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26/07/2010

O aprendiz de alfaiate que tinha imaginação demais


Era uma vez um jovem órfão, aprendiz de alfaiate, chamado Daud, que vivia no Cairo. Enquanto costurava, sentado com as pernas cruzadas, na loja de seu patrão, Daud sonhava acordado. Em sua imaginação ele era sempre um príncipe ou um nobre, vestido com as mais finas roupas.
Um dia um servo trouxe uma esplêndida capa à loja do alfaiate. Pertencia a um rico mercador e tinha que ser cortada em algumas polegadas.
— Apronte-a para amanhã – disse o servo. – Voltarei para buscá-la antes do meio-dia.
— Estará pronta e acabada, ainda que minha loja tenha que permanecer aberta a noite inteira – prometeu o alfaiate.
Pôs-se a trabalhar, e já havia quase terminado quando chegou a noite.
— Se não voltar para comer em minha casa, minha esposa me pertubará tanto que não acabarei nunca de escutá-la.
Assim, ele entregou a capa a Daud e disse-lhe que continuasse a coser o forro até que ele voltasse.
Logo que seu patrão partiu, Daud trabalhou cuidadosamente e logo terminou o acabamento. A capa do mercador era de uma linda lã marrom, e Daud colocou-a ao redor dos ombros para assegurar-se de que o caimento estava bom. Ela lhe caía perfeitamente. Recuou um pouco para ver-se no espelho e pensou que tinha todo o aspecto de um cavalheiro. Colocou um par de botas de couro marroquino vermelho, que pertenciam ao alfaiate, amarrou um lenço branco ao redor de sua cabeça e sentiu que podia passar perfeitamente por um nobre.
"Poderia sair pelo mundo e fazer fortuna", disse para si mesmo. "Ninguém saberia que sou Daud, o aprendiz de alfaiate".
Remexendo embaixo do balcão, onde dormia quando a loja estava fechada, pegou todos os seus pertences e os colocou em uma pequena bolsa dentro do seu cinturão.
Foi para a rua e entrou em um café, onde pediu comida. Era muito tarde e o lugar estava cheio de gente. Após alguns minutos, um jovem rapaz, da sua idade, sentou-se à sua mesa. Logo começaram a conversar, e rapidamente o recém-chegado começou a contar a Daud sobre a sua vida.
— Pela primeira vez na minha vida estou visitando esta cidade – disse o jovem. – Fui criado por meus tios no campo. Quando eu nasci meu pai teve um sonho que o perturbou muito. Nesse sonho lhe apareceu um anjo dizendo que eu morreria, a não ser que fosse enviado para longe, para um lugar seguro. Naquele tempo meus pais viviam em Alexandria, e a doença e a fome atacavam a cidade. Assim foi que me mandaram à casa da irmã de minha mãe, que tinha então um menino da minha idade. Minha mãe morreu e meu pai se mudou para o Cairo, porém não lhe foi possível comunicar-se comigo até este mês, em que completo meu décimo oitavo aniversário.
— Que história curiosa, amigo! – disse Daud, intrigado. – Qual é o seu nome e como encontrará seu pai, agora que está aqui?
— Meu nome é Jabir – disse o outro. – Vim para encontrar meu pai neste mesmo café e ele deve chegar agora. Vê este punhal? Devo tê-lo em minha mão para que ele me reconheça e devo dizer em resposta à sua saudação: "Sou aquele a quem Allah preservou!" E ele responderá: "Louvado seja o senhor do mundo."
Ele entregou a Daud um formosíssimo punhal, feito com o melhor aço de Damasco, com uma bainha decorada com turquesas.
Enquanto segurava o punhal em suas mãos, Daud imaginou-se como o filho que voltava para seu pai e se escutou dizendo a frase que o outro acabara de dizer.
Jabir desculpou-se por ter que sair por alguns minutos, pois devia ocupar-se de seu cavalo, deixando Daud com o punhal.
Logo que saiu, um homem velho, alto e de aparência nobre veio até Daud e saudou-o.
— A paz esteja contigo! – disse-lhe.
— Sou aquele a quem Allah preservou – disse Daud, como num sonho.
— Louvado seja o senhor dos mundos! – exclamou o velho homem.
E abraçou Daud afetuosamente.
— Meu querido filho! Depois de tantos anos! Eu te reconheceria em qualquer lugar!
Daud ia dizer algo, porém o homem o fez calar-se.
— Vem comigo – disse o velho homem. – Teu caminho e o meu serão o mesmo de agora em diante, e te contarei que planos tenho para ti.
Jabir não havia voltado ainda quando Daud, tentado pela oportunidade, foi-se com o ancião para uma enorme casa nos arredores do Cairo. Ali os quartos eram luxuosos e belíssimos, e Daud sentiu que seus sonhos finalmente tinham se tornado realidade. Pensava no ancião como seu pai e tinha esquecido completamente do desafortunado Jabir, cujo lugar havia tomado.
O aprendiz sonhador, imaginando que era o herdeiro legítimo do velho senhor, estava sentado no sofá olhando à sua volta enquanto traziam a ceia.
Um velho servo, chamado Hamid, estava servindo a água. Hamid não podia acreditar que este era o filho de seu amo, estava certo de que algo não estava bem. Sussurrou no ouvido do velho:
— Estás certo de que este é seu verdadeiro filho?
O amo respondeu:
— Certamente. De que outra forma poderia ter conseguido o punhal e saber a frase que deveria dizer?
Repentinamente bateram muito forte na porta, e em poucos minutos entrou Jabir gritando:
— Aí está o bandido que roubou meus direitos de nascimento!
— Não, não – disse Daud. – Pai, acredita-me, nunca vi este homem em minha vida.
— Quem é quem? – exclamou o velho. – Não posso saber quem está dizendo a verdade.
Sem que os demais se dessem conta, o servo Hamid escorregou por detrás de seu amo e rasgou seu manto com uma navalha.
O aprendiz de alfaiate, ao ver o rasgão, tirou linha e agulha de sua pequena bolsa e tentou cosê-lo.
Então Hamid apontou para Daud dizendo:
— Olhem, este deve ser o aprendiz de alfaiate que tinha fugido! A polícia está a sua procura a noite toda! Há menos de uma hora vieram aqui. Estão fazendo averiguações em cada casa.
Daud correu até a porta, porém Hamid foi mais rápido que ele. Derrubou o desgraçado aprendiz e prendeu suas mãos com um pedaço de corda.
— Jabir, meu filho – disse o velho senhor. – Então era você e não ele!
E abraçou finalmente seu verdadeiro filho.
— Perdôo-te – disse a Daud. – Vá embora.
O pobre aprendiz foi levado de volta à loja do alfaiate, onde devolveu a capa que havia roubado. A polícia queria prender Daud, porém, diante das súplicas de seu patrão, deixaram-no livre.
— Este meu ridículo aprendiz – disse o alfaiate – tem uma imaginação demasiado vivaz e posso entender muito bem que tenha sido tentado a levara capa e personificar um nobre. Visto que é órfão, eu o perdoarei e voltarei a empregá-lo, pois não tem mão ruim para coser.
Foi assim que Daud aprendeu sua lição e tentou corrigir-se.
Com o tempo, viveu até esquecer a história de sua fuga e se converteu em um bom alfaiate, como seu patrão. Herdou a loja e nunca mais deixou que sua imaginação o dominasse.