sapa, esta não está à mão assim, de repente, mas vais recebê-la.
Ela deu-lhe um nabo oco, com seis camundongos atrelados nele.
Simplório perguntou a ela o que fazer com isso?
A sapa respondeu:
- Ponha uma das sapinhas pequenas aí dentro.
Ele agarrou uma sapinha e colocou-a dentro do nabo oco. Nem bem ela sentou-se, transformou-se numa lindíssima Moça, o nabo virou uma carruagem e os camundongos lindos cavalos. Ele partiu para casa.
Os dois nem se preocuparam em procurar Moça bonita, levaram as primeiras camponesas que encontraram pelo caminho.
Quando o rei viu as três, nem pensou, decidiu que o reino era do mais novo, por direito e por justiça.
Mais uma vez os dois gritaram que não era possível Simplório ganhar a coroa e exigiram que o reino fosse dado ao que conseguisse que a Moça escolhida saltasse através de um aro que pendia do teto do salão. Eles pensavam que as camponesas iriam conseguir, porque a outra tinha um jeito franzino e fraco.
O rei aprovou a idéia e pediu que as três pulassem. Mas as camponesas eram tão desajeitadas que caíram no chão ao pular e uma quebrou a perna e a outra o braço. A fraquinha pulou então, e atravessou o arco com leveza sem se machucar.
O rei não discutiu mais e deu a coroa para o Simplório. Este, como era muito bom, deixou que os irmãos continuassem a morar no Castelo com suas camponesas, as quais passariam a fazer todo o serviço.
Desta maneira todos ficaram felizes e Simplório mostrou-se um ótimo rei.




Lady Godiva


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Em Coventry vivia-se um tempo difícil. O sol não aquecera os pomares, fazendo com que as azeitonas e as vinhas não produzissem o suficiente para que se fizesse com fartura o azeite e o vinho. A miséria do povo era tão latente quanto à modéstia de jóias que as mulheres da nobreza traziam sobre o corpo, ou as vestes modestas que faziam dos seus habitantes os menos abastados de toda a Inglaterra.
Como se não bastasse a penúria vivida, a insatisfação assolava os habitantes, cada vez mais empobrecidos pelos altos impostos cobrados pelo conde Leofric, senhor absoluto daquele feudo. Grande parte do alimento colhido naquela estação ingrata, saía da boca do povo para que se pagasse os impostos ao nobre senhor. A fome pairava afoita pelas casas, pelos campos, por Coventry.
O conde Leofric era casado com uma das mulheres mais belas de toda a Inglaterra. Lady Godiva era serena, cabelos sedosos, longos e dourados como os raios do sol. Seus olhos eram azuis como o mar, traziam uma expressão de infinito que seduzia ao marido e todos os súditos em volta. Lady Godiva era de uma bondade imensa. Servos e escravos eram tratados por ela com dignidade. Não se furtava da caridade e de ajudar aos desvalidos e desprovidos da grandiosidade da vida e da sua opulência secular.
Um dia, os servos trouxeram diante do conde um camponês que fora apanhado a roubar nabos da horta de Leofric. Levado diante do conde, o infeliz declarou que cometera aquela imprudência extrema por não ter nada para comer, que os últimos grãos que colhera foram usados para pagar os impostos devidos. Que os cinco filhos pequenos choravam de fome, atormentando-o toda a noite. Ao ouvir os relatos do infeliz, Lady Godiva comoveu-se, convenceu o marido a não punir o infeliz, fornecendo ainda, alimentos para os seus filhos. Mesmo irritado, o conde acedeu com a bondade infinita da mulher.
Depois dos acontecimentos, Lady Godiva andou por todos os cantos de Coventry. Montou em seu cavalo, atravessou as muralhas, rondando por toda a parte. Descobriu que a fome assolava o lugar. Que grande parte dos alimentos colhidos iriam para os impostos do conde. Compadecida com o sofrimento daquele povo, Lady Godiva prometeu a si mesma intervir e a ajudá-lo.
Quando retornou ao castelo, encontrou o marido no estábulo, a supervisionar a alimentação das bestas. Lady Godiva desceu do seu cavalo. A respiração arfava de cansaço. Mesmo assim, encontrou forças para contar ao marido da tristeza e miséria que se abatia sobre Coventry. Falou com tanta ênfase que as lágrimas afloraram-lhe os olhos, derramando-se sobre as faces. O conde ouviu a mulher, que lhe implorava para que abaixasse os impostos. Não se deixou comover, mas as lágrimas da esposa, a sua veemência em defender os oprimidos, fizeram com que Leofric tentasse um ardil. Usando da sua inteligência sarcástica, ele esboçou um sorriso irônico e disse à mulher:
-Muito bem, já que insistes tanto na defesa deste povo, comovendo-me com as lágrimas que destroem a cor do céu dos teus olhos, concedo-te o pedido. Mas para que se realize, imponho-te uma condição, que a próxima vez que fores cavalgar, tu o faças sem roupas, completamente nua pelas ruas de Coventry.
-Tenho a tua palavra de que se o fizer, irás cumprir a promessa?
-Minha amada, se cavalgares nua pelas ruas de Coventry, não só abaixarei os impostos, como perdoarei a dívida aos mais necessitados.
-Que assim seja feito.
Leofric sorriu para a mulher. A promessa fora-lhe fácil fazer, difícil seria Lady Godiva cumprir a condição que impusera. Estava confiante de que ela desistiria e, ao sentir-se culpada, deixar-lhe-ia em paz com aquelas lamúrias.
Mas Lady Godiva trazia no coração uma bondade maior do que qualquer moral estabelecida pela mesquinhez dos homens. Lady Godiva mandou que os seus servos avisassem ao povo do seu sacrifício para salvá-los dos impostos e da fome. Pediu que durante a sua cavalgada penitente, todos os moradores deixassem as ruas e que se fechassem em suas casas. Comovido com a grandiosidade de Godiva, o povo de Coventry aceitou atender-lhe o pedido.
Assim, Lady Godiva desafiou a ironia e mesquinhez do marido. Despiu as vestes no estábulo, montou, completamente nua, o seu belo cavalo. Cavalgou por todas as ruas de Coventry de cabeça erguida, sem que ninguém ousasse observá-la. Somente Jack, o moleiro, não resistiu de contemplar tamanha beleza edênica. Contrariando a todos os moradores, abriu uma fresta da janela da sua casa, ao olhar tamanha beleza nua a desfilar pelas ruas, viu uma grande luz sobre os seus olhos, que foram cegados para sempre.
Ao retornar da cavalgada, Lady Godiva encontrou o conde à espera. Comovido, ele vestiu as roupas à mulher, depois se ajoelhou aos seus pés, reafirmando a palavra dada. Levantou-se e beijou a mulher.Leofric retirou os impostos altos dos ombros do seu povo. Naquele ano as colheitas foram abundantes em Coventry. O azeite jorrou nos lagares, o trigo transformou-se em pães quentes sobre as mesas, e o vinho abençoou as refeições. Lady Godiva passou a ser amada pelo seu povo, até mesmo por Jack, o moleiro, que depois da luz da nudez da mulher sobre o cavalo, não viu mais nada na vida.


