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31/10/2009

Avalor




Pela ribeira de um rio
Que leva as águas ao mar,
Vai o triste de Avalor,
Não sabe se há-de tornar.
As águas levam seu bem,
Ele leva o seu pesar;
E só vai, sem companhia,
Que os seus fora ele deixar;
117Cá quem não leva descanso
Descansa em só caminhar.
Descontra donde ia a barca,
Se ia o sol a baixar;
Indo-se abaixando o sol,
Escurecia-se o ar;
Tudo se fazia triste
Quanto havia de ficar.
Da barca levantam remos,
E ao som do remar
Começaram os remeiros
Da barca este cantar:
- «Que frias eram as águas!
Quem as haverá de passar?»
Dos outros barcos respondem:
- «Quem as haverá de passar?
Frias são as águas, frias,
Ninguém nas pode passar;
Senão quem pôs a vontade
Donde a não pode tirar.
118Tra’la barca lhe vão olhos
Quanto o dia dá lugar:
Não durou muito, que o bem
Não pode muito durar.
Vendo o sol posto contr’ele119,
Não teve mais que pensar;
Soltou rédeas ao cavalo
À beira do rio a andar.
A noite era calada
Pera mais o magoar,
Que ao compasso dos remos
Era o seu suspirar.
Querer contar suas mágoas
Seria areias contar;
Quanto mais ia alongando,
Se ia alongando o soar.
Dos seus ouvidos aos olhos
A tristeza foi igualar;
Assi como ia a cavalo
Foi pela água dentro entrar.
E dando um longo suspiro
Ouvia longe falar:
Onde mágoas levam olhos,
Vão também corpo levar.
Mas indo assi por acerto,
Foi c’um barco amarrado à terra,
E seu dono era a folgar.
Saltou assi como ia, dentro,
E foi a amarra cortar:
A corrente e a maré
Acertaram-no a ajudar.
Não sabem mais que foi dele,
Nem novas se podem achar:
Suspeitaram que foi morto,
Mas não é pera afirmar:
Que o embarcou ventura,
Pera só isso aguardar.
Mas mais são mágoas do mar
Do que se podem curar.


Romanceiro, Almeida Garrett

A Promessa

Certo dia, um homem afligido por problemas pessoais prometeu solenemente que se os mesmos fossem solucionados sua venderia casa e doaria o produto da venda aos pobres. Chegou finalmente a ocasião de cumprir a promessa. Mas como não desejava mais desfazer-se de tanto dinheiro, pensou num meio de contornar a situação. Colocou a casa à venda por uma moeda de prata. Mas junto com a casa o comprador teria que adquirir um gato. E o preço pedido pelo animal fora fixado em dez mil moedas de prata.
Apareceu alguém que comprou a casa e o gato. Aí o antigo dono deu a moeda de prata aos pobres e embolsou as dez mil outras.

29/10/2009

Lenda da Escola de Sagres

A Escola de Sagres constitui um dos grandes mitos da história portuguesa, resultante de deficientes interpretações de crónicas antigas.
Com base no pressuposto de que o infante D. Henrique convidou um cartógrafo catalão para se colocar ao seu serviço, muitos consideraram (logo a partir do século XVI, com Damião de Góis), que teria havido uma Escola Náutica em Sagres, fundada pelo Infante D. Henrique, por volta de 1417, no Algarve.
A escola, centro da arte náutica, teria assim formado grandes descobridores, como Vasco da Gama e Cristóvão Colombo. Após o seu regresso de Ceuta, o Infante D.
Henrique fixou-se em Sagres, na Vila do Infante, rodeando-se de mestres nas artes e ciências ligadas à navegação. .Aí cria uma Tercena Naval a que é comum chamar-se a " Escola de Sagres."
De facto, o que se criou não foi uma escola no moderno conceito da palavra, mas um local de reunião de mareantes e cientistas onde, aproveitando a ciência dos doutores e a prática de hábeis marinheiros, se desenvolveram novos métodos de navegar, desenharam cartas e adaptaram navios.
De acordo com os cronistas da época, largavam todos os anos dois ou três navios para as descobertas. O primeiro a mencionar a existência de uma escola foi o historiador inglês Samuel Purchas no século XVII, embora já antes Damião de Góis aludisse à ideia de uma Escola patrocinada pelo Infante. O mito foi depois consolidado por historiadores portugueses e ingleses, até que Luís de Albuquerque, "Dúvidas e Certezas na História dos Descobrimentos Portugueses" (Lisboa, 1990, Páginas 15 a 27), demonstrou tratar-se de um mero mito. A verdadeira Escola de Sagres, era a escola da vida dos marinheiros portugueses. Uma escola feita de saberes acumulados, que nos foram legados por povos diferentes que por cá se instalaram, dos romanos aos muçulmanos, a partir dos quais soubemos fazer a síntese e as adaptações que nos permitiram encabeçar a revolução técnica marítima e comercial que foram os Descobrimentos Portugueses.




24/10/2009

Parábola do Joio

Em sua Parábola do Joio, Jesus fala-nos do triste facto de que, nesta vida temporal, juntamente com os membros crédulos e bons do Reino de Deus, convivem também os membros indignos, os quais, distintamente aos filhos do Reino, Cristo chama de "filhos do astuto." Esta parábola é assim narrada pelo Evangelista Mateus:


"O reino de Deus é semelhante ao homem que semeia boa semente no seu campo. Mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou o joio no meio do trigo, e retirou-se. E, quando a erva cresceu e frutificou, apareceu também o joio. E os servos do pai de família, indo ter com ele, disseram-lhe : "Senhor, não semeaste tu no teu campo boa semente? Por que tem então joio?" E ele lhes disse: "Um inimigo é quem fez isso." E os servos lhe disseram: "Quereis pois que vamos arrancá-lo?" Porém ele lhes disse: "Não, para que ao colher o joio não arranqueis também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até a ceifa. E, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: colhei primeiro o joio e atai-o em molhos para o queimar; mas o trigo ajuntai-o no meu celeiro" (Mat. 13:24-30).

plantacao-de-trigo-guilherme-matter.jpg campo de trigo image by rosarinho9

Parábola da Videira




Eu sou a videira verdadeira e Meu Pai é o agricultor. Toda a vara que em Mim não dá fruto, Ele corta-a, e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto. Vós já estais limpos, devido à palavra que vos tenho dirigido. Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós. Como a vara não pode dar fruto por si mesma, se não estiver na videira, assim acontecerá convosco, se não estiverdes em Mim. Eu sou a videira, vós as varas; quem está em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto; porque sem Mim nada podeis fazer. Se alguém não estiver em Mim, será lançado fora, como a vara, e secará; lançá-lo-ão ao fogo e arderá. Se vós estiverdes em Mim e as Minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á concedido. Dando vós muito fruto, Meu Pai, é glorificado; e assim sereis Meus discípulos.


23/10/2009

Lenda da Dama do Pé de Cabra


D. Diogo Lopes, nobre senhor da Biscaia, caçava nos seus domínios, quando foi surpreendido por uma linda mulher que cantava. Ofereceu-lhe o seu coração, as suas terras e os seus vassalos se com ele se casasse. A dama impôs-lhe como única condição a de ele nunca mais se benzer. Mais tarde, no seu castelo, D. Diogo apercebeu-se que a dama tinha um pé forcado como o de uma cabra. Viveram muitos anos felizes e tiveram dois filhos: Inigo Guerra e Dona Sol.
Um dia, depois de uma boa caçada, D. Diogo premiou o seu grande alão com um grande osso, mas a podenga preta de sua mulher matou o cão para se apoderar do pedaço de javali. Surpreendido com tal violência, D. Diogo benzeu-se. A Dama de Pé de Cabra deu um grito e começou a elevar-se no ar, com a sua filha Dona Sol, saindo ambas por uma janela para nunca mais serem vistas. Com o desgosto, D. Diogo decidiu ir guerrear os mouros durante anos, tendo ficado cativo em Toledo. Sem saber como resgatar o pai, D. Inigo resolveu procurar a mãe que se tornara, segundo uns, numa fada, segundo outros, numa alma penada. A Dama de Pé de Cabra decidiu ajudar o filho, dando-lhe um onagro, uma espécie de cavalo selvagem, que o transportou a Toledo. Aí, o onagro abriu a porta da cela com um coice e pai e filho cavalgaram em fuga, mas, no caminho, encontraram um cruzeiro de pedra que fez o animal estacar. A voz da Dama de Pé de Cabra instruiu o onagro para evitar a cruz. Ao ouvir aquela voz, depois de tantos anos e sem saber da aliança do filho com a mãe, D. Diogo benzeu-se, o que fez com que o onagro os cuspisse da cela, a terra tremesse e abrisse, deixando ver o fogo do Inferno, que engoliu o animal. Com o susto, Pai e filho desmaiaram. D. Diogo, nos poucos anos que ainda viveu, ia todos os dias à missa e todas as semanas se confessava. D. Inigo nunca mais entrou numa igreja e crê-se que tinha um pacto com o Diabo, pois, a partir de então, não havia batalha que não vencesse.

