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17/02/2010

O príncipe sapo



Há muito tempo, quando os desejos funcionavam, vivia um rei que tinha filhas muito belas. A mais jovem era tão linda que o sol, que já viu muito, ficava atônito sempre que iluminava seu rosto. Perto do castelo do rei havia um bosque grande e escuro no qual havia um lagoa sob uma velha árvore. Quando o dia era quente, a princesinha ia ao bosque e se sentava junto à fonte. Quando se aborrecia, pegava sua bola de ouro, a jogava alto e recolhia. Essa bola era seu brinquedo favorito. Porém aconteceu que uma das vezes que a princesa jogou a bola, esta não caiu em sua mão, mas sim no solo, rodando e caindo direto na água. A princesa viu como ia desaparecendo na lagoa, que era profunda, tanto que não se via o fundo. Então começou a chorar, mais e mais forte, e não se consolava e tanto se lamenta, que alguém lhe diz:
- Que te aflige princesa? Choras tanto que até as pedras sentiriam pena.
Olhou o lugar de onde vinha a voz e viu um sapo colocando sua enorme e feia cabeça fora d’água.
- Ah, és tu, sapo - disse - Estou chorando por minha bola de ouro que caiu na lagoa.
- Calma, não chores -, disse o sapo – Posso ajudar-te, porém, que me darás se te devolver a bola?
- O que quiseres, querido sapo - disse ela, - Minhas roupas, minhas pérolas, minhas jóias, a coroa de ouro que levo.
O sapo disse: - Não me interessam tuas roupas, tuas pérolas nem tuas jóias, nem a coroa. Porém me prometes deixar-me ser teu companheiro e brincar contigo, sentar a teu lado na mesa, comer em teu pratinho de ouro, beber de teu copinho e dormir em tua cama; se me prometes isto eu descerei e trarei tua bola de ouro".
- Oh, sim- disse ela - Te prometo tudo o que quiseres, porém devolve minha bola – mas pensou- Fala como um tolo. Tudo o que faz é sentar-se na água com outros sapos e coachar. Não pode ser companheiro de um ser humano.
O sapo, uma vez recebida a promessa, meteu a cabeça na água e mergulhou. Pouco depois voltou nadando com a boa na boa, e a lançou na grama. A princesinha estava encantada de ver seu precioso brinquedo outra vez, colheu-a e saiu correndo com ela.
- Espera, espera - disse o sapo – Leva-me. Não posso correr tanto como tu.
Mas de nada serviu coachar atrás dela tão forte quanto pôde. Ela não o escutou e correu para casa, esquecendo o pobre sapo, que se viu obrigado a voltar à lagoa outra vez.
No dia seguente, quando ela sentou à mesa com o rei e toda a corte, estava comendo em seu pratinho de ouro e algo veio arrastando-se, splash, splish splash pela escada de mármore. Quando chegou ao alto, chamou à porta e gritou:
- Princesa, jovem princesa, abre a porta.
Ela correu para ver quem estava lá fora. Quando abriu a porta, o sapo sentou-se diante dela e a princesa bateu a porta. Com pressa, tornou a sentar, mas estava muito assustada. O rei se deu conta de que seu coração batia violentamente e disse: - Minha filha, por que estás assustada? Há um gigante aí fora que te quer levar?
- Ah não, respondeu ela - não é um gigante, senão um sapo.
- O que quer o sapo de ti?
- Ah querido pai, estava jogando no bosque, junto à lagoa, quando minha bola de ouro caiu na água. Como gritei muito, o sapo a devolveu, e porque insistiu muito, prometi-lhe que seria meu companheiro, porém nunca pensei que seria capaz de sair da água.
Entretanto o sapo chamou à porta outra vez e gritou:
- Princesa, jovem princesa, abre a porta. Não lembras que me disseste na lagoa?
Princesa, jovem princesa, abre a porta.
Então o rei disse:
- Aquilo que prometeste, deves cumprir. Deixa-o entrar.
Ela abriu a porta, o sapo saltou e a seguiu até sua cadeira. Sentou-se e gritou:
- Sobe-me contigo.
Ela o ignorou até que o rei lhe ordenou. Uma vez que o sapo estava na cadeira, quis sentar na mesa. Quando subiu, disse:
- Aproxima teu pratinho de ouro porque devemos comer juntos.
Ela o vez, porém se via que não de boa vontade. O sapo aproveitou para comer, porém ela enjoava a cada bocado. Em seguida disse o sapo:
- Comie estou satisfeito, mas estou cansado. Leva-me ao quarto, prepara tua caminha de seda e nós dois vamos dormir.
A princesa começou a chorar porque não gostava da idéia de que o sapo ia dormir na sua preciosa e limpa caminha. Porém o rei se aborreceu e disse:
- Não devias desprezar àquele que te ajudou quando tinhas problemas.
Assim, ela pegou o sapo com dois dedos, e a levou para cima e a deixou num canto.
Porém, quando estava na cama o sapo se arrastou até ela e disse:
- Estou cansado, eu tambem quero dormir, sobe-me senão conto a teu pai.
A princesa ficou então muito aborrecida. Pegou o sapo e o jogou contra a parede.
- Cale-se, bicho odioso – disse ela. Porém, quando caiu ao chao não era um sapo, e sim um príncipe com preciosos olhos. Por desejo de seu pai ele era seu companheiro e marido. Ele contou como havia sido encantado por uma bruxa malvada e que ninguém poderia livrá-lo do feitiço exceto ela. Também disse que no dia seguinte iriam todos juntos ao seu reino.
Se foram dormir e na manhã seguinte, quando o sol os despertou, chegou uma carruagem puxada por 8 cavalos brancos com plumas de avestruz na cabeça. Estavam nfeitados com correntes de ouro. Atrás estava o jovem escudeiro do rei, Enrique.
Enrique havia sido tão desgraçado quando seu senhor foi convertido em sapo que colocou três faixas de ferro rodeando seu coração, para se acaso estalasse de pesar e tristeza.
A carruagem ia levar ao jovem rei a seu reino. Enrique os ajudou a entrar e subiu atrás de novo, cheio de alegria pela libertação, e quando já chegavam a fazer uma parte do caminho, o filho do rei escutou um ruído atrás de si como se algo tivesse quebrado.
Assim, deu a volta e gritou:
- Enrique, o carro éstá se rompendo.
- Não amo, não é o carro. É uma faixa de meu coração, a coloquei por causa da minha grande dor quando eras sapo e prisioneiro do feitiço.
Duas vezes mais, enquanto estavam no caminho, algo fez ruído e cada vez o filho do rei pensou que o carro estava rompendo, porém eram apenas as faixas que estavam se desprendendo do coração de Enrique porque seu senhor estava livre e era feliz.

