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31/10/2009

Avalor




Pela ribeira de um rio
Que leva as águas ao mar,
Vai o triste de Avalor,
Não sabe se há-de tornar.
As águas levam seu bem,
Ele leva o seu pesar;
E só vai, sem companhia,
Que os seus fora ele deixar;
117Cá quem não leva descanso
Descansa em só caminhar.
Descontra donde ia a barca,
Se ia o sol a baixar;
Indo-se abaixando o sol,
Escurecia-se o ar;
Tudo se fazia triste
Quanto havia de ficar.
Da barca levantam remos,
E ao som do remar
Começaram os remeiros
Da barca este cantar:
- «Que frias eram as águas!
Quem as haverá de passar?»
Dos outros barcos respondem:
- «Quem as haverá de passar?
Frias são as águas, frias,
Ninguém nas pode passar;
Senão quem pôs a vontade
Donde a não pode tirar.
118Tra’la barca lhe vão olhos
Quanto o dia dá lugar:
Não durou muito, que o bem
Não pode muito durar.
Vendo o sol posto contr’ele119,
Não teve mais que pensar;
Soltou rédeas ao cavalo
À beira do rio a andar.
A noite era calada
Pera mais o magoar,
Que ao compasso dos remos
Era o seu suspirar.
Querer contar suas mágoas
Seria areias contar;
Quanto mais ia alongando,
Se ia alongando o soar.
Dos seus ouvidos aos olhos
A tristeza foi igualar;
Assi como ia a cavalo
Foi pela água dentro entrar.
E dando um longo suspiro
Ouvia longe falar:
Onde mágoas levam olhos,
Vão também corpo levar.
Mas indo assi por acerto,
Foi c’um barco amarrado à terra,
E seu dono era a folgar.
Saltou assi como ia, dentro,
E foi a amarra cortar:
A corrente e a maré
Acertaram-no a ajudar.
Não sabem mais que foi dele,
Nem novas se podem achar:
Suspeitaram que foi morto,
Mas não é pera afirmar:
Que o embarcou ventura,
Pera só isso aguardar.
Mas mais são mágoas do mar
Do que se podem curar.


Romanceiro, Almeida Garrett