A Papisa Joana

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No princípio do século IX, os ingleses dirigiram-se às terras da Saxônia, conquistada pelos cristãos, para ali, propagarem a fé da igreja romana. No meio dos propagadores da fé estava um padre inglês, que levava consigo uma jovem de doze anos, grávida. Ele a raptara dos pais e para fugir à desonra do ato, seguira para as terras germânicas. A jovem deu à luz em Mayence, a uma menina que foi chamada de Gerberta.
A menina cresceu, tornando-se uma bela jovem. Aprendera com o pai os estudos seculares, enchendo-se de erudição, surpreendendo a todos os doutores com a sua sabedoria. Gerberta interessava-se pelas ciências, mesmo diante das limitações que se lhe impunham por ser mulher, jamais abandonou o aprendizado. Sua alma intelectual só deu uma trégua quando foi seduzida por um jovem frade da abadia de Fulde. A paixão arrebatou aos dois, fazendo com que se entregassem aos prazeres do amor. O frade, de família inglesa, convenceu a jovem que fugisse com ele. Para acompanhar o amante, Gerberta, que passou a ser chamada de Joana, despiu-se da sua identidade e das raízes, vestindo roupas de homem. Em Fulde, viveu com o amante sob o disfarce, enganando a todos.
Mais tarde, os amantes partiram para a Inglaterra. Apresentada como homem, Joana pôde aprofundar os seus estudos, tornando-se ao lado do amante, os maiores eruditos de toda a Grã-Bretanha.
Joana e o amante viajaram por diversos países, buscando a erudição suprema. Passaram pela França, pela Grécia. Por dez anos os amantes viveram a paixão de forma velada em terras gregas. Um dia, o companheiro de Joana foi vítima de uma doença súbita, que lhe consumiu a vida em poucas horas. Solitária e feita em homem, Joana deixou a Grécia, retirando-se para Roma.
Em Roma Joana foi admitida na academia da cidade para ensinar as sete artes liberais. Atraiu para si as honras de monges, padres, ricos senhores feudais e doutores, tamanha era a erudição que trazia. Quando o papa Leão IV caiu doente, Joana foi citada para que ocupasse o seu lugar. Assim, após a morte do papa, aclamada pelos cardeais, diáconos, clero e povo; disfarçada de homem, pela primeira vez uma mulher foi eleita como papa, sentando-se no trono de Pedro, usando o nome de João VIII.
Joana fez um pontificado que foi aplaudido e reverenciado por todas as terras cristãs. Mas a sua verdadeira essência não lhe permitiu viver a farsa por completo. Apaixonada por um oficial da Guarda Suíça, Joana fez dele um amante, revelando-lhe o seu segredo. Nos quartos frios do Vaticano, viveu o seu amor com intensidade, até que ficou grávida. Com as roupas largas que usava, não lhe foi difícil ocultar a gravidez dos olhos do povo e do clero.
Anualmente, os romanos celebravam a festa das Rogações. Era costume que o papa seguisse em frente a uma procissão solene, montado em um cavalo. Joana não fugiu à tradição, montou um cavalo ao sair da igreja de São Pedro. Quando deixou a basílica, a papisa estava revestida com ornamentos pontificais, mostrando a exuberância de toda a pompa da igreja. Dirigia-se à basílica de São João de Latrão acompanhada de um séquito, dos clérigos, nobres e do povo de Roma. Quando caminhava entre a basílica de São Clemente e o anfiteatro Domiciano, o Coliseu; foi arrebatada por fortes dores de parto, tão violentas que fizeram com que caísse do cavalo. Assustado, o povo não se apercebia o que estava acontecendo com o pontífice, que se contorcia no chão. No meio das dores, Joana rasgou os ornamentos e vestes sagradas, expelindo das entranhas, para espanto geral, uma criança.
Humilhada, desmascarada e vencida, Joana sangrava incessantemente, devido à queda do cavalo e ao parto difícil. Tomados pela vergonha e pela cólera, membros do clero cercavam o corpo da papisa para escondê-la da fúria do povo. Diante do choro da criança, um bispo ergueu as mãos para o céu e disse:
-Milagre! Milagre!
Mas o ardil foi em vão. Joana morreu sem que se lhe fosse prestado socorro. Deu um último suspiro e, ainda a sentir-se vitoriosa, partiu para o mundo dos mortos. A criança recém nascida foi sufocada pelos padres. Mãe e filho foram enterrados sem pompas no mesmo túmulo.
Para que não se cometesse o mesmo engano, os sucessores de Joana passaram a ser submetidos à prova da cadeira furada. Após a eleição, momentos antes de ser conduzido ao palácio de Latrão para a tomada de posse, o papa eleito assentava-se em uma cadeira furada no centro, que ficava na capela de São Silvestre, com as pernas separadas, o corpo meio estendido, com os hábitos pontífices abertos, confirmando aos assistentes a prova da sua virilidade. Após ser tocado na genitália por dois diáconos, ouvia-se o grito de um deles:
-Temos um papa!
Joana, a papisa, foi a única mulher da história a presidir a igreja de Roma por quase três anos. A maternidade pôs fim ao seu pontificado!



O Judeu Errante

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O tumulto levou as pessoas às ruas de Jerusalém. Jesus, filho de José, entrara triunfante na cidade, desafiara os comerciantes e os guardiões do templo, presidira a ceia com os seus apóstolos, transmitira a sua mensagem definitiva no Monte das Oliveiras, para cair, tragicamente nas mãos de soldados, sendo julgado, açoitado, humilhado e condenado a ser crucificado.
As festas da Páscoa em Jerusalém foram interrompidas para que se acompanhasse o martírio daquele que se dizia o Messias, que viera para elevar o seu povo, acabar com os sofrimentos dos judeus. Pelas ruas da cidade, o profeta caminhava humilhado, a levar a cruz nas costas, a mesma que serviria como suplício final. Caminhando enfraquecido, quando se deixava cair, era obrigado a levantar através dos açoites impiedosos dos soldados romanos.
Alheio ao tumulto da cerimônia que precedia à crucificação, Ahasverus trabalhava dentro da sua casa, a preparar o couro que usava para fazer os sapatos que vendia. Era um homem calado, frio e alheio aos dramas e às pessoas à volta. Sua barba espessa escondia as marcas que lhe ia esculpindo o tempo. Não havia Páscoa ou tradições que lhe arrebatasse do cheiro do couro curtido, trabalhado artesanalmente. Fechar um acerto de casamento com uma jovem estava longe de qualquer plano que fizera. A sua solidão latente era o prêmio maior que já adquirira. A sua arte com o couro a realização da alma.
À medida que o supliciado aproximava-se da rua onde Ahasverus morava, o tumulto tornava-se insuportável. Pessoas gritavam, algumas pediam a morte do suposto Messias, outras pediam misericórdia por sua vida. O sapateiro procurou ignorar o barulho. Continuou a recortar o couro curtido. De repente um estrondo bateu-lhe na porta, fazendo com que ela se abrisse. Parte de uma cruz entrou pela sala. Ahasverus viu um homem atormentado, caído na sua porta, com uma coroa de espinhos na cabeça, o rosto coberto de sangue e as costas em carne viva. Ahasverus irritou-se com aquela imagem. Sentiu-se profundamente incomodado, como se aquele homem ensangüentando, a descansar por um momento na sua porta, fizesse com que todos os males da sua alma se lhe fosse revelado. Tomou-se de cólera quando viu gotas de sangue a sujar a sua porta. Deixou os afazeres e aproximou-se do supliciado, que caído no chão, pediu-lhe ajuda para se erguer. Mas Ahasverus não se deixou comover, com o pé direito, empurrou o nazareno, vociferando com arroubo:
-Sai da minha porta! Anda, põe-te a andar! Vá logo!
Naquele momento Simão, o Cireneu, apiedando-se de Jesus, ofereceu-se para ajudá-lo a reerguer-se do chão com a cruz. Antes de continuar o caminho para o martírio, o nazareno olhou profundamente Ahasverus, falando-lhe mansamente:
-Eu vou, mas tu ficarás... Caminharás errante e sem descanso pelo mundo até a minha volta...
O olhar que Jesus, filho de José, lançou para o sapateiro, fez com que ele estremecesse a alma. Sentiu-se paralisado, a ver aquele homem caminhar para a morte, afastando-se da sua tenda, deixando-o com uma maldição eterna. Ainda no fim da tarde daquela sexta-feira, quando o céu escureceu e o nazareno morreu na cruz, Ahasverus viu a barba do seu rosto ficar branca, as mãos envelheceram, sem que tivessem mais habilidade para trabalhar o couro. Ahasverus perdera a juventude e a sua arte. A solidão passou a queimar-lhe o peito.
Lentamente Ahasverus viu o tempo passar, os seus contemporâneos sugados pela morte. Sua alma tornou-se inconstante, peregrina. Uma grande nuvem de poeira bateu-lhe na porta, arrebatando-o e levando-o para as estradas do mundo. Quanto mais envelhecia, mais se distanciava da morte. Ahasverus passou a percorrer cidades com ruas sem fim. Por onde passava, era conhecido como o Judeu Errante, o eterno estrangeiro, sem pátria, sem raízes.
Nas vilas, nas aldeias, nas terras mais distantes, o povo era surpreendido por um redemoinho de poeira, era o Judeu Errante que vinha dentro dele, numa peregrinação permanente, a carregar consigo a maldição por ter sido cruel com o nazareno. Todos, quando viam o redemoinho, fechavam as suas portas e janelas, até que passasse o amaldiçoado, evitando que o agouro entrasse pela casa. O Judeu Errante vaga no meio da poeira, atormentado e solitário, na esperança do dia em que Jesus, filho de José, retorne ao mundo e anuncie o fim da sua maldição e dos tempos.

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A Cigarra e a Formiga




Era uma vez uma cigarra que vivia saltitando e cantando pelo bosque, sem se preocupar com o futuro. Esbarrando numa formiguinha, que carregava uma folha pesada, perguntou:
- Ei, formiguinha, para que todo esse trabalho? O verão é para gente aproveitar! O verão é para gente se divertir!
- Não, não, não! Nós, formigas, não temos tempo para diversão. É preciso trabalhar agora para guardar comida para o inverno.
Durante o verão, a cigarra continuou se divertindo e passeando por todo o bosque. Quando tinha fome, era só pegar uma folha e comer.
Um belo dia, passou de novo perto da formiguinha carregando outra pesada folha.
A cigarra então aconselhou:
- Deixa esse trabalho para as outras! Vamos nos divertir. Vamos, formiguinha, vamos cantar! Vamos dançar!
A formiguinha gostou da sugestão. Ela resolveu ver a vida que a cigarra levava e ficou encantada. Resolveu viver também como sua amiga.
Mas, no dia seguinte, apareceu a rainha do formigueiro e, ao vê-la se divertindo, olhou feio para ela e ordenou que voltasse ao trabalho. Tinha terminado a vidinha boa.
A rainha das formigas falou então para a cigarra:
- Se não mudar de vida, no inverno você há de se arrepender, cigarra! Vai passar fome e frio.
A cigarra nem ligou, fez uma reverência para rainha e comentou:
- Hum!! O inverno ainda está longe, querida!
Para cigarra, o que importava era aproveitar a vida, e aproveitar o hoje, sem pensar no amanhã. Para que construir um abrigo? Para que armazenar alimento? Pura perda de tempo.
Certo dia o inverno chegou, e a cigarra começou a tiritar de frio. Sentia seu corpo gelado e não tinha o que comer. Desesperada, foi bater na casa da formiga.
Abrindo a porta, a formiga viu na sua frente a cigarra quase morta de frio.
Puxou-a para dentro, agasalhou-a e deu-lhe uma sopa bem quente e deliciosa.
Naquela hora, apareceu a rainha das formigas que disse à cigarra: - No mundo das formigas, todos trabalham e se você quiser ficar conosco, cumpra o seu dever: toque e cante para nós.
Para cigarra e paras formigas, aquele foi o inverno mais feliz das suas vidas.