Irmãos Grimm
(versão brasileira)


16/02/2010

Os três porquinhos

Numa bonita casa de campo viviam 3 porquinhos: Prático, Heitor e Cícero. Quando não iam à escola, ficavam a brincar felizes e despreocupados no campo.
Ao escurecer, voltavam cansados e satisfeitos.
Em casa esperava-os a sua avozinha, que lhes preparava grandes bolos com natas e morangos.
Um dia, Cícero, o mais pequeno, propôs: «Agora que já somos grandes, podemos construir uma casa só para nós e viver sozinhos! Cada um construirá a sua, a seu gosto.
Cícero não se queria cansar muito, pelo que considerou que bastariam uns tantos ramos e um pouco de palha entrançada para construir uma cabaninha fresca e confortável.
Heitor, pelo contrário, pensou que uma cabana de madeira seria suficientemente confortável e resistente e que não teria de trabalhar demasiado para a construir.
Prático queria uma casinha como a da avozinha. Por isso, carregou o carrinho de mão várias vezes com tijolos e cimento e pôs-se a trabalhar com muito afinco.
- Assim estarei resguardado do lobo, que de vez em quando sai do bosque.
De facto, veio o lobo e bateu na casinha de palha: Truz! Truz! Truz!
- Quem é? – perguntou a avozinha do Cícero. – Um amigo... abre!
- respondeu o lobo lambendo-se.
- Não! És o lobo mau e não te vou abrir a porta!
- Ai sim?! – Rosnou o lobo rangendo os dentes.
- Vê então como abro a tua porta! – E de um sopro varreu a cabaninha fazendo rolar para bem longe o porquinho.
Enquanto Cícero escapava, o lobo foi bater à porta do Heitor:
- Abre, não te farei mal!
Heitor também não quis abrir, mas um par de sopros foram suficientes para destruir a sua casinha.
Muito esfomeado, o lobo bateu à porta da casa do Prático.
- Vai-te embora, lobão! – Respondeu-lhe o porquinho.
Desta vez, o lobo soprou e soprou muitas vezes, mas a casinha, construída com cimento e tijolos era demasiado sólida até para ele.
Por fim, o lobo mau ficou sem forças. Aborrecido, levantou o punho, ameaçando:
- Por agora, deixo-te... mas depressa voltarei!
E vou-te comer de uma só vez.
Quando se fez noite o lobo voltou. Prático ouvi-o a trepar pelo algeroz para subir até ao telhado da casa.
Enquanto se metia pela chaminé, o lobo lambia-se já pensando no jantar à base de porquinho assado. Mas Prático, que tinha uma panela de sopa ao lume, atiçou a chama com toda a lenha que tinha.
O lobo já estava a meio caminho quando começou a cheirar a queimado: era a sua cauda que começava a chamuscar! Saiu pela chaminé e desapareceu uivando.
No dia seguinte, enquanto o pobre lobo, com a cauda entre as patas, continuava a fugir para o mais longe possível, a povoação celebrava a valentia do porquinho sábio e o retorno à tranquilidade.