22/10/2009

A ama

Pansando-vos estou filha,
Vossa mãe me está lembrando;
Enchem-se-me os olhos de água,
Nela vos estou lavando.

Nasceste, filha, entre mágoa;
Para bem inda vos seja!
Pois em vosso nascimento
Fortuna vos houve inveja.

Morto era o contentamento
Nenhuma alegria ouvistes;
Vossa mãe era finada,
Nós outro éramos tristes.

Nada114 em dor, em dor criada,
Não sei onde isto há-de ir ter:
Vejo-vos, filha, fermosa,
Com olhos verdes crescer.

Não era esta graça vossa
Pera nascer em desterro:
Mal haja a desaventura
Que pôs mais nisto que o erro!

Tinha aqui sua sepultura
Vossa mãe, e a mágoa a nós!
Não éreis vós, filha, não,
Pera morrerem por vós.

Não ouvem fados razão,
Nem se consentem rogar;
De vosso pai hei mor dó,
Que de si se há-de queixar.

Eu vos ouvi a vós só
Primeiro que outrem ninguém;
Não fôreis vós se eu não fora:
Não sei se fiz mal se bem.

Mas não pode ser, senhora,
Pera mal nenhum nascerdes,
Com esse riso gracioso
Que tendes sob olhos verdes.

Conforto, mas duvidoso,
Me é este que tomo assi!
Deus vos dê melhor ventura
Do que tiveste te aqui.

A Dita e a Fermosura,
Dizem patranhas antigas,
Que pelejaram um dia,
Sendo dantes muito amigas.

Muitos hão115 que é fantesia:
Eu, que vi tempos e anos,
Nenhuma coisa duvido
Como ela é azo de danos116

Nem nenhum mal não é crido,
O bem só é esperado:
E na crença e na esperança,
Em ambas há hi cuidado,
Em ambas há hi mudança.


Romanceiro, Almeida Garrett




As orelhas do Abade


Um sujeito bom caçador convidou o abade da sua freguesia para ir comer com ele duas perdizes guisadas, e deu-as à mulher para as cozinhar. A mulher, raivosa por não contarem com ela, cozinhou as perdizes e comeu-as. Nisto chega o abade muito contente, e diz-lhe a mulher:
- Fuja, senhor abade, que o meu homem jurou que lhe havia de cortar as orelhas, e isto das perdizes foi um pretexto para cá o pilhar.
O abade não quis ouvir mais, e ele por aqui me sirvo.
O marido chega, e diz-lhe a mulher:
- O abade aí veio, viu as perdizes, e não queria esperar mais por ti, pegou nelas ambas e foi-se embora.
O homem vem à porta da rua, e ainda vê o abade fugindo, e começa de cá a gritar:
- Ó senhor abade! Pelo menos deixe-me uma.
- Nem uma, nem duas! – respondeu ele lá de longe.


Teófilo Braga, In Contos tradicionais portugueses

21/10/2009

Tristão e Isolda




Tristão e Isolda é uma lenda medieval de origem céltica, que constitui uma das mais belas histórias de amor alguma vez concebidas. As primeiras versões escritas datam do século X. Os trovadores anglo-normandos de língua francesa e a rainha Leonor de Aquitânia contribuíram para a sua difusão na Europa.
Conta-se que Tristão ficou órfão, despojado injustamente da sua herança por vassalos de seu pai. Foi recolhido pelo tio, o rei Marco, da Cornualha, que o ajudou a tornar-se num cavaleiro da Távola Redonda. Tristão venceu a batalha contra o gigante Morolt, mas ficou gravemente ferido. Os seus ferimentos só poderiam ser curados pela magia da Rainha da Irlanda, grande inimiga do seu tio. Antes de se dirigir ao castelo da Rainha, Tristão disfarçou-se de músico, tomou o nome de Tãotris e tornou-se professor de música da princesa Isolda, a Loura . Tristão, já curado, matou um cruel dragão, em Weisefort, na Irlanda, e voltou para o castelo de seu tio Marco, a quem descreveu a beleza de Isolda com a qual o jovem tinha ficado impressionado.
O rei Marco ficou contente com as palavras do sobrinho, que o inspiraram a encontrar uma solução para acabar com a velha inimizade entre os dois reinos. Mandou, então, um emissário ao reino da Irlanda para que pedisse, em seu nome, a mão de Isolda. A Rainha da Irlanda concordou com o casamento e organizou um banquete. Para que nascesse uma paixão forte e duradoura entre Marco e Isolda, a Rainha mandou fabricar uma poção mágica do amor para lhes servir.
Durante o banquete, por descuido, os copos que tinham a poção mágica foram trocados e servidos a Tristão e Isolda, que se apaixonaram imediatamente. No entanto, a cerimónia do casamento entre Marco e Isolda prosseguiu. Tristão e Isolda, vivendo uma paixão incontrolável, decidiram encontrar-se às escondidas para viver o seu amor. Um dia, foram surpreendidos pelo rei Marco, que, magoado com a traição, os expulsou do castelo.
Os enamorados vaguearam durante muito tempo, sem qualquer ajuda, até que chegaram a um ponto de grande pobreza e debilidade física. Compadecido, Marco recolheu Isolda no castelo e enviou Tristão para bem longe, em França, onde este chegou a casar-se com uma outra jovem, filha do Duque da Bretanha, também chamada Isolda. A jovem, que era conhecida como Isolda, a das Mãos Brancas , nunca conseguiu ver retribuído o amor que sentia por Tristão e este nunca consumou o casamento, dado que continuava fiel ao seu primeiro amor. Passado algum tempo, Tristão ficou ferido noutra batalha e pediu à sua amada Isolda, a Loura , que tinha herdado os dotes mágicos de cura da Rainha da Irlanda, que viesse socorrê-lo. Combinaram então que, se o navio, que tinha enviado com o emissário, voltasse com velas brancas, a resposta de Isolda, a Loura , seria afirmativa; mas, se as velas fossem negras, ela não poderia vir. Isolda, a das Mãos Brancas , com ciúmes, resolveu vingar-se da indiferença do marido, dizendo-lhe que o navio tinha chegado com as velas negras porque Isolda tinha falecido durante a viagem. Tristão não suportou a perda de Isolda e morreu de desgosto. Quando Isolda, a Loura , encontrou Tristão sem vida, sentiu uma grande dor e morreu também de desgosto, abraçada ao corpo de Tristão. Foram enterrados lado a lado. Diz a lenda que das sepulturas nasceram duas árvores que cresceram entrelaçadas para que nunca fossem separadas.



Lenda da Fonte da Moura

Diz a lenda que um grupo de cavaleiros, liderado por D. Afonso Henriques, viajava já há dias pelos campos. Cheios de sede, os cavaleiros procuravam uma fonte. No caminho, encontraram uma jovem moura fugitiva e perguntaram-lhe se sabia onde encontrar uma fonte ali perto. Ela respondeu-lhes que a fonte ficava muito longe daquele lugar. Em tom de desafio, acrescentou que se o Deus dos cristãos era assim tão poderoso, então que fizesse nascer ali mesmo uma fonte. Talvez ela se convertesse ao cristianismo. D. Afonso Henriques desceu do cavalo e retirou-se para rezar. De repente, ouviu-se um barulho e um jacto de água límpida e fresca formou um pequeno regato. Os cavaleiros ajoelharam-se perante o milagre e a jovem moura prometeu dedicar a sua vida ao Deus cristão. A fonte ficou para sempre conhecida como a Fonte da Moura.



Lenda da Cova Encantada ou da casa da Moura Zaida


No tempo em que os Mouros dominavam Sintra, um cavaleiro nobre cristão foi feito prisioneiro. Zaida, a filha do alcaide, apaixonou-se por ele. Um dia, o resgate foi pago e o cavaleiro libertado. Apaixonado também por Zaida, o cavaleiro pediu-lhe para fugirem. Zaida recusou, mas pediu-lhe para nunca mais a esquecer. O nobre cavaleiro voltou para a sua família. Tentou esquecer Zaida nos campos de batalha mas não conseguiu. Decidiu atacar de novo o castelo de Sintra. Durante esse combate, o nobre cavaleiro tombou ferido. Zaida arrastou-o através de uma passagem secreta até uma sala escondida numas grutas. Enquanto enchia uma bilha de água para levar ao seu amado, foi atingida por uma seta e caiu ferida. O cavaleiro cristão juntou-se ao corpo da sua amada. Mais tarde, os dois foram encontrados já sem vida.
Diz a lenda que, em certas noites de luar, aparece junto à cova uma formosa donzela vestida de branco a encher uma bilha de água, desaparecendo de seguida após um doloroso gemido.
Na serra de Sintra existe uma rocha com um corte, perto do Castelo dos Mouros. Diz a tradição que o corte marca a entrada para uma cova que tem comunicação com o castelo. É conhecida por Cova da Moura ou Cova Encantada.