Zinho, O Detetive


O Detetive Zinho estava em seu quarto arrumando suas coisas de detetive, quando ouviu um grito pavoroso:
- Aaaiiiii!
Zinho saltou da cama, pegou sua lupa e seu chapéu, e abriu a porta do seu quarto. Daí ouviu o grito de novo:
- Aaaiiiii!
Zinho quase se assustou. Mas aí lembrou-se que um verdadeiro detetive não se assusta. Engoliu o susto em seco e pegou um desentupidor de pia que estava no corredor. Com o desentupidor debaixo do braço ele se sentiu mais confiante para enfrentar aquela ameaça terrível. E pôs-se a investigar de onde viriam os gritos.
- Aaaiiiii!
Era o grito pavoroso de novo. Zinho já estava no alto da escada quando decidiu pegar mais uma arma: entrou no quarto da mãe e saiu de lá com um sutiã na mão para usar como se fosse estilingue. Testou o suti-estilingue e... funcionava. Lançou uma bola de meia longe. A bola bateu no espelho do corredor, voltou e bateu na cabeça de Zinho, que ficou meio atordoado. O que mostrava que o suti-estilingue funcionava.
- Aaaiiiii!
Quanto mais descia a escada mais pavoroso o grito ficava. E o detetive Zinho resolveu se armar de um tênis largado pelo irmão mais velho bem no pé da escada. O tênis estava muito sujo e Zinho fez a besteira de cheirar o tênis do irmão.
- Arrgghh! Que chulé! – disse Zinho tapando o nariz.
Era mais uma arma perfeita contra o que quer que fosse que estava causando aqueles gritos de medo. E por falar em grito:
- Aaaiiiii!
Passando pelo banheiro no corredor o detetive Zinho entrou. Pelo barulho que fez deve ter derrubado um monte de coisas lá dentro. E saiu armado de papel higiênico (pra amarrar o inimigo), uma escova de dentes (caso ele esteja com mal-hálito) e um rodo (que podia ser usado como espada ou coisa assim).
Carregado com todos esses apetrechos o detetive Zinho ouviu novamente:
- Aaaaaahhhhhh!
O grito tinha ficado ainda mais pavoroso. E finalmente Zinho pode identificar de onde vinha o grito: da cozinha.
Aproximou-se com cuidado da porta da cozinha, que estava fechada. O detetive Zinho ainda se lembrou de pegar um espanador que estava numa mesinha perto da porta. Por um segundo ou dois hesitou. Devia mesmo entrar? Que terríveis perigos o aguardavam atrás daquela porta.
- Aaaaahhhhhhhh!
Quando ouviu esse último grito não teve dúvidas: ele ia fazer o que tinha vindo fazer. E chutou a porta da cozinha com tanta força que ela se abriu estrondosamente. Pode ver então sua irmã mais velha em cima de uma cadeira. A irmã olhava para o lado e deu mais um grito horripilante:
- Socoorroooo!
Que terríveis monstros marcianos atacavam a cozinha querendo raptar sua irmã? Que perversos bandidos assaltavam a casa em busca dos doces que sua mãe tinha feito para o jantar? Que cruéis monstros sanguinários invadiam a casa prontos para sugar todo o leite da geladeira até a morte?
O detetive Zinho tentou manter a calma. E reparou que sua irmã olhava para baixo. Estalou os dedos e concluiu brilhantemente:
- Ahá! O que está assustando minha irmã deve estar no chão!
Então o detetive aproximou-se do ser maligno que estava causando todo esse terror em sua parente tão próxima. Armado com todos os objetos que pegou pela casa ele não tinha medo, não podia falhar.
E foi então que ele chegou bem perto e pode ver, ali no chão limpo da cozinha... uma barata.

(Brasil)



A Bela e a Fera

Há muitos anos, em uma terra distante, viviam um mercador e suas três filhas . A mais jovem era a mais linda e carinhosa, por isso era chamada de "BELA".
Um dia, o pai teve de viajar para longe a negócios. Reuniu as suas filhas e disse:
— Não ficarei fora por muito tempo. Quando voltar trarei presentes. O que vocês querem? - As irmãs de Bela pediram presentes caros, enquanto ela permanecia quieta.
O pai se voltou para ela, dizendo :
— E você, Bela, o que quer ganhar?
— Quero uma rosa, querido pai, porque neste país elas não crescem, respondeu Bela, abraçando-o forte.
O homem partiu, conclui os seus negócios, pôs-se na estrada para a volta. Tanta era a vontade de abraçar as filhas, que viajou por muito tempo sem descansar. Estava muito cansado e faminto, quando, a pouca distância de casa, foi surpreendido, em uma mata, por furiosa tempestade, que lhe fez perder o caminho.
Desesperado, começou a vagar em busca de uma pousada, quando, de repente, descobriu ao longe uma luz fraca. Com as forças que lhe restavam dirigiu-se para aquela última esperança.
Chegou a um magnífico palácio, o qual tinha o portão aberto e acolhedor. Bateu várias vezes, mas sem resposta. Então, decidiu entrar para esquentar-se e esperar os donos da casa. O interior, realmente, era suntuoso, ricamente iluminado e mobiliado de maneira esquisita.
O velho mercador ficou defronte da lareira para enxugar-se e percebeu que havia uma mesa para uma pessoa, com comida quente e vinho delicioso.
Extenuado, sentou-se e começou a devorar tudo. Atraído depois pela luz que saía de um quarto vizinho, foi para lá, encontrou uma grande sala com uma cama acolhedora, onde o homem se esticou, adormecendo logo. De manhã, acordando, encontrou vestimentas limpas e uma refeição muito farta. Repousado e satisfeito, o pai de Bela saiu do palácio, perguntando-se espantado por que não havia encontrado nenhuma pessoa. Perto do portão viu uma roseira com lindíssimas rosas e se lembrou da promessa feita a Bela. Parou e colheu a mais perfumada flor. Ouviu, então, atrás de si um rugido pavoroso e, voltando-se, viu um ser monstruoso que disse:
— É assim que pagas a minha hospitalidade, roubando as minhas rosas? Para castigar-te, sou obrigado a matar-te!
O mercador jogou-se de joelhos, suplicando-lhe para ao menos deixá-lo ir abraçar pela última vez as filhas. A fera lhe propôs, então, uma troca: dentro de uma semana devia voltar ou ele ou uma de suas filhas em seu lugar.
Apavorado e infeliz, o homem retornou para casa, jogando-se aos pés das filhas e perguntando-lhes o que devia fazer. Bela aproximou-se dele e lhe disse:
— Foi por minha causa que incorreste na ira do monstro. É justo que eu vá...
De nada valeram os protestos do pai, Bela estava decidida.
Passados os sete dias, partiu para o misterioso destino.
Chegada à morada do monstro, encontrou tudo como lhe havia descrito o pai e também não conseguiu encontrar alma viva.
Pôs-se então a visitar o palácio e, qual não foi a sua surpresa, quando, chegando a uma extraordinária porta, leu ali a inscrição com caracteres dourados: "Apartamento de Bela".
Entrou e se encontrou em uma grande ala do palácio, luminosa e esplêndida. Das janelas tinha uma encantadora vista do jardim.
Na hora do almoço, sentiu bater e se aproximou temerosa da porta. Abriu-a com cautela e se encontrou ante de Fera. Amedrontada, retornou e fugiu através da salas. Alcançada a última, percebeu que fora seguida pelo monstro. Sentiu-se perdida e já ia implorar piedade ao terrível ser, quando este, com um grunhido gentil e suplicante lhe disse:
— Sei que tenho um aspecto horrível e me desculpo ; mas não sou mau e espero que a minha companhia, um dia, possa ser-te agradável. Para o momento, queria pedir-te, se podes, honrar-me com tua presença no jantar.
Ainda apavorada, mas um pouco menos temerosa, bela consentiu e ao fim da tarde compreendeu que a fera não era assim malvada.
Passaram juntos muitas semanas e Bela cada dia se sentia afeiçoada àquele estranho ser, que sabia revelar-se muito gentil, culto e educado.
Uma tarde , a Fera levou Bela à parte e, timidamente, lhe disse:
— Desde quando estás aqui a minha vida mudou. Descobri que me apaixonei por ti. Bela, queres casar-te comigo?
A moça, pega de surpresa, não soube o que responder e, para ganhar tempo, disse:
— Para tomar uma decisão tão importante, quero pedir conselhos a meu pai que não vejo há muito tempo!
A Fera pensou um pouco, mas tanto era o amor que tinha por ela que, ao final, a deixou ir, fazendo-se prometer que após sete dias voltaria.
Quando o pai viu Bela voltar, não acreditou nos próprios olhos, pois a imaginava já devorada pelo monstro. Pulou-lhe ao pescoço e a cobriu de beijos. Depois começaram a contar-se tudo que acontecera e os dias passaram tão velozes que Bela não percebeu que já haviam transcorridos bem mais de sete.
Uma noite, em sonhos, pensou ver a Fera morta perto da roseira.
Lembrou-se da promessa e correu desesperadamente ao palácio.
Perto da roseira encontrou a Fera que morria.
Então, Bela a abraçou forte, dizendo:
— Oh! Eu te suplico: não morras! Acreditava ter por ti só uma grande estima, mas como sofro, percebo que te amo.
Com aquelas palavras a Fera abriu os olhos e soltou um sorriso radioso e diante de grande espanto de Bela começou a transformar-se em um esplêndido jovem, o qual a olhou comovido e disse:
— Um malvado encantamento me havia preso naquele corpo monstruoso. Somente fazendo uma moça apaixonar-se podia vencê-lo e tu és a escolhida. Queres casar-te comigo agora?
Bela não fez repetir o pedido e a partir de então viveram felizes e apaixonados.



