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20/01/2012

O elefante furioso



Na floresta de Shaiva, na índia, vivia um sábio que tinha vários discípulos, aos quais falava sempre sobre pontos obscuros de doutrinas e religiões.
Certo dia este sábio ensinou palavras que provinham das escrituras sagradas:
"Deus reside em tudo do universo. Tanto no homem quanto na víbora. Tanto no elefante quanto na pedra solta na estrada."
Ajamila, o mais jovem dos discípulos, guardou fielmente os ensinamentos, profundos e filosóficos, ensinados pelo mestre.
E um dia, quando voltara de um monte onde fora buscar lenha, encontrou um homem que conduzia um elefante furioso.
O homem, que percebeu que não estava conseguindo dominar o animal, começou a gritar:
- Hei! Você, saia do caminho, o elefante está furioso!!
Em vez de fugir, o discípulo lembrou dos ensinamentos de seu mestre e pensou:
"Deus está naquele elefante.
Logo, não poderá me fazer mal, afinal, Deus não faz mal a ninguém." Então não se afastou. O elefante então atacou o imprudente e deixou-o atirado ao solo, ferido e sem sentidos.
Dois lenhadores que passavam por ali levaram o jovem até onde vivia o sábio. Quando recuperou os sentidos, Ajamila contou ao sábio o ocorrido e o motivo pelo qual ele não se afastou do elefante.
- Meu filho - explicou o sábio - é verdade que Deus está em todas as coisas, inclusive num elefante furioso.
Mas se estava manifestado no elefante, não deixava de estar igualmente em seu condutor. Por que não prestastes atenção nos conselhos cautelosos do homem, então?

Lenda árabe

19/01/2012

Uma lenda para a noite de S.João: A moura de Algoso



Algoso é uma pequena aldeia perdida nas serranias transmontanas. Diz uma lenda que ainda hoje por lá corre que, no tempo dos Mouros, existia nos arredores um bruxo famoso, conhecedor de mezinhas milagrosas e sabedor do passado e do futuro. Vivia num casebre um pouco afastado da povoação, mas nem a pobreza da sua casa, nem o afastamento da mesmo obstavam a que ali acorressem quantos acreditavam nas suas capacidades mágicas ou videntes.
Na verdade, ricos e pobres, de longe ou de perto, todos ali acudiam em busca de cura para os seus males, pedindo filtros de amor ou indagando sobre o que lhes reservaria o futuro. Em certos dias era uma autêntica romaria. E com tudo isto o bruxo criou fama e proveito de homem rico, apesar de continuar a viver no pobre casebre tentando fazer-se passar por miserável.
Entretanto, os cristãos iam avançando na reconquista do território ainda sobre a dependência dos Mouros e estavam a aproximar-se rapidamente de Algoso. Sabendo disto o bruxo, que não podia prever o seu próprio futuro, calculou que a ocupação cristã não viesse a ser muito demorada e decidiu esconder os seus tesouros, disposto a recuperá-los mais tarde, quando pudesse recuperar o seu oficio.
Assim pensando, escolheu o que poderia carregar consigo, e o restante, as jóias e o ouro, meteu-o num cofre de marfim chapeado a cobre. Feito isto, e como precisava de encontrar um bom esconderijo para a sua fortuna, partiu com o cofre debaixo do braço em demanda do melhor local.
Depois de muito procurar, achou que o melhor sitio era debaixo da fonte de S. João, debaixo das raízes de um enorme e belo chorão que derramava a sua sombra as águas. Pegou numa enxadinha e cavou um buraco apropriado ao tamanho do cofre. Meteu-o lá dentro, tapou-o com terra e disfarçou a obra com folhagem e gravetos.
Terminado o trabalho, levantou-se e olhou em volta. Espantado, viu uma mourinha que, descuidada, descia uma vereda da serra cantando uma velha canção. Convencido que a moura o vira esconder o cofre e estava agora disfarçando o caso, o bruxo encaminhou-se para ela, olhou-a com uma estranha fixidez, fez uns sinais misteriosos e, recitando certa oração antiga, lançou sobre a menina um encantamento, de tal modo que ela desapareceu no mesmo instante.
Casquinhando, esfregou as mãos, pegou nos seus haveres e desandou rapidamente para a floresta, donde nunca mais voltou. A lenda da moura de Algoso foi passando de boca em ouvido, de geração em geração.
A fonte de S. João de resto, continuava ali, lembrando a todos a desdita da mourinha encantada pelo bruxo e desafiando a coragem de quem sonhasse desencantá-la.
Uma noite, muito próxima da de S. João, uma rapaz de Algoso que se apaixonara pela história sonhou que via a moura na fonte. Mal acordou, decidiu que, desse lá por onde desse, havia de tentar ver na madrugada de S. João se a lenda era verdadeira. Além disso, como corria se alguém visse a moura nas suas horas felizes lhe podia fazer três pedidos, os quais seriam atendidos, o rapaz achou que, apesar do medo, era talvez vantajoso fazer aquela tentativa.
Na véspera de S. João, encaminhou-se para a fonte ainda antes de anoitecer por completo. Procurou um local para se esconder, um local de onde visse sem ser visto, e preparou-se para esperar pela meia noite sem fazer ruído algum. O velho chorão da fonte, já centenário, continuava lançando sobre a água os seus ramos lacrimejantes. Do outro lado, havia agora um belíssimo roseiral, donde provinha um perfume intenso quando todas as rosas abriam.
Chegou a meia noite. De repente o rapaz ouviu uma restolhada vinda das bandas do roseiral. Era uma enorme serpente que, rastejando, se dirigia para a fonte. Aí chegada, mergulhou três vezes. Qual não foi o espanto do moço quando viu aparecer sobre as águas uma menina: a moura da fonte e... mais bela do que tradição contava!
A moura saltou com leveza da rocha para o solo e, sentando-se na borda da fonte, começou a cantar uma suave canção que o marulhar da água acompanhava, enquanto ela ia passando um pente pelos seus cabelos loiros. Subitamente, uma corça apareceu vinda da floresta e, sem mostrar qualquer receio, aproximou-se da moura, que a afagou com ternura. A corça, num gesto de agradecimento, lambeu-lhe as babuchas de damasco azul.
Era realmente um espectáculo de beleza que o rapaz jamais esperava encontrar, E, acocorado no seu canto, esqueceu os três pedidos que queria fazer, esqueceu tudo, esqueceu-se até de si mesmo, até que, bruscamente, a moura parou de se pentear, debruçou-se no tanque e desatou num pranto irreprimível. Chorava, talvez, a dor da sua solidão sem fim.
Condoído, o rapaz fez um movimento para a consolar, esquecido do que não fosse aquela ânsia de ternura que dele se apoderara. Ao erguer-se, porém, fez estalar sob o corpo os ramos da sebe em que se escondera. A corça embrenhou-se rapidamente no mato e a moura desapareceu subitamente, evolando-se numa névoa sobre a águas da fonte de S. João de Algoso.


in Lendas Portuguesas de Fernanda Frazão