Lenda da Caparica





Há muitos anos, quando a Caparica era apenas um local ermo, apareceu por lá uma criança pobre muito bonita. Ninguém sabia donde vinha. Apesar disso, um velho da freguesia da Senhora do Monte tomou conta dela. A criança trazia aos ombros uma velha capa. O velho reparou que a capa era de boa qualidade, provavelmente pertencente a uma família rica ou mesmo nobre. Passados alguns anos, a menina tornou-se uma bela jovem. O velho estava às portas da morte e pediu-lhe, como última vontade, que pusesse a sua capa por cima dele para o aquecer naqueles momentos. Quando o velho morreu, juntou o pouco dinheiro que restava para lhe dar uma sepultura digna. A jovem ficou a viver naquele casebre e envelheceu sozinha. Na hora da sua morte, descobriu que a capa era afinal rica, pois tinha encontrado uma verdadeira riqueza escondida no seu forro. Junto do seu corpo, encontraram uma carta dirigida ao rei. Nela pedia que utilizasse o tesouro para transformar aquela costa numa terra onde houvesse saúde e alegria para todos. Reza a lenda que foi assim que surgiu a Costa da Caparica.

Eros e Psique



Eros, o deus grego do amor e do desejo, conhecido na mitologia romana como Cupido, é filho de Afrodite e de um dos prováveis deuses: Ares, ou Hermes, ou Zeus. Sendo o mais jovem dos deuses, Eros é geralmente representado como uma criança alada, com arco e flecha, pronto a disparar sobre o coração de deuses e de mortais, suscitando-lhes o desejo e o amor. As flechas eram de dois tipos: as douradas, de penas de pomba, que suscitavam o amor, e as flechas de chumbo, com penas de coruja, que causavam a indiferença. Frequentemente com os olhos vendados para simbolizar a cegueira do amor, Eros tornava-se perigoso para os demais, pois disparava setas em todas as direcções, chegando mesmo a atingir a própria mãe, que o castigava retirando-lhe as asas e o arco.
Uma das lendas mais conhecidas do deus do Amor é a aventura amorosa com Psique, nome que em grego significa alma.
Psique era uma princesa de uma beleza tão exultante que fazia ciúmes à própria Afrodite. Esta deusa deu instruções ao filho, Eros, para punir a audácia da princesa, fazendo com que esta se apaixonasse pelo homem mais feio do mundo, e Eros obedeceu. O pai da jovem, verificando que Psique era a única das suas três filhas que ainda não tinha casado, resolveu consultar o oráculo. Este revelou-lhe que deveria preparar Psique como para uma cerimónia nupcial e, em seguida, abandoná-la numa montanha junto de um rochedo, onde um monstro, seu futuro marido, a iria buscar. Assim se passou e, enquanto aguardava resignada a sua triste sorte, Psique foi recolhida pelos braços de Zéfiro, que a levou para um lindo palácio. Psique estava quase a adormecer, quando um ser misterioso apareceu na escuridão do seu quarto e lhe disse que era o marido a quem ela estava destinada. Era o belo Eros que desempenhava o papel de marido, tentando desta forma executar o castigo que Afrodite pedira, mas, ao ver Psique, apaixonou-se imediatamente por ela. Antes de desaparecer, pouco antes do amanhecer, Eros obrigou Psique a jurar que nunca tentaria ver o seu rosto.
Com o passar do tempo, Psique apaixonou-se pelo ser misterioso até que um dia, ao visitar as irmãs, invejosas da sua felicidade, foi instigada a ver o rosto do seu marido. Então, curiosa, Psique resolveu seguir o conselho das irmãs. Assim, enquanto o marido estava a dormir silenciosamente, Psique acendeu uma vela e, em vez do monstro, encontrou o belíssimo Eros. Aproximando-se para o ver melhor, deixou cair uma gota de cera no ombro do deus. Eros acordou e, furioso, reprimiu-a pela sua curiosidade e pela quebra da promessa que lhe tinha feito e retirou-se. Ao mesmo tempo, desapareceu o palácio e Psique encontrou-se, de novo, na montanha, onde, desgostosa, tentou suicidar-se, atirando-se a um rio, mas as águas levaram-na de volta às margens. A partir de então, vagueou pelo mundo à procura do seu amor, e, perseguida pela ira de Afrodite, foi sujeita a muitos perigos que conseguiu vencer devido a uma misteriosa protecção. Finalmente, Eros, impressionado pelo arrependimento de Psique e pela fidelidade do seu amor, implorou a Zeus que deixasse Psique juntar-se a ele. Zeus concedeu a imortalidade a Psique, Afrodite esqueceu os seus ciúmes e o casamento foi celebrado, no Olimpo, com grandes festejos.
Nos vasos gregos antigos, Psique é representada com corpo de pássaro e cabeça humana ou como uma borboleta. Uma obra de arte que popularizou o mito de Eros e Psique é a obra escultórica de António Canova (1757-1822), na qual "Psique é reanimada pelo beijo de Eros", e que se encontra no Louvre, em Paris (França).

Abundância e Penúria

Duas pequenas ilhas, uma em frente da outra, separadas pelo mar. Uma era a Abundância: era fértil e produzia, em grande quantidade, fruta e trigo dourado; a outra era a Penúria: pedregosa e estéril, tinha pouca água e a fruta e o trigo eram ali escassos.
Os habitantes da Penúria eram todos pobres e era para eles muito difícil prover à sua mísera subsistência. Entre os habitantes da Abundância, havia o senhor Interesse, que amiúde subia a um pequeno outeiro para contemplar a Penúria, que estava do outro lado. Homem bondoso desfazia o que eu é preciso e poderíamos dar-nos ao luxo de repartir tudo com a Penúria. Vou convidá-los a unir-se a nós.
O senhor interesse desceu depressa o outeiro e atirou-se à água. Como era excelente nadador, chegou em poucas horas à desolada praia da Penúria. Os ilhéus depressa se juntaram à volta dele, surpreendidos com a visita de um estrangeiro. Perguntaram-lhe o que queria.
- Vim convidá-los todos a irem comigo para a Abundância, respondeu amavelmente. Ali poderias participar de grande riqueza que a nossa ilha fértil produz. É só descansar um pouco; amanhã de manhã iremos, como espero, todos juntos.
Os cidadãos da Penúria puseram-se a discutir a proposta do senhor Interesse e depressa chegaram a uma conclusão: todos deveriam aceitar o seu generoso convite. Na manhã seguinte, ao raiar do dia, estavam todos prontos para se meterem ao mar. Alguns dos habitantes da Penúria levaram consigo pequenas bolsas, em que tinham metido os seus bens mais preciosos: dinheiro, pedras resplandecentes e jóias. Postas as bolsas ao ombro, seguiam animadamente o senhor Interesse através do mar.
Este, uma vez regressado á sua ilha da Abundância, sentiu-se aliviado e satisfeito pelo êxito da missão. Começou a contar com regozijo os vizinhos da Penúria que tinham conseguido alcançar com ele terra firme.
Então, com grande horror de sua parte, ao terminar de contar, deu-se conta, demasiado tarde, de que os únicos que tinham completado a travessia eram as crianças e outras pessoas que não traziam bolsas e tiracolo, todos os outros se tinham afogado.



A estrelinha Tlim Tlim


Um conto de Cabo Verde




Num certo lugar do Céu mora uma estrela muito bonita, como um candeeirinho que Deus aí pôs para iluminar aquele sítio.
A Estrelinha Tlim Tlim ia fazer anos e os amigos resolveram oferecer-lhe a festa mais bonita que ela podia imaginar.
O Senhor Cometa mais o Senhor Vento ficaram encarregues de levar os convites, porque andam muito depressa e conhecem todos os caminhos do céu.
No dia do aniversário da Tlim Tlim havia muito movimento no espaço, com os convidados que chegavam de toda a parte.
As pessoas na Terra, que olhavam para o céu naquela noite, pensavam que havia uma chuva de estrelas e quando as viam passar, benziam-se e diziam: “Deus te guie”.
Os meninos ao verem uma noite tão diferente e tão bonita pediram aos pais que os deixassem ficar na rua por mais algum tempo e, coisa estranha, os pais consentiram, muito sorridentes.
À medida que os convidados da festa iam chegando, entregavam as prendas à Estrelinha Tlim Tlim. Eram abraços das Ilhas Atlânticas, flores dos desertos de Angola, sorrisos de Portugal, missangas de Moçambique, um leque feito com palmas das palmeiras do Brasil.
O Senhor Frio entrou e abraçou a Estrelinha Tlim Tlim, que ficou a tremer. Mas, felizmente, chegou o Senhor Calor da Guiné, que deu um beijo grande e quente à Estrelinha Tlim Tlim. Quando a Lua chegou, toda sorridente, com um vestido bordado com espuma do Mar, com os cabelos penteados pelo Senhor Vento, todos olharam para a prenda que levava.
Era um frasco muito pequeno e com um laço cor-de-rosa, que brilhava como ouro e que deixava um rasto no ar como se fosse um cometa.
A Senhora Lua explicou que era um perfume, que lhe tinha sido dado por uns homens da Terra, quando em tempos a tinham visitado.
Todos se lembravam da primeira viagem à Lua, pelos habitantes da Terra, e quiseram pôr um pouco de perfume.
Na confusão caiu uma gota de perfume em São Tomé e Príncipe e dizem que, até hoje, as montanhas de lá conservam aquele cheiro.
Entretanto, já era noite alta e o Senhor Sol encarregue de fechar a festa, avisou que estava na hora de cada um ir para sua casa, porque ele ia começar um novo dia no outro lado do mundo.
As Estrelas e os Planetas, os Cometas e o Vento, as Nuvens e o Orvalho, o Calor, o Frio e a Neve e todos os convidados que estavam a dançar, rodearam a Estrelinha Tlim Tlim e despediram-se dela cantando o “Parabéns a Você “, tocado pela Senhora Chuva e sua Orquestra.
Naquela madrugada choveu em Cabo Verde.