O menino-avestruz


Reza a história que estando um frig em mudanças, uma mulher que levava um miúdo aos ombros ficou pata trás. Tinha visto algo no chão e aproximou-se para ver melhor. Quando lá chegou viu que o que lhe chamara a atenção era um punhado de ovos de avestruz. Quis avisar as pessoas mas, por mais que gritasse, não a ouviam, de modo que decidiu deixar o filho junto dos ovos para correr em busca dos restantes. Quis o azar que, depois de ela os alcançar, e quando todos se dirigiam para o lugar onde estavam os ovos, eufóricos com tão feliz descoberta, se levantasse um vento forte e o irif apagasse qualquer rasto deixado na areia.De modo que, apesar de os membros do frig terem procurado, incansáveis, durante vários dias, não houve maneira de encontrar a criança.
A mãe avestruz, ao ver a criança junto dos ovos, decidiu adoptá-la. De dia saía à procura de comida para a alimentar e à noite cobria-a com o corpo para que não lhe acontecesse nada de mal. Quando nasceram as crias, as pequenas avestruzes e o menino passavam o dia juntos e este fazia vida de avestruz, comendo o que elas comiam, gritando como elas gritavam e correndo tão velozmente como os irmãos adoptivos, saudável e feliz.
Passou o tempo e, um belo dia, um pastor que conduzia os seus rebanhos para outros pastos viu de longe as avestruzes e o rapazinho que corria com elas. Impressionou-o de tal forma aquela visão que, onde quer que fosse, falava daquele acontecimento extraordinário de que fora testemunha:
- Vi com os meus próprios olhos o que vos estou a contar! Era um rapaz, com o cabelo compridíssimo, que corria entre as avestruzes, comento o que elas comiam e emitindo os mesmos ruídos com a garganta.
Quando a história chegou aos ouvidos da família da criança perdida junto dos ovosd de avestruz, todo o frig se pôs imediatamente em marcha. Localizaram o pastor r pediram-lhe que lhes mostrasse o lugar onde apareciam as avestruzes. E quando estas, seguindo o seu costume, pararam para descansar sob os ramos de uma talja, os homens capturaram o rapaz e levaram-no com eles. Trataram dele, cortaram-lhe o cabelo, lavaram-no e ensinaram-no a comer e a comunicar como uma pessoa. Com o decurso do tempo, o menino-avestruz transformou-se num homem, casou-se e teve uma grande descendência.
Quanto às avestruzes, não querendo prescindir da companhia do seu meio-irmão, seguiram-no e instalaram-se junto ao frig para poderem continuar perto dele.



O rico e Lázaro



Havia um homem rico que vestia roupas muito caras e sempre dava grandes festas. Havia também um homem pobre e cheio de feridas chamado Lazaro, que costumavam deixar perto da casa do rico.
Lazaro ficava ali, procurando matar a fome com as migalhas que caíam da mesa do rico. E até os cachorros vinham lamber suas feridas. O pobre morreu e foi levado pelos anjos para junto de Abraão, na festa do céu. O rido também morreu e foi enterrado. Ele sofria muito no mundo dos mortos. Quando olhou, viu lá longe Abraão e Lázaro ao seu lado. Então gritou:
- Pai Abraão, tenha pena de mim! Mande que Lázaro molhe o dedo na água e venha refrescar a minha língua porque estou sofrendo muito neste fogo!
Mas Abraão respondeu:
- Meu filho, lembre-se de que você recebeu na sua vida todas as coisas boas,porém, Lázaro só recebeu o que era mau. E agora ele está aqui gozando tudo isto, enquanto você está sofrendo. Alem disso, há um grande abismo entre nós, de modo que os que querem atravessar daqui até vocês não podem, como também os daí não podem passar para cá.
- Nesse caso, Pai Abraão – disse o rico – peço que mande Lazaro até a casa do meu pai porque tenho cinco irmãos. Deixe que ela vá e os avise para que assim não venham para este lugar de sofrimento.

Mas Abraão respondeu:
- Os seu irmãos têm Moisés e os profetas para os avisarem. Que os escutem!
- Isso não basta, Pai Abraão! – respondeu o rico. – Mas, se alguém ressuscitar e for falar com eles, aí se arrependerão dos seus pecados.
E Abraão respondeu:
Se eles não ouvirem Moisés nem os profetas, não crerão, mesmo que alguém ressuscite.


Parábolas de Jesus
Lucas 16- 19 a 31




27/06/2009

O lobo e os sete cabritinhos



Era uma vez uma cabra que tinha sete cabritinhos. Ela os amava com todo o amor que as mães sentem por seus filhinhos. Um dia, ela teve que ir à floresta em busca de alimento. Então, chamou os cabritinhos e lhes disse:
- Queridos filhinhos, preciso ir à floresta. Tenham muito cuidado por causa do lobo. Se ele entrar aqui, vai devorá-los todos. É seu costume disfarçar-se, mas vocês o reconhecerão pelas sua voz rouca e por suas patas pretas.
Os cabritinhos responderam:
- Querida mãezinha, pode ir descansada, pois teremos muito cuidado.
A cabra baliu e foi andando despreocupada. Não se passou muito tempo e alguém bateu à porta dizendo:
- Abram a porta, queridos filhinhos. A mamãe está aqui e trouxe uma coisa para cada um de vocês.
Os cabritinhos perceberam logo que era o lobo, por causa de sua voz rouca, e responderam:
- Não abriremos a porta, não! Você não é nossa mãezinha. Ela tem uma voz macia e agradável. A sua é rouca. Você é o lobo!
O lobo, então, foi a uma loja, comprou uma porção de giz e comeu-os para amaciar a voz. Voltou à casa dos cabritinhos, bateu à porta, e disse:
- Abram a porta, meus filhinhos. A mamãe já voltou e trouxe um presente para cada um de vocês.
Mas o lobo tinha posto as patas na janela e os cabritinhos responderam:
- Não abriremos a porta, não! Nossa mãe não tem patas pretas como as suas. Você é o lobo.
O lobo foi à padaria e disse ao padeiro:
- Tenho as patas feridas. Preciso esfregá-las em um pouco de farinha. O padeiro pensou consigo mesmo: "O lobo está querendo enganar alguém". E recusou-se a fazer o que ele pedia. O lobo, porém, ameaçou devorá-lo e o padeiro, com medo, esfregou-lhe bastante farinha nas patas.
Pela terceira vez, foi o lobo bater à porta dos cabritinhos:
- Meus filhinhos, abram a porta. A mãezinha já está aqui, de volta da floresta, e trouxe uma coisa para cada um de vocês.
Os cabritinhos disseram:
- Primeiro mostre-nos suas patas, para vermos se você é mesmo nossa mãezinha.
O lobo pôs as patas na janela e, quando eles viram que eram brancas, acreditaram e abriram a porta.
Mas, que surpresa!!! Ficaram apavorados quando viram o lobo entrar. Procuraram esconder-se depressa. Um entrou debaixo da mesa; outro meteu-se na cama; o terceiro entrou no fogão; o quarto escondeu-se na cozinha; o quinto, dentro do guarda-louça; o sexto, embaixo de uma tina, e o sétimo, na caixa do relógio. O lobo os foi achando e comendo, um a um. Só escapou o mais moço, que estava na caixa do relógio.
Quando satisfez o seu apetite, saiu e, mais adiante, deitou-se num gramado. Daí a pouco pegou no sono. Momentos depois, a cabra voltou da floresta. Que tristeza a esperava! A porta estava escancarada. A mesa, as cadeiras e os bancos, jogados pelo chão. As cobertas e os travesseiros, fora das camas. Ela procurou os filhinhos, mas não os achou. Chamou-os pelos nomes, mas não responderam. Afinal, quando chamou o mais moço, uma vozinha muito sumida respondeu:
- Mãezinha querida, estou aqui, no relógio.
Ela o tirou de lá, e ele lhe contou tudo o que havia acontecido. A pobre cabra chorou ao pensar no triste fim de seus filhinhos!!! Alguns minutos depois, ela saiu e foi andando tristemente pela redondeza. O cabritinho acompanhou-a. Quando chegaram ao gramado, viram o lobo dormindo, debaixo de uma árvore. Ele roncava tanto que os galhos da árvore balançavam. A cabra reparou que alguma coisa se movia dentro da barriga do lobo.
- Oh! Será possível que meus filhinhos ainda estejam vivos, dentro da barriga do lobo? pensou ela falando alto.
Então, o cabritinho correu até sua casa e trouxe uma tesoura, agulha e linha. Mal a cabra fez um corte na barriga do lobo malvado, um cabritinho pôs a cabeça de fora. Ela cortou mais um pouco e os seis saltaram, um a um. Como ficaram contentes!!! Cada qual queria abraçar mais a mamãe. Ela também estava radiante, contudo, precisava acabar a operação antes que o lobo acordasse. Mandou que os cabritos procurassem umas pedras bem grandes. Quando eles as trouxeram, ela as colocou dentro da barriga do bicho e coseu-a rapidamente. Daí a momentos, o lobo acordou. Como sentisse muita sede, levantou-se para beber água no poço. Quando começou a andar, as pedras bateram, umas de encontro às outras, fazendo um barulho esquisito. O lobo pôs-se a pensar:

"Estavam bem gostosinhos
Os cabritos que comi.
Mas depois, que coisa estrranha!
Que enorme peso senti!"

Quando chegou ao poço e se debruçou para beber água, com o peso das pedras, caiu lá dentro e morreu afogado. Os cabritinhos, ao saberem da boa notícia, correram e foram dançar, junto ao poço, cantando, todos ao mesmo tempo":

"Podemos viver,
Sem ter mais cuidado.
O lobo malvado morreu,
No poço afogado."




O leão e o cordeiro


Certo dia deram como alimento a um leão enjaulado um pequeno cordeiro.
O cordeiro era tão humilde e inocente que não teve medo do leão, e em vez disso aproximou-se bem dele, como se fosse sua mãe, com olhar de ternura e admiração.
O leão, desarmado por tanta inocência, não teve coragem de matar o cordeiro. Resmungando, desistiu de satisfazer sua fome.


25/06/2009

Duas Mulheres




Havia duas mulheres amigas, uma que podia ter filhos - e tinha muitos - e a outra não.
Um dia, a mulher estéril foi a casa da amiga e convidou-a a visitá-la, dizendo:
- Amiga, tenho muitas coisas novas em casa, venha vê-las!
- Está bem - concordou a outra.
De manhã cedo, a mulher que tinha muitos filhos foi visitar a amiga. Ao chegar a casa desta, chamou-a:
- Amiga, minha amiga!
Trazia consigo um pano que a mulher estéril aceitou e guardou.
As duas amigas ficaram a conversar, tomando um chá que a dona da casa tinha preparado para as duas. Ao acabarem o chá, a dona da casa quis, então, mostrar à amiga as coisas que tinha comprado. Passaram para a sala e a mulher estéril abriu uma mala mostrando à amiga roupa, brincos, prata e outras coisas de valor.
No final da visita, a mulher que tinha muitos filhos agradeceu, dizendo:
- Um dia há-de ir a minha casa ver a mala que eu arranjei.
E, um certo dia, a mulher que não tinha filhos, foi a casa da amiga. Mal a viram, os filhos desta gritaram:
- A sua amiga está aqui!
Agradeceram a peneira que ela trazia na cabeça e guardaram-na. Começaram, então, a preparar o chá.
A mãe das crianças chamava-as uma a uma:
- Fátima!
- Mamã?
- Põe o chá ao lume!
- Mariamo!
- Sim?
- Vai partir lenha!
- Anja!
- Sim?
- Vai ao poço
- Muacisse!
- Mamã?
- Vai buscar açúcar!
- Muhamede!
- Sim?
- Traz um copo!
- Mariamo!
- Vamos lá, despacha-te com o chá!
Assim que o chá ficou pronto, tomaram-no e conversaram todos um pouco.
Quando a amiga se ia embora, a mulher que tinha filhos disse:
- Minha amiga, eu chamei-a para ver a mala que arranjei, mas a minha mala não tem roupa nem brincos! A mala que lhe queria mostrar são os meus filhos!
A mulher que não podia ter filhos ficou muito triste e, antes de chegar a casa, sentiu-se muito mal, com dores de cabeça e acabou por morrer.


Comentário do narrador: coisa não é coisa, coisa é pessoa!



NOTA: A missão principal da mulher é a procriação e o respeito que lhe é devido aumenta com a idade e com o número de filhos. Assim, ter filhos é muito importante e quantos mais se tiver melhor, pois eles são a riqueza e o futuro da família.
Nas sociedades matrilineares, donde provém este conto (Norte de Moçambique), se as mulheres não tiverem filhos a sua linhagem não continua.
Quando o homem é estéril, é repudiado de imediato; a esterilidade feminina é atribuída à pouca sorte, podendo, quer num caso quer noutro, tentar-se o tratamento junto do curandeiro.
Neste conto, após tudo ter tentado para poder engravidar e não o tendo conseguido, a mulher acabou por morrer de desgosto. A sua riqueza era feita só de bens materiais, enquanto que a riqueza da amiga eram os filhos. De realçar o costume de a visitante oferecer sempre uma prenda à visitada.