Ana Isabel Castanheira

20/10/2009

Lenda da Dona Branca ou da tomada de Silves aos Mouros

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Em Silves, reinava o mouro Ben-Afan. Um dia, no intervalo das suas lutas contra os cristãos, teve um sonho extraordinário. O sonho começou por ser um pesadelo, com tempestades e vampiros, mas transformou-se numa visão de anjos, música e perfumes. Terminou com o rosto de uma mulher, divinamente bela, com uma cruz ao peito. No dia seguinte, Ben-Afan procurou a fada Alina, sua conselheira, que lhe revelou que tinha sido ela própria a enviar-lhe o sonho. Este significava que a sua vida iria mudar. Deu-lhe então dois ramos, um de flor de murta e outro de louro, significando respectivamente o amor e a glória. Consoante os ramos murchassem ou florissem, assim o rei deveria seguir as respectivas indicações. Enviou-o ao Mosteiro de Lorvão e disse-lhe que lá o esperava a mulher da sua vida: Branca, princesa de Portugal. Ben-Afan entrou no mosteiro disfarçado de eremita. Ambos ficaram apaixonados quando se viram. O rei mouro voltou ao seu castelo e preparou os seus guerreiros para o rapto da princesa. Branca de Portugal e Ben-Afan viveram a sua paixão sem limites, esquecidos do mundo e do tempo. O ramo de murta mantinha-se viçoso. Um dia, D. Afonso III, pai de Branca, cercou a cidade de Silves e Ben-Afan morreu na batalha que se seguiu. Nas suas mãos foram encontrados um ramo de murta murcho e um ramo de louro viçoso.


19/10/2009

Yugong remove montanhas

A fábula “Yu Gong remove montanhas” é muito famosa na China. Trata-se duma lenda do livro Liezi, uma coletânea de contos e lendas populares produzidas por volta no século IV a.C.
Dizem que, em tempos remotos, havia um ancião chamado próximo de comemorar 90 anos chamado Yu Gong. “Yu Gong” significa, em chinês, “velho tolo”. Frente à sua casa, havia duas grandes montanhas, Taihang e Wangwu, que dificultava as comunicações.
Um dia, Yu Gong convocou uma reunião da família, dizendo: “Estas duas grandes montanhas impedem nossa pasagem e nos obrigam a dar grandes voltas. O que acham de removê-las?”
Os filhos e netos de Yu Gong disseram: “Está bom. Mãos à obra amanhã!” Mas, a mulher de Yu Gong era contrário, pois julgava uma tarefa cheia de grandes dificuldades: “Já vivemos aqui há muitos anos, porque não vamos continuar a vida como ela é agora? As montanhas são grandes e se podemos removê-las, onde vamos colocar tantas pedras e tantas terras?”
As palavras da esposa de Yu Gong provocaram uma discussão, pois tinham razão. Finalmente, todos concordaram em transportar as terras e pedras das montanhas para o mar.
No dia seguinte, Yu Gong e sua família começaram a derrubar as montanhas a golpes de picareta.
Vendo-os nesse trabalho, um outro ancião, chamado Zhi Sou, “velho inteligente” em chinês, desatou a rir e disse-lhes: “Que tolice! Vocês, sozinhos, nunca conseguirão arrasar essas duas montanhas!” Ao que Yu Gong respondeu: “Quando eu morrer, ficarão os meus filhos; quando por sua vez eles morrerem, ficarão os meus netos, e assim se sucederão, infinitamente, as gerações. Quanto a estas duas montanhas, são muito altas, mas já não podem crescrer e, a cada golpe de picareta, tornam-se cada vez menores. Por que razão, então, não acabaremos de arrasá-las?” Refutados os pontos de vista errados de Zhi Sou, Yo Gong continuou, inabalável, a escavar dia após dia, o que comoveu o Imperador Celestial que enviou então dois imortais à Terra para que removessem as duas montanhas.



Sonho

Certa vez o mestre taoista Chuang Tzu sonhou que era uma borboleta, voando alegremente aqui e ali. No sonho ele não tinha mais a mínima consciência de sua individualidade como pessoa. Ele era realmente uma borboleta. Repentinamente, ele acordou e descobriu-se deitado ali, uma pessoa novamente. Mas então ele pensou para si mesmo:
"Fui antes um homem que sonhava ser uma borboleta, ou sou agora uma borboleta que sonha ser um homem?"

18/10/2009

As orelhas da lebre


Conta-se que em noite escura
Certo animal cornifronte
Pôde ferir à traição,
Junto da encosta de um monte,
O rei das feras leão;

Que em despique mandou logo
Banir por ordens legais,
Para horror de tal delito,
Os bicornes animais
De todo aquele distrito:

Bois, veados, cabras, todos
Que na fronte armas traziam,
Aqueles sítios deixavam;
E os que logo o não faziam,
Da morte suportavam!

Cumprirem-se leis tão cruas,
Na sombra um dia observando
As longas orelhas suas,
Disse a um grilo titubeando:

"Ai! Que estas minhas orelhas
Por chifres se tomarão!
E, se houver um delator
Que o vá dizer ao leão,
Da lei me exponho ao rigor!"

"— Tu fazer de mim pateta?
Fala, tola; pois é crível,
Lhe disse o grilo em bom ar,
Que um par de orelhas flexível
Possa por chifres passar?"

"— Sim, disse ela; e por que não?
Tenho-os visto mais pequenos".
Tornou-lhe o grilo: "Vaidosa!
Se os teus fumos fossem menos,
Serias mais venturosa.

Quem és conhece, e descansa;
Porque sempre que supomos,
Pela vaidade que temos,
Ser aquilo que não somos,
Mil incómodos sofremos".

Curvo Semedo (Trad.)

17/10/2009

Eleição do Rei Vamba

O reinado visigótico de Vamba durou de 672 a 680 e a lenda da sua eleição está rodeada de aspectos sobrenaturais e místicos. Apesar de ser de sangue real, Vamba vivia como um lavrador pobre, à época em que o rei Recesvindo morreu sem deixar herdeiros. O conselho dos godos da Península não conseguiu chegar a acordo para nomear um sucessor e pediu ajuda ao Papa que, sem saber o que decidir, se pôs a rezar por uma solução. Foi então que Deus lhe revelou a existência de Vamba e da sua linhagem real e lhe disse que o futuro rei seria encontrado a lavrar a terra com um boi branco e um boi vermelho. Os embaixadores regressaram com a indicação papal e depressa o conselho godo enviou mensageiros por todo o reino, encontrando Vamba nas circunstâncias reveladas por Deus ao Papa. Mas Vamba não se achou à altura da escolha e, enterrando a sua vara de madeira no chão, disse que só seria rei quando a vara tivesse flores e frutos e, mal terminou de pronunciar as palavras, assim aconteceu. Vamba deu graças a Deus pelo sucedido e partiu com os mensageiros, na companhia da sua esposa.
A lenda diz que, quando Vamba foi ungido rei em Toledo, estando de joelhos em frente ao altar de Santa Maria, saiu-lhe da boca uma abelha que voou para o céu, o que significava que este rei honraria o seu título e o seu reino.
O rei Vamba ficou famoso pela sua coragem como guerreiro e pela legislação que promulgou durante o seu reinado.