Eduardo Medeiros (org.).
Contos populares moçambicanos, 1997


24/06/2009

Era verão e os dias estavam lindos. O feno formava pilhas nos prados e campinas. As cegonhas caminhavam com suas longas pernas vermelhas, tagarelando umas com as outras. No meio de um grande bosque, havia um lindo lago. No ponto mais ensolarado, à beira do lago, via-se uma velha mansão. A grama, muito bem aparada, ia da casa até a beira da água. A paisagem era realmente encantadora.
No meio da folhagem do bosque, uma pata, no seu ninho, aguardava os patinhos que iam nascer. Já estava bem cansada de estar ali tanto tempo. Além disso, quase não recebia visitas, pois os outros patos gostavam mais de nadar do que sentar-se em baixo das folhas para tagarelar com ela.
Afinal, os ovos começaram a estalar, um após outro. Os patinhos puseram as cabecinhas para fora e saltaram da casca. Dona Pata grasnou de contentamento e eles responderam baixinho: "Quá, quá, quá!!!"
Muito admirados, olhavam para todos os lados. A mamãe deixou-os olhar tanto quanto quiseram, pois a cor verde das folhas faz muito bem aos olhos.
- Como é grande e claro o mundo cá fora! exclamaram os patinhos.
- Vocês pensam que o mundo é só isso? perguntou Dona Pata. Ele se estende para o outro lado do bosque e vai seguindo até perder-se de vista. Bem, penso que vocês já estão todos aqui, não é?
Ela se levandou e olhou à volta.
- Não, ainda falta um. O ovo maior está intacto. Quanto tempo levará?
Dizendo isto, Dona Pata sentou-se novamente no ninho.
- Olá, como vai passando? perguntou uma pata velha que veio fazer-lhe uma visita.
- Vou bem, obrigada, apenas um pouco aborrecida porque a casca deste ovo ainda não se partiu. Entretanto, você já pode olhar os outros patinhos. São os mais lindos que já vi, exatamente iguais ao pai. Aquele maroto há muito não me aparece...
- Deixe-me olhar o ovo que ainda não se abriu, disse a velha pata. Huuummm! você pode ter certeza que é ovo de perua. Eu já fui enganada assim, uma vez, e só tive aborrecimentos, pois perus tem medo de água. Grasnei e mordi-os, mas não consegui atirá-los na água. Deixe-me ver o ovo. Não resta dúvida, é de perua! Não perca seu tempo, deixe-o sozinho e ensine os outros a nadarem.
- Chocá-lo-ei mais um pouco, disse a pata.
- Desejo-lhe boa sorte. Passe bem.
A velha pata foi-se embora. Daí a algum tempo, o ovo começou a estalar e, de lá de dentro, foi saindo um patinho muito grande e simplesmente feio. Dona Pata olhou-o muito desapontada e exclamou:
- Que patinho monstruoso! Não se parece com nenhum dos outros. Será que é filho de perua? Bem, logo descobrirei isto. Irá para a água, nem que eu tenha que empurrá-lo.
O dia seguinte amanheceu lindo. O sol brilhava sobre a folhagem. A mamãe pata foi com sua ninhada até o lago. Atirou-se na água e chamou os filhinhos:
- Quá! Quá! Quá! disse ela e eles, uns atrás dos outros, foram-se atirando. A água cobriu suas cabecinhas mas eles levantaram-se e flutuaram lindamente. Suas patinhas moveram-se e lá foram eles nadando. Até o feioso nadou.
- Não, este não é peru, disso Dona Pata. Sabe usar muito bem as patas e mantém-se ereto sobre a água. Afinal de contas, é meu filho e, talvez, quando crescer não seja tão feio. Quá! Quá! Quá! Venham comigo. Vou apresentá-los no quintal. Fiquem sempre perto de mim, para não serem pisados, e muito cuidado com o gato.
Foram, então, ao quintal. Havia lá horrível confusão.
- Endireitem as patinhas, disse ela. Grasnem apropriadamente e inclinem a cabeça diante da velha pata. Ela é a mais importante de todas nós aqui. Tem sangue espanhol nas veias. Tem uma argola vermelha numa das patas, o que indica sua boa raça. Lá vem ela. Vamos, grasnem, inclinem a cabeça.
Eles fizeram exatamente o que a mãe recomendou. Os outros patos olharam-se e comentaram:
- Agora teremos que suportar esta outra tribo, como se não fossemos suficientes! Cruzes! Que patinho feio aquele lá atrás!
Dizendo isto, um dos patos saiu correndo e bicou o pobre bichinho no pescoço.
- Deixe-o em paz! pediu Dona Pata. Ele não lhe está causando nenhum dano.
- Relalmente não está, mas acontece que ele é tão feio e esquisito que não pude controlar-me, respondeu o malvado.
- Seus filhinhos são lindos, exceto aquele ali, disse a pata velha. Está se vendo que não é de boa raça.
- Realmente ele não é bonito, mas é muito bonzinho e nada tão bem quanto os outros. Talvez no futuro ele melhore, disse Dona Pata e acariciou o pescoço do filhinho.
- Fiquem à vontade, crianças e, se acharem uma minhoca, podem trazê-la para mim.
Depois disso, os patinhos sentiram-se mais à vontade. O feioso, coitado, levou bicadas e foi sacudido pelos outros patos e até pelas galinhas. Estava desesperado e não sabia que rumo tomar. Servia de galhofa para todos. Os dias foram-se passandp e, cada vez, ele se via mais atropelado. Até seus irmãos costumavam aborrecê-lo, dizendo:
- Se ao menos o gato pegasse esta coisa horripilante...
Sua própria mãe disse um dia:
- Eu desejava vê-lo bem longe de mim.
Os patos o bicavam, as galinhas o espicaçavam e a menina que os alimentava sempre o deixava de lado.
Certo dia, não aguentando mais aquela situação, ele fugiu e chegou à sebe onde os passarinhos se aninhavam.
- Não tenho culpa de ser tão feio! pensou ele, muito, muito triste.
Continuou a andar até que chegou a um campo, onde viviam patos selvagens. Estava tão cansado que passou a noite lá. Pela manhã, os patos selvagens foram inspecionar seu novo companheiro.
- Que espécie de bicho é você? lhe perguntaram assim que ele os cumprimentou. Você é horrivelmente feio, mas isto não tem importância. Pode ficar aqui, desde que não pretenda casar-se em nossa família.
Pobre patinho! Absolutamente não havia pensado em casamento. Ele desejava apenas permissão para ficar ali no meio da folhagem e beber um pouco de água. Ficou lá dois dias inteiros. No fim desse tempo, dois gansos selvagens, muito mal educados, chegaram e disseram:
- Você é tão feio, camarada, que até temos pena de você. Há outro lago, aqui perto, onde vivem gansas encantadoras! São doces criaturas que sabem grasnar de momo especial. Reúna-se ao nosso grupo e vamos até lá. Com a sua feiura elas se divertirão bastante!
Nesse momento, ressoou um tiro, no alto, depois outro e outro... bandos de gansos selvagens voavam assustados. Havia uma grande caçada. Os caçadores estavam escondidos no arvoredo, à volta do lago. Os cães farejavam à volta, patinhando no pantano. Tudo isso alarmava horrivelmente o pobre patinho feio. Eles enroscou o pescoço para esconder a cabeça debaixo da asa e ficou lá escondido entre os arbustos. Já era tarde quando o barulho cessou. Apesar disso, o patinho não ousava levantar-se. Esperou muitas horas ali sentado. Finalmente tomou coragem, olhou à sua volta e voou o mais depressa que pode. Correu por campos e prados. Ventava tanto que era difícil equilibrar-se. Tarde da noite, chegou a um casebre. Era tão miserável que se mantinha em pé por milagre. O vento assobiava tão ferozmente, e de repente ele notou que o vento abrira a porta do casebre. Resolveu, então entrar para abrigar-se.
Lá vivia uma senhora idosa, com um gato e uma galinha. O gato, que se chamava Mimi, arqueava as costas, ronronava e seus olhos lançavam chispas, pedindo que o acariciassem. A galinha tinha patas tão curtas que era, por isso, chamada Baixotinha. Punha ovos deliciosos e a senhora gostava dela como se fosse sua filha. Pela manhã, o patinho foi descoberto. O gato começou a ronronar e a galinha cacarejou.
- Que será isto? perguntou a senhora, olhando ao redor. Ela não enxergava bem e pensou que o patinho fosse uma pata grande que tivesse fugido de algum lugar.
- Que bom achado! exclamou a senhora. Agora terei ovos de pata, caso não seja um pato. Esperemos para ver. Durante três semanas o patinho esteve em observação, mas os ovos não apareçeram.
O gato e a galinha eram donos da casa e, por isto, julgavam-se muito importantes. A galinha perguntou ao patinho:
- Você põe ovos?
- Não, respondeu o patinho humildemente.
- Você sabe arquear as costas e ronronar? perguntou o gato.
- Também não, tornou a responder o patinho.
- Pois então, fique sabendo que é um grande tolo, disse a galinha.
O patinho sentou-se num canto, cozinhando o seu mau humor. De repente, apossou-se dele um grande desejo de nadar ao sol, sentindo a frescura da manhã. E então ele resolveu ir embora novamente.
Atirou-se na água, nadou e mergulhor, sentindo-se mais calmo depois desto. Entretanto, continuava a ser olhado com indiferença pelas outras criaturas, por causa da sua feiura. O outono chegou. As folhas foram ficando amareladas. Os dias foram passando e o vento soprava sempre mais forte e o céu estava ficando cada vez mais pesado de nuvens. O patinho ficou amedrontado.
Chegou o inverno. Uma tarde, quando o sol se punha, um bando de bonitos pássaros surgiu do arvoredo. O patinho nunca havia visto animais tão belos. Eram deslumbrantemente brancos, com pescoços longos e curvos. Eram cisnes. Espalhavam suas largas asas e voavam das regiões frias para as terras quentes. Voavam tão alto, que o patinho sentiu-se estranhamente inquieto. Durante muito tempo nadou, acompanhando o vôo dos cisnes. Não os conhecia, mas sentia-se estranhamente atraído para perto deles. Intimamente desejou ser assim tão bonito.

O inverno estava tão amargamente frio, que o patinho teve que nadar muitas vezes, à volta do lago, para se aquecer. Entretanto a superfície do lago cada vez diminuia mais e, finalmente, congelou-se. O patinho teve que agistar as patinhas para não vira sorvete, mas acabou ficando cansado. De manhã cedo, um camponês vinha andando e viu-o ali, quase morto. Apanhou-o e levou-o para casa, entregando-o à esposa. Lá ele reviveu. As crianças quiseram brincar com ele, mas o coitado teve medo de ser maltratado. Por isso, meteu-se na panela do leite, esparramando-o por todos os lado. A mulher do camponês gritou e sacudiu as mãos, deixando-o ainda mais assutado. Voou, então, para a batedeira de manteiga, fazendo novo estrago. A mulher, aborrecida, quis bater-lhe com uma vara. As crianças esbarravam umas nas outras, na tentativa de segurá-lo. Por sorte, a porta estava aberta, e o patinho saiu voando. Meteu-se no meio das árvores, mas acabou caindo outra vez na neve. Estava exausto. Seria muito triste descrever todas as privações que ele teve que suportar até o final do inverno.
Quando o sol começou novamente a brilhar, o patinho foi para o lago. As cotovias cantavam e a primavera vinha chegando. Ele já estava mais crescido e sacudia as asas com mas força do que antes. Voou e encontrou-se num bonito pomar, onde as macieiras estavam em flor. No ar, sentia-se o perfume dos lilases. A frescura da primavera estava deliciosa! Exatamente à sua frente, encontrou três cisnes, que avançavam em sua direção, deslizando suavemente sobre a superficie do lago. O patinho logo os reconheceu. Eram os mesmos cisnes que ele havia visto voando. Ficou possuido de uma estranha melancolia.
- Voarei até os pássaros reais e, com certeza, virar-me-ão as costas, por causa da minha feiura, mas não faz mal. Prefiro ser morto por eles do que mordido pelas patos, bicado pelas galinhas, espancado pela mulher do camponês e ainda suportar a rigidez do inverno.
Assim pensando, voou em direção dos cisnes. Eles o viram e se aproximaram, gentilmente, ruflando as asas.
- Matem-me, disse ele.
Abaixou a cabeça e ficou esperando a morte, mas, através da água transparente, que ele viu?
Com grande surpresa, viu sua própria imagem refletida na água. Ele não era mais aquele patinho feio, cinzento e desajeitado. Era um belo cisne!
Ficou verdadeiramente emocionado.
Os cisnes grandes nadavam à sua volta, como se quisessem render-lhe homenagem. Algumas crianças vieram ao lago trazendo pedacinhos de pão para eles.
A menor exclamou:
- Hoje há mais um cisne, e como é bonito!!!
As outras crianças disseram:
- Ele é o mais belo de todos e é muito jovem.
Os velhos cisnes inclinaram as cabeças, em sinal de respeito, e depois acariciaram-no com o bico.
O cisnezinho ficou encabulado e escondeu a cabecinha embaixo da asa. Apesar de muito contente, não estava orgulhoso, pois quem tem bondade no coração não sente orgulho.
Lembrou-se de tudo o que sofrera e deu graças a Deus por ser agora tão feliz!