16/10/2009

Chupa-cabras


Chupa-cabras é a designação de origem hispânica atribuída a um ser macabro, considerado de natureza mitológica, que atingiu fama mediática no início dos anos 90 do século XX, por via de pretensos ataques a animais que se tornaram notícias televisivas em todo o mundo. Trata-se de um ser que ataca diferentes espécies de animais em zonas agrícolas e rurais, quase sempre na América Latina (México, Argentina, Brasil, Chile) e no Sul do Estados Unidos (Texas).
Os ataques normalmente atribuídos ao chupa-cabras configuram actos bizarros, pois cadáveres dos animais mortos surgem completamente sugados do seu sangue, apenas se distinguindo marcas de fortes dentadas no pescoço. Os ataques devem ser fulminantes e sem capacidade de reacção ou defesa, ou mesmo de detecção do predador, pois as presas não apresentam sinais disso. Algumas teorias defendem até que os chupa-cabras conseguem hipnotizar as suas vítimas através do olhar, paralisando-as de terror e inacção.
Não há unanimidade quanto ao aspecto desta fera monstruosa, com as descrições da sua aparência e fisionomia a variar de região para região, como é também distinta a atribuição da sua origem e tipo de animal, caindo-se sempre na contradição descritiva. Uma das lendas mais populares, originária da América Central, a área de maior incidência dos seus ataques, apresenta-o como uma criatura pequena (1 metro), com pele esverdeada e escamosa, com olhos grandes e salientes e uma cabeça ovalada. Uma versão latina de uma outra aberração de origem pretensamente extraterrestre, o designado monstro cinzento de Roswell, localidade norte-americana onde se produziram as suas "aparições" mais marcantes, na primeira metade do século XX.
Outras versões fixam à besta um fácies canino numa estrutura humanóide, embora monstruosamente curvada, com a espinha dorsal saliente, como sucede em vários répteis (iguana) ou sáurios. O requinte anatómico de algumas descrições fantasiosas atribui à criatura também uma espécie de filamento bocal, o qual servirá, diz-se, para sugar o sangue das suas vítimas. Como outras criaturas criptozoológicas, o chupa-cabras também tem deixado eventuais pegadas, com distanciamentos entre as mesmas que podem ir até aos quatro metros, o que tem feito pensar que além e ser veloz é também um excelente saltador.
A primeira menção ao aparecimento do chupa-cabras remonta à década de 60 do século XX, mas como fenómeno mediático atinge o seu auge em finais dos anos 80 e princípios da década de 90, quando a sua fama televisiva chegou até a produzir um curioso merchandising da sua figura, com comercialização de artigos referentes ao tema (t-shirts, bonés, bonecos, etc.), um pouco à imagem daquilo que se passa na Escócia com o designado Monstro de Loch Ness (ou "Nessie").
Mas foi no ano de 1992, mais concretamente na ilha de Porto Rico, que o fenómeno do chupa-cabras ganhou foros de notoriedade televisiva, com a mediatização das mortes de muitos animais presumivelmente atacados pela dita besta. Muitos começaram por lhe chamar O Vampiro de Moca, porque as primeiras mortes deram-se na cidade de Moca, em Porto Rico. Depois, relatos similares aparecem em outras cidades e países, quase sempre latino-americanos e também no Texas, onde a cultura hispânica é forte.
Como em todos os fenómenos congéneres, a maior parte dos cientistas não cauciona a teoria do "chupa-cabras" enquanto monstruosidade feroz de origem mítica ou extra-terrestre, mas antes uma forma simplista e popular de explicar ataques fulminantes e súbitos de animais caninos ou felinos bravios, pois todos os restos da criatura deixados nas vítimas (pêlos) têm sido cientificamente (análise de ADN) relacionados com aqueles animais (cães selvagens ou lobos), além de que o esgotamento do sangue nas vítimas não estar também explicado ou ser demonstrável. Este esvaziar científico da tese mitológica do chupa-cabras ganhou peso em 2000, quando foi encontrado, na Nicarágua, um suposto cadáver de chupa-cabras. Mesmo sendo um cadáver de um corpo animal invulgar, pelas formas e dimensão, os testes e estudos científicos revelaram tratar-se de um cão selvagem de aparência maior e mais feroz, um híbrido talvez ou um espécime mais bizarro, como sucede em quase todos os mamíferos, por razões várias de evolução biológica.

As Unhas do Diabo

Em tempos que já lá vão, morreu um célebre escrivão que vivia em Ponte de Lima. O escrivão não era modelo de virtude ou honestidade. Tendo lesado muitas famílias, falsificava documentos e aceitava subornos que guardava numa arca escondida no sótão de sua casa. Era do consenso geral que aquela alma não tinha salvação possível e duvidava-se mesmo que tivesse direito a um enterro cristão.
No entanto, os frades franciscanos do Convento de Santo António ofereceram-se para sepultar o homem. À meia-noite do dia do enterro, os franciscanos foram acordados por três sonoras argoladas na porta do convento. Do outro lado, uma voz pedia-lhes para se reunirem na capela pois queria falar-lhes. Quando abriram a porta, entrou um vulto imponente e de olhar penetrante. Os frades assustados reparam que apesar de estar muito bem vestido tinha uns pés estranhos, chanfrados como os das cabras. O visitante dirigiu-se à capela onde estava sepultado o escrivão. Parando à frente da sua sepultura, retirou o corpo amortalhado e fez com que este vomitasse a hóstia que tinha na boca. Em seguida o vulto, mais negro e temível, elevou-se no ar com o corpo do defunto e saiu por uma janela com um grande estrondo. A comunidade correu para o adro e ainda conseguiu ver os dois corpos unirem-se num só e voarem pelos céus com uma risada diabólica, deixando atrás de si um rasto de cheiro a queimado.





A Moura do Castelo de Tavira


Castelo de Tavira

Aben-Fabila era o governador mouro da cidade de Tavira. Quando Tavira foi conquistada pelos cristãos, o mouro encantou a sua filha antes de partir. A intenção dele era reconquistar a cidade e assim resgatar a filha. Nunca o conseguiu.
Existe uma lenda que conta a história da grande paixão de um cavaleiro cristão, D. Ramiro, pela moura encantada. Quando D. Ramiro avistou a moura nas ameias do castelo, impressionou-se com a sua extrema beleza. Perdidamente apaixonado, resolveu subir ao castelo para a desencantar. A subida através dos muros da fortaleza não foi fácil. Demorou tanto a subir que conseguiu realizar o desencanto. A frustração do jovem cavaleiro foi tão grande que se empenhou com grande fúria nas batalhas contra os Mouros.
A tradição conta que, no castelo de Tavira, existe uma moura encantada que todos os anos, na noite de S. João, aparece para chorar o seu triste destino.

A Bilha de Água

Lenda da Bilha de S. Jorge

No dia da Batalha de Aljubarrota, encontravam-se os exércitos frente a frente, sob um sol abrasador. Temendo mais a sede que o exército inimigo, Nuno Álvares Pereira incumbiu Antão Vasques de procurar água, uma tarefa difícil dada a secura dos regatos. Após algum tempo, já desesperado, Antão Vasques desceu do cavalo, ajoelhou-se na terra poeirenta e pediu a S. Jorge que o ajudasse. No mesmo instante, surgiu uma camponesa com uma bilha de água. Quanto mais dela se bebia mais de água se enchia. Uma água que saciava a sede e renovava as forças e o espírito.
Os castelhanos atacaram, certos de encontrar os soldados enfraquecidos pela espera e pela sede. Mas os portugueses aguentaram firmes e, para grande surpresa dos castelhanos, ganharam a batalha.

A Abóbada


Esta lenda teve lugar na época de construção do Mosteiro da Batalha. O arquitecto do mosteiro chamava-se Afonso Domingues, mas devido à sua cegueira e idade avançada, foi afastado da obra. A conclusão do mosteiro tinha passado então para as mãos de um irlandês, o mestre Huguet, e Afonso Domingues não se conformava com o facto.
Um dia, D. João I foi visitar o mosteiro para assistir ao Auto de Celebração dos Reis. Vinha desejoso de visitar a Casa do Capítulo do Mosteiro, que mestre Huguet tinha recentemente concluído, seguindo o traçado dos projectos de Afonso Domingues, à excepção da abóbada que cobria o Capítulo. No entender do mestre irlandês, seria impossível concretizar a abóbada imaginada por Afonso Domingues por esta ser muito achatada. Sem consultar o mestre português, decidiu concluí-la de outra forma.
O irlandês Huguet estava no Capítulo, vangloriando-se da sua supremacia sobre o mestre português, quando reparou nas fendas que se abriam na abóbada e que ameaçavam a sua queda. Em pânico, entrou a correr pela igreja dizendo que o mestre Afonso Domingues lhe tinha enfeitiçado o trabalho. Pensando que o irlandês estava possuído pelo Demónio, os frades acorreram a exorcizá-lo. Huguet caiu desmaiado ao mesmo tempo que um tremendo estrondo anunciava a queda da abóbada da Casa do Capítulo, apenas 24 horas depois de ter sido concluída.
El-Rei D. João I nomeou novamente Afonso Domingues mestre das obras do mosteiro, pondo o irlandês sob as suas ordens. A construção da abóbada foi então retomada, agora seguindo o seu traçado primitivo. No dia em que foram retiradas as traves dos simples que sustentavam a abóbada, apenas foi deixada no centro da sala uma pedra onde ficou sentado Afonso Domingues. Este prometeu a Cristo que ficaria sentado na pedra, sem comer nem beber, durante três dias, como prova de que a abóbada não cairia. Ao fim do terceiro dia, El-Rei recebeu a triste notícia de que o grande arquitecto português estava morto. A abóbada não tinha caído.
Em memória de Afonso Domingues, foi esculpida uma estátua, da pedra sobre a qual acabou os seus dias. A estátua foi colocada na Casa do Capítulo.