22/06/2009

A Festa no Céu



Entre os bichos da floresta, espalhou-se a notícia de que haveria uma festa no Céu.
Porém, só foram convidados os animais que voam.
As aves ficaram animadíssimas com a notícia, começaram a falar da festa por todos os cantos da floresta. Aproveitavam para provocar inveja nos outros animais, que não podiam voar.
Um sapo muito malandro, que vivia no brejo,lá no meio da floresta, ficou com muita vontade de participar do evento. Resolveu que iria de qualquer jeito, e saiu espalhando para todos, que também fora convidado.
Os animais que ouviam o sapo contar vantagem, que também havia sido convidado para a festa no céu, riam dele.
Imaginem o sapo, pesadão, não agüentava nem correr, que diria voar até a tal festa!
Durante muitos dias, o pobre sapinho, virou motivo de gozação de toda a floresta.
_ Tira essa idéia da cabeça, amigo sapo. – dizia o esquilo, descendo da árvore.- Bichos como nós, que não voam, não têm chances de aparecer na Festa no Céu.
_ Eu vou sim.- dizia o sapo muito esperançoso. - Ainda não sei como, mas irei. Não é justo fazerem uma festa dessas e excluírem a maioria dos amimais.
Depois de muito pensar, o sapo formulou um plano.
Horas antes da festa, procurou o urubu. Conversaram muito, e se divertiram com as piadas que o sapo contava.
Já quase de noite, o sapo se despediu do amigo:
_ Bom, meu caro urubu, vou indo para o meu descanso, afinal, mais tarde preciso estar bem disposto e animado para curtir a festa.
_Você vai mesmo, amigo sapo? - perguntou o urubu, meio desconfiado.
_ Claro, não perderia essa festa por nada. - disse o sapo já em retirada.- Até amanhã!
Porém, em vez de sair, o sapo deu uma volta, pulou a janela da casa do urubu e vendo a viola dele em cima da cama, resolveu esconder-se dentro dela.
Chegada a hora da festa,o urubu pegou a sua viola, amarrou-a em seu pescoço e vôou em direção ao céu.
Ao chegar ao céu, o urubu deixou sua viola num canto e foi procurar as outras aves. O sapo aproveitou para espiar e, vendo que estava sozinho, deu um pulo e saltou da viola, todo contente.
As aves ficaram muito surpresas ao verem o sapo dançando e pulando no céu. Todos queriam saber como ele havia chegado lá, mas o sapo esquivando-se mudava de conversa e ia se divertir.
Estava quase amanhecendo, quando o sapo resolveu que era hora de se preparar para a "carona" com o urubu. Saiu sem que ninguém percebesse, e entrou na viola do urubu, que estava encostada num cantinho do salão.
O sol já estava surgindo, quando a festa acabou e os convidados foram voando, cada um para o seu destino.
O urubu pegou a sua viola e vôou em direção à floresta.
Voava tranqüilo, quando no meio do caminho sentiu algo se mexer dentro da viola. Espiou dentro do instrumento e avistou o sapo dormindo , todo encolhido, parecia uma bola.
- Ah! Que sapo folgado! Foi assim que você foi à festa no Céu? Sem pedir, sem avisar e ainda me fez de bobo!
E lá do alto, ele virou sua viola até que o sapo despencou direto para o chão.
A queda foi impressionante. O sapo caiu em cima das pedras do leito de um rio, e mais impressionante ainda foi que ele não morreu.
Nossa Senhora, viu o que aconteceu e salvou o bichinho.
Mas nas suas costas ficou a marca da queda; uma porção de remendos. É por isso que os sapos possuem uns desenhos estranhos nas costas, é uma homenagem de Deus a este sapinho atrevido, mas de bom coração.


(Christiane Angelotti
adaptação do conto de Luís da Câmara Cascudo)





A Gata Encantada



Há muito, muito tempo, existia um lavrador que, por mais honesto e trabalhador que fosse, sempre vivia na pobreza. Já estava na casa dos 40 anos e ainda não havia conseguido uma esposa.
Numa noite chuvosa, ouviu um miado na porta de sua casa.
– Deve ser algum gato que perdeu o caminho de casa devido à forte chuva – pensou o homem.
Ao abrir a porta, deparou-se com uma gata molhada e logo conheceu a bichana. Pertencia à família mais rica da aldeia.
O homem apanhou a gata e enxugou seus pêlos molhados com uma toalha. Em seguida, deu-lhe uma tigela de arroz.
– Sou pobre, não tenho comidas gostosas como as da casa em que você mora, porém, não posso deixá-la passando fome.
Cuidou da gata da melhor maneira possível e tratou de arrumar um cantinho quente para a bichana dormir. Como o homem não tinha com quem conversar, disse à gata, brincando:
– Se você moesse as sementes de trigo enquanto eu cuido da lavoura, eu seria um homem feliz, pois adiantaria bastante o meu serviço.
No dia seguinte, quando retornou do trabalho, logo percebeu que a gata não tinha ido embora. Viu, com grande surpresa, que ela havia moído as sementes de trigo e produzido farinha usando pilão e almofariz.
– Oh, meu Deus! Que gata maravilhosa! Você moeu o trigo e fez farinha! Como sou feliz em ter uma gata tão agradável como você!
O homem preparou bolinhos de chuva e comeu junto com a gata.
– Que coisa engraçada, parece que você entende o que digo, só falta falar.
Três dias depois, a gata falou, de repente, umas palavras:
– Caro mestre, eu fui chutada pelos meus donos anteriores, porque não tinha nenhuma serventia para eles. Eles são ricos e têm bastante serviçais, nada restando para eu fazer. Aqui, encontrei a felicidade de poder servir meu novo amo. Porém, como gata, meu trabalho pode ser limitado, por isso, gostaria de ir ao Santuário de Ise para rogar por minha transformação em ser humano.
O rapaz não acreditou muito que isso fosse possível, porém, amarrou um amuleto em torno do pescoço da gata e disse:
– Isso é para eu reconhecê-la quando virar humana.
Dias depois, uma linda mulher apareceu na casa do rapaz.
– Não está me conhecendo? – perguntou a bela donzela.
Vendo o amuleto no pescoço dela, o rapaz foi tomado de uma grande sensação de felicidade. Os dois se casaram e trabalharam muito dia e noite. Dizem que, anos depois, ele era um dos homens mais ricos da aldeia.


Lenda do Japão

21/06/2009

O fariseu e o cobrador de impostos




Dois homens foram orar no Templo. Um era fariseu e o outro, cobrador de impostos. O fariseu ficou de pé e orou sozinho assim:
- Ó Deus, eu Te agradeço porque não sou avarento, desonesto nem imoral, como os outros homens. Agradeço-Te também porque não sou como este cobrador de impostos. Jejuo duas vezes por semana e Te dou o dizimo de tudo quanto ganho.
Mas o cobrador de impostos ficou de longe e nem levantava o rosto para o Céu. Batia no peito e dizia:
Ó Deus, tem pena de mim, pois sou pecador !
Foi este homem, e não o outro, que voltou para casa em paz com Deus. Porque quem se engrandece será humilhado, e quem se humilha será engrandecido.


Parábolas de Jesus
Mateus 21: 33-40;
Marcos 12:1-12;
Lucas 20:9-16

20/06/2009

Um jeito de rezar

Um pobre camponês regressava ao fim da tarde a sua casa depois de um dia de trabalho. De repente lembrou-se que não trazia consigo o seu livro de orações. encontrava-se no meio do bosque e tinha-se desprendido uma roda da sua carroça.

O pobre home estava aflito pensando que nesse dia não ia poder recitar as suas preces. Então rezou assim: "Senhor, cometi uma grande estupidez. Saí de casa sem o meu livro de orações. A minha memória é tão pouca que sem ele não sei rezar. De modo que vou recitar muito devagar o alfabeto cinco vezes seguidas. e Tu, que conhecs todas as orações, podes juntar as letras e formar as preces que eu não recordo."

E Deus disse aos seus anjos: "De todas as orações que escutei hoje, esta foi sem dúvida alguma, a melhor. Uma oração que brotou de um coração humilde e sincero".