15/10/2009

Zhou Ji aconselha o rei Qi a aceitar crítica

A obra Táticas dos Reinos Combatentes é um livro com mais de dois mil anos, que regista muitos factos históricos cheios de sabedoria.


O primeiro-ministro do reino Qi, Zou Ji, era um homem corpulento e elegante. Certa manhã, olhava-se no espelho depois de vestir-se bem e perguntou à esposa: “ Entre eu e o senhor Xu, que mora na zona norte da cidade, quem é o mais bonito?”
A senhora respondeu-lhe imediatamente como se tivesse a resposta na ponta da língua: “Claro que você é muito mais bonito!”
Zou Ji sabia que o sr Xu era famoso pela sua elegância. Desconfiado da resposta da esposa, perguntou à concubina: “Quem é mais bonito, eu ou o sr Xu?”
A resposta foi a mesma: “Ele não se compara com você”.
Pouco depois, chegou uma visita e Zou Ji formulou a mesma pergunta e logo teve a resposta: “O senhor é muito mais bonito do que o sr Xu”.
No dia seguinte, o sr Xu veio fazer-lhe uma visita. Zou Ji observou-o atentamente e quando o visitante se despediu, voltou a olhar-se no espelho e chegou à conclusão de que Xu era muito mais bonito do que ele.
À noite, já deitado, meditava: “Porque será que a minha esposa, a minha concubina e o meu visitante insistem em que sou mais bonito que o sr. Xu?” Pensava e repensava, compreendeu. Logo de manhãzinha, foi pedir uma audiência ao rei e disse-lhe: “Sei que não sou tão bonito como o sr. Xu, mas a minha esposa adora-me, a minha concubina teme-me e o meu visitante queria pedir-me um favor. Todos eles, queriam agradar-me e por isso encobriram a verdade e mentiram-me”.
E prosseguiu: “Nosso reino é grande. No palácio real, quem é que não adora o rei? Qual é o ministro ou o general que não o teme? Dos súbditos de todo o país, quem é que não pretende a sua protecção? Por isso, são inúmeros aqueles que o bajulam, e o rei deve ser muito enganado…”
O rei, aproveitando a lição, promulgou um decreto para valer em todo o país, segundo o qual seria premiado “quem quer que desse um conselho ou fizesse uma crítica ao rei”.
Nos primeiros meses após a promulgação do decreto, muitas pessoas foram fazer críticas ou oferecer conselhos ao rei, fazendo com que o pátio do palácio real estivesse tão cheio de gente como uma feira. Um ano depois, as pessoas não tinham o que criticar mesmo que quisessem. Inteirados do comportamento do rei Qi, os reinos Zhao, Han e Wei enviaram seus emissários ao reino Qi para apresentar seu respeito.

Entende-se nesta lenda que uma pessoa deve saber conhecer ela própria e não acredita cegamente nas palavras da sua gente íntima ou daqueles que peçam o favor dela.



Lenda da Moura da Ponte de Chaves



Depois da retoma de Chaves pelos Mouros ficou alcaide do castelo um guerreiro. Este organizou o noivado entre o seu filho Abed e a sua sobrinha. A bela jovem não recusara Abed, pois nenhum dos poucos mouros que ali ficaram lhe despertara paixão.
Uns anos depois, os cristãos iniciaram a conquista da região de Chaves, tendo mesmo atacado a cidade. O alcaide e seu filho encabeçaram a resistência moura e a defesa do castelo.
Numa ocasião, enquanto apreciava os combates, a sobrinha do alcaide fixou os olhos num belo guerreiro cristão que ganhava com os seus homens cada vez mais posições no castelo. No mesmo instante, surpreendido, o guerreiro parou a ofensiva. Interpelou-a acerca da presença de uma tão bela mulher num triste espectáculo daqueles e perguntou-lhe também se estava só. Quando a moura respondeu que vivia com o tio, alcaide do castelo, o guerreiro mandou levá-la imediatamente para o seu acampamento. A luta prosseguiu entretanto.
O castelo acabou por ser tomado. Contudo, a jovem moura manteve-se refém dos cristãos e passou a viver feliz com o cavaleiro que a raptara.
Abed nunca lhe perdoou. Depois de restabelecido de um ferimento de guerra, voltou a Chaves disfarçado de mendigo. Um dia, esperou que a sua prometida passasse na ponte e pediu-lhe esmola. A jovem estendeu a mão ao pedinte e, nesse momento, Abel olhando-a nos olhos, disse-lhe que ficaria para sempre encantada sob o terceiro arco da ponte. Só o amor dum cavaleiro cristão - não aquele que a levou - poderia salvá-la. Contudo, disse-lhe também que esse cavaleiro nunca viria. Depois destas palavras, a jovem moura, que tinha reconhecido Abed, desapareceu para sempre. Abed fugiu de seguida.
Desesperado, o guerreiro cristão que com ela vivia tudo fez para a encontrar. Procurou incessantemente na ponte e até pagou para que lhe trouxessem Abed vivo para quebrar o encanto. Mas a moura encantada da ponte de Chaves nunca mais apareceu e o cristão morreu numa profunda dor e saudade ao fim de alguns anos.

Lendas Portuguesas

A Morte do Lidador




Diz a lenda que Gonçalo Mendes da Maia, nomeado Lidador pelas muitas batalhas ganhas contra os Mouros, decidiu celebrar os seus 95 anos com um ataque ao famoso mouro Almoleimar. Sabia de antemão que o exército de Almoleimar era muito superior ao seu mas, mesmo assim, saiu da cidade de Beja com trinta cavaleiros e trezentos homens de armas.
A batalha começou e ambos os exércitos se debateram com coragem. Gonçalo Mendes e Almoleimar lutaram entre si. Um golpe fatal matou o mouro e outro deixou Gonçalo Mendes Maia ferido de morte. O Lidador, moribundo, perseguiu com os seus homens os mouros que se puseram em fuga. O esforço de um último golpe sobre um cavaleiro árabe agravou os ferimentos do Lidador, que caiu morto. Os cerca de sessenta cristãos sobreviventes celebraram com lágrimas esta última vitória do Lidador.

Todos dependem da boca...

Certo dia, a boca, com ar vaidoso, perguntou:
-Embora o corpo seja um só, qual é o órgão mais importante?
Os olhos responderam:
- O órgão mais importante somos nós: observamos o que se passa e vemos as coisas.
- Somos nós, porque ouvimos - disseram os ouvidos.
- Estão enganados. Nós é que somos mais importantes porque agarramos as coisas, disseram as mãos.
Mas o coração também tomou a palavra:
- Então e eu? Eu é que sou importante: faço funcionar todo o corpo!
- E eu trago em mim os alimentos! - interveio a barriga.
- Olha! Importante é aguentar todo o corpo como nós, as pernas, fazemos.
Estavam nisto quando a mulher trouxe a massa, chamando-os para comer. Então os olhos viram a massa, o coração emocionou-se, a barriga esperou ficar farta, os ouvidos escutavam, as mãos podiam tirar bocados, as pernas andaram... mas a boca recusou comer. E continuou a recusar.
Por isso, todos os outros órgãos começaram a ficar sem forças...
Então a boca voltou a perguntar:
- Afinal qual é o órgão mais importante no corpo?
- És tu boca, responderam todos em coro. Tu é o nosso rei!


Nota: todos nós somos importantes e, para viver,temos de aprender a colaborar uns com os outros...


"Eu conto, tu contas, ele conta... Estórias africanas",
org. de Aldónio Gomes, 1999

Os Segredos da Nossa Casa



Certo dia, uma mulher estava na cozinha e, ao atiçar a fogueira, deixou cair cinza em cima do seu cão.
O cão queixou-se:
- A senhora, por favor, não me queime!
Ela ficou muito espantada: um cão a falar! Até parecia mentira...
Assustada, resolveu bater-lhe com o pau com que mexia a comida. Mas o pau também falou:
- O cão não me fez mal. Não quero bater-lhe!
A senhora já não sabia o que fazer e resolveu contar às vizinhas o que se tinha passado com o cão e o pau.
Mas, quando ia sair de casa a porta, com um ar zangado, avisou-a:
- Não saias daqui e pensa no que aconteceu. Os segredos da nossa casa não devem ser espalhados pelos vizinhos.
A senhora percebeu o conselho da porta. Pensou que tudo começara porque tratara mal o seu cão. Então, pediu-lhe desculpa e repartiu o almoço com ele.


Comentário : é fundamental sabermos conviver uns com os outros,assegurar o respeito mútuo, embora às vezes seja difícil...

Conto moçambicano

14/10/2009

Dom Duardos

Era pelo mês de Abril,
De Maio antes um dia,
Quando lírios e rosas
Mostram mais sua alegria;
Era a noite mais serena
Que fazer no céu podia
Quando a formosa infanta,
Flérida já se partia;
E na horta de seu padre
Entre as árvores dizia:
- «Com Deus vos ficade, flores,
Que éreis a minha alegria!
Vou-me a terras estrangeiras
Pois lá ventura me guia;
E se meu pai me buscare,
Pai que tanto me queria,
Digam-lhe, que amor me leva,
Que por vontade não ia;
Mas tanto ateimou comigo
Que me venceu co´a porfia.
Triste, não sei onde vou,
E ninguém não mo dizia!...»
Ali fala Dom Duardos:
- «Não choreis minha alegria,
que nos reinos da Inglaterra
mais claras águas havia,
e mais formosos jardins,
e flores de mais valia.
Tereis trezentas donzelas
Da alta genealogia;
De prata são os palácios
Para vossa senhoria;
De esmeraldas e jacintos
E oiro fino de Turquia,
Com letreiros esmaltados,
Que minha vida se lia,
Contando das vivas dores
Que me destes nesse dia
Quando Primalião
Fortemente combatia:

Matastes-me vós, senhora,
Que eu a ele não o temia...»
Sua lágrimas enxugava
Flérida que isto ouvia.
Já se foram as galeras
Que Dom Duardos havia.
Cinqüenta eram por conta,
Todas vão em companhia.
Ao som do doce remar
A princesa adormecia
Nos braços de Dom Duardos,
Que tão bem a merecia.

Saibam quantos são nascidos
Sentença que não varia:
Contra a morte e contra o amor
Que ninguém não tem valia.


Romanceiro, Almeida Garrett

medieval-costumes-1.jpg (image)

[medieval-costumes-1.jpg]

13/10/2009

A Mula da Rainha Santa


D. Mafalda, filha preferida de D. Sancho I e irmã favorita de D. Afonso II, era uma jovem e bela princesa. Foi escolhida para mulher de D. Henrique, herdeiro do trono de Castela, que tinha apenas doze anos quando se tornou rei. Contrariada com o casamento do filho, D. Berengária, a mãe de D. Henrique, invocou ao Papa a consanguinidade dos jovens e o divórcio teve lugar antes da súbita morte do rei, aos 14 anos. D. Mafalda regressou a Portugal virgem, e assim se manteve até ao fim da sua vida, passando desde então a ser tratada por "rainha". Viveu os últimos anos da sua vida no Mosteiro de Arouca, onde recebeu o hábito de monja. Morreu aos 90 anos durante uma cobrança de foros e rendas em Rio Tinto. Os habitantes de Rio Tinto queriam que ela lá fosse sepultada, mas os de Arouca discordavam porque D. Mafalda tinha passado a sua vida no Mosteiro de Arouca. Foi então que alguém se lembrou que D. Mafalda costumava viajar de mula e sugeriu pôr-se o caixão em cima da mula. Para onde ela se dirigisse seria o local da sepultura da "rainha". Assim foi, a mula dirigiu-se para o Mosteiro de Arouca e morreu.
O sepulcro de D. Mafalda foi duas vezes aberto no século XVII e tanto o seu corpo como as suas vestes estavam incorruptos. Em 1793, o Papa Pio VI confirmou-lhe o culto com o título de beata.






12/10/2009

A Ilha dos Amores


O mito da Ilha dos Amores é contado por Luís de Camões, nos Cantos IX e X d'Os Lusíadas. Nestes cantos, é relatada a vontade da deusa Vénus em premiar os heróis lusitanos, com um merecido descanso e com prazeres divinos, numa ilha paradisíaca, no meio do oceano, a Ilha dos Amores. Nessa ilha maravilhosa, os marinheiros portugueses podiam encontrar todas as delícias da Natureza e as sedutoras Nereidas, divindades das águas, irmãs de Tétis, com quem se podiam alegrar em jogos amorosos. Durante um banquete oferecido aos Portugueses, a ninfa Sirena canta as profecias sobre a gente lusa que incluem as suas glórias futuras no Oriente. Em seguida, Tétis, a principal das ninfas, conduz Vasco da Gama ao topo de um monte "alto e divino" e mostra-lhe, de acordo com a cosmografia geocêntrica de Ptolomeu, a "máquina do mundo", uma fábrica de cristal e ouro puro, à qual apenas os deuses tinham acesso, e que se tornou também num privilégio para os Portugueses. Tétis faz a descrição da máquina do mundo e prediz feitos valorosos, prémios e fama ao povo português. Depois do descanso merecido, os Portugueses partem da ilha e regressam a Lisboa.
O mito da Ilha dos Amores, narrado por Camões, é fruto da sua imaginação, quer povoada dos lugares maravilhosos onde as suas viagens o levaram, quer influenciada pelas míticas ilhas da literatura grega ou de outras lendas árabes e indianas. A moral pagã opõe-se aqui à moral cristã, da mesma forma que os novos ventos da mudança do renascimento de inspiração grega se opõem às limitações e ao pensamento medíocre da Inquisição.
Neste episódio simbólico da Ilha do Amores, Camões tenta imortalizar os heróis lusitanos que tão grandes façanhas fizeram em nome de Portugal.




11/10/2009

O Devoto e a Prostituta

Um homem muito praticante foi morar numa casa onde tinha por vizinha uma prostituta. Pouco tempo depois começou a aperceber-se do constante ir e vir dos homens que recorriam aos serviços da mulher. Escandalizado, começou a recriminar cruelmente a sua vizinha.
- "Malvada! Arrepende-te da tua conduta. Para que a cada dia que passa tenhas consciência dos teus actos horríveis, colocarei à tua porta uma pequena pedra por cada pecado que cometas".
Dia após dia, aquele homem devoto foi colocando pequenas pedras à porta da sua vizinha. Vigiava dia e noite aquela mulher e contabilizava exactamente cada homem que ia visitá-la. Dessa maneira, em pouco tempo juntou-se um razoável monte de pedras à frente da sua porta.
A mulher chorava ao ver que o monte de pedras aumentava e o seu coração sofria. A vida tinha-a empurrado para aquela situação e ela era a primeira a lamentar-se.
Uma noite, um terramoto destruiu a aldeia e morreram o devoto e a prostituta.
As almas dos sois foram levadas imediatamente diante dos juízes celestiais. Depois de passarem a vida de ambos e conhecendo os mais profundos segredos dos seus corações, sentenciaram:
"Que a alma da mulher seja levada ao paraíso, e a do homem seja conduzida ao inferno!"
"Um momento!" - interveio o homem devoto. "Deve haver algum engano. Foi ela quem pecou incessantemente até à hora da morte. Ao contrário eu respeitei as regras da moral estabelecida."
Os juízes olharam um para o outro sem darem qualquer crédito ao que estavam a ouvir e disseram:
"Não há nenhum erro. A alma da mulher está pura e o seu coração também. O seu corpo pecou, mas a vida levou-a para um destino que não pôde contrariar. Dia e noite rezava para poder sair dessa situação que muito a fazia sofrer. Tu, ao contrário, tens o coração cheio de ressentimento, culpa e juízo contra ela. Em vez de sentires generosidade e compaixão por ela, contribuiste para aumentar a sua humilhação e vergonha. Assim, que se cumpra a sentença!".

07/10/2009

Beatriz e o Mouro




Em tempos que já lá vão, no Castelo de Almourol, vivia D. Ramiro, um nobre godo, com a sua mulher e uma filha única chamada Beatriz. D. Ramiro era um chefe guerreiro com fama de impiedoso e cruel. Um dia, no caminho de regresso a casa, já próximo do seu castelo, avistou duas belas mouras, mãe e filha, transportando água numa bilha. D. Ramiro pediu-lhes de beber, mas as mouras assustaram-se e deixaram cair a bilha de água que se partiu. Furioso, D. Ramiro matou-as com a sua lança. Antes de morrer, a moura mais jovem amaldiçoou o cavaleiro cristão e toda a sua descendência. O irmão da rapariga moura assistiu horrorizado às mortes. D. Ramiro levou o jovem mouro como escravo para o castelo e pô-lo ao serviço de sua filha Beatriz. O mouro jurou vingar-se da morte das mulheres da sua família. Passados alguns anos, cumpriu-se a primeira parte da vingança: a mulher de D. Ramiro morreu envenenada. D. Ramiro, cheio de desgosto, resolveu ir combater os infiéis deixando Beatriz à guarda do mouro. Beatriz e o mouro apaixonaram-se perdidamente.
Um dia, D. Ramiro voltou ao seu castelo acompanhado pelo pretendente à mão da sua filha. Perante a situação, o mouro resolveu contar a Beatriz a história da sua desgraça e as juras de vingança.
A lenda conta que Beatriz e o mouro desapareceram e que D. Ramiro morreu pouco depois cheio de remorsos. Diz-se também que, na torre do castelo, no dia de S. João, ainda aparecem as almas do mouro e de Beatriz, com D. Ramiro de joelhos a pedir eterno perdão pelos seus crimes.