17/06/2009

O soldadinho de chumbo



Numa loja de brinquedos havia uma caixa de papelão com vinte e cinco soldadinhos de chumbo, todos iguaizinhos, pois haviam sido feitos com o mesmo molde. Apenas um deles era perneta: como fora o último a ser fundido, faltou chumbo para completar a outra perna. Mas o soldadinho perneta logo aprendeu a ficar em pé sobre a única perna e não fazia feio ao lado dos irmãos.
Esses soldadinhos de chumbo eram muito bonitos e elegantes, cada qual com seu fuzil ao ombro, a túnica escarlate, calça azul e uma bela pluma no chapéu. Além disso, tinham feições de soldados corajosos e cumpridores do dever.
Os valorosos soldadinhos de chumbo aguardavam o momento em que passariam a pertencer a algum menino.
Chegou o dia em que a caixa foi dada de presente de aniversário a um garoto. Foi o presente de que ele mais gostou:
— Que lindos soldadinhos! — exclamou maravilhado.
E os colocou enfileirados sobre a mesa, ao lado dos outros brinquedos. O soldadinho de uma perna só era o último da fileira.
Ao lado do pelotão de chumbo se erguia um lindo castelo de papelão, um bosque de árvores verdinhas e, em frente, havia um pequeno lago feito de um pedaço de espelho.
A maior beleza, porém, era uma jovem que estava em pé na porta do castelo. Ela também era de papel, mas vestia uma saia de tule bem franzida e uma blusa bem justa. Seu lindo rostinho era emoldurado por longos cabelos negros, presos por uma tiara enfeitada com uma pequenina pedra azul.
A atraente jovem era uma bailarina, por isso mantinha os braços erguidos em arco sobre a cabeça. Com uma das pernas dobrada para trás, tão dobrada, mas tão dobrada, que acabava escondida pela saia de tule.
O soldadinho a olhou longamente e logo se apaixonou, e pensando que, tal como ele, aquela jovem tão linda tivesse uma perna só.
“Mas é claro que ela não vai me querer para marido”, pensou entristecido o soldadinho, suspirando.
“Tão elegante, tão bonita… Deve ser uma princesa. E eu? Nem cabo sou, vivo numa caixa de papelão, junto com meus vinte e quatro irmãos”.
À noite, antes de deitar, o menino guardou os soldadinhos na caixa, mas não percebeu que aquele de uma perna só caíra atrás de uma grande cigarreira.
Quando os ponteiros do relógio marcaram meia-noite, todos os brinquedos se animaram e começaram a aprontar mil e uma. Uma enorme bagunça!
As bonecas organizaram um baile, enquanto o giz da lousa desenhava bonequinhos nas paredes. Os soldadinhos de chumbo, fechados na caixa, golpeavam a tampa para sair e participar da festa, mas continuavam prisioneiros.
Mas o soldadinho de uma perna só e a bailarina não saíram do lugar em que haviam sido colocados.




Ele não conseguia parar de olhar aquela maravilhosa criatura. Queria ao menos tentar conhecê-la, para ficarem amigos.
De repente, se ergueu da cigarreira um homenzinho muito mal-encarado. Era um gênio ruim, que só vivia pensando em maldades.
Assim que ele apareceu, todos os brinquedos pararam amedrontados, pois já sabiam de quem se tratava.
O geniozinho olhou a sua volta e viu o soldadinho, deitado atrás da cigarreira.
— Ei, você aí, por que não está na caixa, com seus irmãos? — gritou o monstrinho.
Fingindo não escutar, o soldadinho continuou imóvel, sem desviar os olhos da bailarina.
— Amanhã vou dar um jeito em você, você vai ver! - gritou o geniozinho enfezado.
Depois disso, pulou de cabeça na cigarreira, levantando uma nuvem que fez todos espirrarem.
Na manhã seguinte, o menino tirou os soldadinhos de chumbo da caixa, recolheu aquele de uma perna só, que estava caído atrás da cigarreira, e os arrumou perto da janela.
O soldadinho de uma perna só, como de costume, era o último da fila.
De repente, a janela se abriu, batendo fortemente as venezianas. Teria sido o vento, ou o geniozinho maldoso?
E o pobre soldadinho caiu de cabeça na rua.
O menino viu quando o brinquedo caiu pela janela e foi correndo procurá-lo na rua. Mas não o encontrou. Logo se consolou: afinal, tinha ainda os outros soldadinhos, e todos com duas pernas.
Para piorar a situação, caiu um verdadeiro temporal.
Quando a tempestade foi cessando, e o céu limpou um pouco, chegaram dois moleques. Eles se divertiam, pisando com os pés descalços nas poças de água.
Um deles viu o soldadinho de chumbo e exclamou:
— Olhe! Um soldadinho! Será que alguém jogou fora porque ele está quebrado?
— É, está um pouco amassado. Deve ter vindo com a enxurrada.
— Não, ele está só um pouco sujo.
— O que nós vamos fazer com um soldadinho só? Precisaríamos pelo menos meia dúzia, para organizar uma batalha.
— Sabe de uma coisa? — Disse o primeiro garoto. —Vamos colocá-lo num barco e mandá-lo dar a volta ao mundo.
E assim foi. Construíram um barquinho com uma folha de jornal, colocaram o soldadinho dentro dele e soltaram o barco para navegar na água que corria pela sarjeta.
Apoiado em sua única perna, com o fuzil ao ombro, o soldadinho de chumbo procurava manter o equilíbrio.
O barquinho dava saltos e esbarrões na água lamacenta, acompanhado pelos olhares dos dois moleques que, entusiasmados com a nova brincadeira, corriam pela calçada ao lado.
Lá pelas tantas, o barquinho foi jogado para dentro de um bueiro e continuou seu caminho, agora subterrâneo, em uma imensa escuridão. Com o coração batendo fortemente, o soldadinho voltava todos seus pensamentos para a bailarina, que talvez nunca mais pudesse ver.
De repente, viu chegar em sua direção um enorme rato de esgoto, olhos fosforescente e um horrível rabo fino e comprido, que foi logo perguntando:
— Você tem autorização para navegar? Então? Ande, mostre-a logo, sem discutir.
O soldadinho não respondeu, e o barquinho continuou seu incerto caminho, arrastado pela correnteza. Os gritos do rato do esgoto exigindo a autorização foram ficando cada vez mais distantes.
Enfim, o soldadinho viu ao longe uma luz, e respirou aliviado; aquela viagem no escuro não o agradava nem um pouco. Mal sabia ele que, infelizmente, seus problemas não haviam acabado.
A água do esgoto chegara a um rio, com um grande salto; rapidamente, as águas agitadas viraram o frágil barquinho de papel.
O barquinho virou, e o soldadinho de chumbo afundou.
Mal tinha chegado ao fundo, apareceu um enorme peixe que, abrindo a boca, engoliu-o.
O soldadinho se viu novamente numa imensa escuridão, espremido no estômago do peixe. E não deixava de pensar em sua amada: “O que estará fazendo agora sua linda bailarina? Será que ainda se lembra de mim?”.
E, se não fosse tão destemido, teria chorado lágrimas de chumbo, pois seu coração sofria de paixão.
Passou-se muito tempo — quem poderia dizer quanto?
E, de repente, a escuridão desapareceu e ele ouviu quando falavam:
— Olhe! O soldadinho de chumbo que caiu da janela!
Sabem o que aconteceu? O peixe havia sido fisgado por um pescador, levado ao mercado e vendido a uma cozinheira. E, por cúmulo da coincidência, não era qualquer cozinheira, mas sim a que trabalhava na casa do menino que ganhara o soldadinho no aniversário.
Ao limpar o peixe, a cozinheira encontrara dentro dele o soldadinho, do qual se lembrava muito bem, por causa daquela única perna.
Levou-o para o garotinho, que fez a maior festa ao revê-lo. Lavou-o com água e sabão, para tirar o fedor de peixe, e endireitou a ponta do fuzil, que amassara um pouco durante aquela aventura.
Limpinho e lustroso, o soldadinho foi colocado sobre a mesma mesa em que estava antes de voar pela janela. Nada estava mudado. O castelo de papel, o pequeno bosque de árvores muito verdes, o lago reluzente feito de espelho. E, na porta do castelo, lá estava ela, a bailarina: sobre uma perna só, com os braços erguidos acima da cabeça, mais bela do que nunca.
O soldadinho olhou para a bailarina, ainda mais apaixonado, ela olhou para ele, mas não trocaram palavra alguma. Ele desejava conversar, mas não ousava. Sentia-se feliz apenas por estar novamente perto dela e poder amá-la.
Se pudesse, ele contaria toda sua aventura; com certeza a linda bailarina iria apreciar sua coragem. Quem sabe, até se casaria com ele…
Enquanto o soldadinho pensava em tudo isso, o garotinho brincava tranqüilo com o pião.
De repente como foi, como não foi — é caso de se pensar se o geniozinho ruim da cigarreira não metera seu nariz —, o garotinho agarrou o soldadinho de chumbo e atirou-o na lareira, onde o fogo ardia intensamente.
O pobre soldadinho viu a luz intensa e sentiu um forte calor. A única perna estava amolecendo e a ponta do fuzil envergava para o lado. As belas cores do uniforme, o vermelho escarlate da túnica e o azul da calça perdiam suas tonalidades.
O soldadinho lançou um último olhar para a bailarina, que retribuiu com silêncio e tristeza. Ele sentiu então que seu coração de chumbo começava a derreter — não só pelo calor, mas principalmente pelo amor que ardia nele.
Naquele momento, a porta escancarou-se com violência, e uma rajada de vento fez voar a bailarina de papel diretamente para a lareira, bem junto ao soldadinho. Bastou uma labareda e ela desapareceu. O soldadinho também se dissolveu completamente.
No dia seguinte. a arrumadeira, ao limpar a lareira, encontrou no meio das cinzas um pequenino coração de chumbo: era tudo que restara do soldadinho, fiel até o último instante ao seu grande amor.
Da pequena bailarina de papel só restou a minúscula pedra azul da tiara, que antes brilhava em seus longos cabelos negros.