06/10/2009

As Arcas de Montemor



Era alcaide em Montemor-o-Velho um viúvo austero que tinha uma única filha. O alcaide protegia a filha dos olhares de todos como se fosse o maior tesouro do mundo.
Um dia, condenou à morte um dos seus fiéis cavaleiros só porque se apaixonou por ela. Quando a jovem soube da tragédia em que involuntariamente estava envolvida, ainda tentou interceder mas o pai permaneceu insensível às suas súplicas. Sem consentimento, a jovem resolveu visitar o cavaleiro nas masmorras. Assim que o viu, apaixonou-se também por ele e ambos fugiram do castelo.
O pai mandou capturá-los e ficou furioso quando soube que tinham casado. Então, por vingança, resolveu dar-lhes uma prenda maldita: duas arcas, uma com ouro e a outra com peste. O amor dos dois era tão grande que fugiram do louco alcaide, deixando para trás as duas arcas.
Nunca ninguém ousou abrir essas arcas, que ainda hoje estão enterradas nas muralhas do castelo de Montemor-o-Velho.


Lendas Portuguesas

A carangueja



Uma carangueja vaidosa via defeito em toda a bicharada. Ria-se do jeitão do sapo e da careta do macaco.
Um dia ela ficou mãe. E ao ver sua filhinha andar disse:
- Deus do céu! Minha filha, que coisa feia! Isso é jeito de andar?
E a caranguejinha respondeu:
- Mãe, você também é assim! Como poderia eu ser diferente?

Pe. Luiz Cechinato


02/10/2009

O crocodilo e o mangusto


Um crocodilo matou um homem que dormia sob uma palmeira e em seguida pôs-se a chorar amargamente.
- Veja disse um mangusto a seu filho - o crocodilo é um cínico, porque está chorando e daqui a pouco vai devorar sua vítima.
E de fato, dentro em breve o crocodilo começou tranquilamente a comer o homem.
Após a refeição adormeceu, à margem do rio, de boca aberta, a fim de que um passarinho amigo seu pudesse entrar dentro de sua boca e pegar com o bico os restos de comida que ficavam entre os dentes.
Com a digestão auxiliada pelo prestimoso passarinho, o crocodilo adormecido abriu mais ainda suas poderosa mandíbulas.
Então o mangusto disse ao filho:
- Agora observe com atenção e aprenda. O crocodilo possui uma forte armadura e seus flancos são protegidos contra mim. Mas vou mostrar como se mata um traidor.
E, dando uma corrida, atirou-se para dentro da boca do crocodilo e mordeu-lhe a garganta.
O crocodilo acordou sobressaltado e pôs-se a rolar pelo chão, urrando de dor. Finalmente, liquidado pelo mangusto, permaneceu inerte, morto, de barriga para cima.








01/10/2009

Cuidado e desejo

Ao longo de uma ribeira
Que vai pelo pé da serra,
Aonde me a mi fez a guerra
Muito tempo o grande amor,
Me levou a minha dor:
Já era tarde do dia,
E a água dela corria
Por entre um alto arvoredo,
Onde às vezes ia quedo
O rio, e às vezes não.

Entrada era do verão,
Quando começam as aves
Com seus cantares suaves
Fazer tudo gracioso.
Ao ruído saudoso
Das águas cantavam elas:
Todalas minhas querelas
Se me puseram diante;
Ali morrer quisera ante
Que ver por onde passei.
Mas eu que digo – passei!
Andes inda hei-de passar,
Em quanto hi houver pesar,
Que sempre o hi há-de haver.

As águas, que de correr
Não cessavam um momento,
Me trouxera ao pensamento,
Que assim eram minhas mágoas,
Donde sempre correm águas
Por estes olhos mesquinhos,
Que têm abertos caminhos
Pelo meio do meu rosto.
E já não tenho outro gosto
Na grande desdita minha.
O que eu cuidava que tinha
Foi-se-me assim não sei como,
Donde eu certa crença tomo
Que, para me leixar, veio.

Mas, tendo-me assi alheio
De mi o que ali cuidava,
Da banda donde água estava
Vi um homem todo cam120,
Que lhe dava pelo cham
A barba e o cabelo.
Ficando eu pasmado dele,
Olhando ele para mi,
Falou-me e disse-me assi:
- «Também vai esta água ao Tejo»

Nisto olhei, vi meu Desejo
Estar de trás triste e só,
Todo coberto de dó,
Chorando sem dizer nada,
A cara em sangue lavada,
Na boca posta ũa mão,
Como que a grande paixão
Sua fala lhe tolhia.
E o velho que tudo via,
Vendo-me também chorar
Começou a assi falar:
- «Eu mesmo são121 teu Cuidado
Que noutra terra criado,
Nesta primeiro nasci.
E essoutro que está aqui
É o teu Desejo triste;
Que má hora o tu viste
Pois nunca te esquecerá!
A terra e mar passará
Trespassando a mágoa a ti.»

Quando lhe eu aquisto ouvi,
Soltei suspiros ao choro;
Ali claramente o foro
Meus olhos tristes pagaram
De um bem só que eles olharam,
Que outro nunca mais tiveram.
Nem o tive, nem mo deram,
Nem o esperei somente:
De só ver fui tão contente,
Que pera mais esperar
Nunca me deram lugar.
E n’aquisto, triste estando
Com os olhos tristes olhando

Daquelas bandas d’além,
Olhei e não vi ninguém.
Dei então a caminhar
Rio abaixo, até chegar
À cerca de Montemor.
Com meus males de redor,
Da banda do meio-dia,
Ali minha Fantasia,
D’antre uns medrosos penedos,
Onde aves que fazem medos
De noite os dias vão ter,
Me saiu a receber
Com ũa mulher pelo braço,
Que, ao parecer de cansaço
Não podia ter-se em si,
Dizendo: - «Vês, triste, aqui
A triste Lembrança tua.»
Minha vista então na sua
Pus, dela todo me enchi:
A prima coisa que vi
E a derradeira também,
Que no mundo vão e vêm!

Seus olhos verdes rasgados
De lágrimas carregados,
Logo em vendo-os, pareciam
Que de lágrima enchiam
Contino as suas faces,
Que eram, gran’ tempo, paces
Antre mim e meus cuidados.
Loiros cabelos ondados
Um negro manto cobria:
Na tristeza parecia
Que lhe convinha morrer.
Os seus olhos de me ver,
Como furtados, tirou,
Depois em cheio me olhou.
Seus alvos peitos rasgando
Em voz alta se aqueixando,
Disse assi mui só sentida:
- «Pois que mor dor há na vida
Para que houve aí morrer?»
Calou-se sem mais dizer.
Eu de mi gemidos dando,
Fui-me para ela chorando
Para a haver de consolar...

Nisto pôs-se o sol ao mar,
E fez-se noite escura,
E disse mal à ventura
E à vida, que não morri...
E muito longe dali,
Ouvi de um alto oiteiro
Chamar: - «Bernardim Ribeiro!»
E dizer: - «olha onde estás!»
Olhei de ante e de trás
E vi tudo escuridão,
Cerrei meus olhos então,
E nunca mais os abri,
Que depois que a perdi
Nunca vi tão grande bem.
Porém inda mal, porém!


Romanceiro, Almeida Garrett






A casa de Mazalu



Era uma vez um sapo que se chamava Mazalu. O sapo Mazalu vivia muito quieto debaixo de uma pedra, junto ao rio. Certa manhã, o sapo Mazalu saiu a passeio e encontrou o seu amigo tatu. O tatu chamava-se Pavio.
- Como vai, amigo Mazalu? Como tem passado?
O sapo respondeu:
- Vou bem, obrigado, amigo Pavio.
Disse, então, o tatu:
- Qualquer dia apareço lá por sua casa. Vou fazer-lhe uma visita.
O sapo tremeu. E sabe por quê? Ele não tinha CASA. Morava embaixo de uma pedra, num lugar frio e cheio de lama. Como receber a visita de um amigo elegante como o Pavio?
Nesse mesmo dia, o sapo tratou de arranjar uma casa onde pudesse receber a visita do tatu.
- MACACO, você pode fazer uma casa para mim?
- Ora, se posso! - respondeu o macaco.
E sabe o que fez o macaco? Arranjou um caixote sem tampa e desse caixote fez uma casa para o sapo.
- Agora, sim - disse o sapo - posso receber a visita do meu amigo tatu.
Mas o tatu, no dia da visita, ficou muito triste. Não podia entrar na casa do sapo. O caixote era pequeno; ele não cabia lá dentro.
- Amigo sapo - disse o tatu - a sua casa é, para mim, pequena e desagradável. Pensei que você morasse debaixo de uma pedra, junto ao rio. Era lá que eu queria jantar com você.


Moral da Estória:
Aquele que é feliz numa casa modesta, não precisa aparentar riqueza para impressionar AMIGO.

Malba Tahan