15/02/2010

Faz aos outros o que…

African Skies Poster

Um dia a Vida decidiu dar uma volta pelo mundo. Já tinha viajado muito quando encontrou um homem doente que tinha o corpo tão inchado que mal se podia mexer.
— Quem és tu? — perguntou o homem ao vê-la.
— Sou a Vida.
— Então, já que és a Vida, será que me podias tirar este inchaço que nem me deixa mexer nem trabalhar?
— Sim, eu poderia devolver-te a saúde, mas tu depressa te esquecerás de mim e da doença de que padeces.
— Como iria eu esquecer-me? Um milagre assim recordá-lo-ei toda a minha vida.
— Está bem! Vou curar-te. No entanto voltarei daqui a sete anos para verificar se és um homem de palavra — disse a Vida.
Esta pegou num pouco de pó do caminho e espalhou-o na cabeça do hidrópico que, de imediato, ficou são e ágil.
A Vida prosseguiu a viagem e andou muitos dias até que chegou à cabana de um leproso.
— Quem é? — perguntou o leproso.
— Eu sou a Vida.
— A Vida? — replicou o doente. — Pois então podias curar a minha lepra.
— Claro que posso — disse a Vida. — Mas se o fizer, logo esqueces a tua doença e o teu benfeitor.
— Impossível! Toda a minha vida hei-de recordar-me desse milagre — assegurou o leproso.
— Bem, voltarei dentro de sete anos e então veremos se sabes manter as promessas — replicou a Vida.
Pegou então numa mão-cheia de terra da estrada, espalhou-a na cabeça do leproso, e a lepra, como por encanto, desapareceu, deixando ficar o homem com a pele limpa e jovem.
A Vida despediu-se e pôs-se de novo a caminho. Andou mais alguns dias e, por fim, encontrou um cego. Este, ouvindo que passava alguém estranho junto à sua cabana, perguntou:
— Quem és tu?
— Sou a Vida.
— És realmente a Vida? — continuou o cego. — Então suplico-te que me devolvas a vista.
— Sim; vou devolver-te a vista, mas não podes esquecer-te nem de mim nem da tua cegueira — disse a Vida.
— De modo algum! Serei tão feliz que me lembrarei toda a vida e vou-te agradecer até à morte — prometeu o cego.
— Muito bem. Agora vou devolver-te a vista. Voltarei daqui a sete anos e veremos então se a tua palavra tem algum valor e se é de fiar — disse a Vida.
A Vida baixou-se, recolheu um pouco de poeira do chão e espalhou-a solenemente na cabeça do cego, que, de imediato, recuperou a visão e começou a gritar de alegria.
Sete anos passaram. Muitas coisas mudaram. O hidrópico, o leproso e o cego começaram a trabalhar esforçadamente para a sua família. O mundo estava muito diferente. Nessa altura, a Vida empreendeu de novo a sua caminhada pela Terra para poder visitar aqueles a quem tinha socorrido e curado.
Primeiro fingiu-se cega e começou por visitar a casa do homem a quem tinha devolvido a visão. Bateu à porta:
— Quem é? — perguntou aquele que tinha sido cego.
— Sou um homem cego, posso passar a noite em tua casa?
— Lamento — gritou o homem — Aqui não há espaço. Os cegos são teimosos e eu não quero gente dessa em minha casa. Segue o teu caminho.
— Eu é que lamento — disse a Vida. — Mas já previa isto há sete anos. Tu eras cego e eu devolvi-te a vista. Nessa altura tu prometeste-me que não te esquecerias nem de mim nem da tua doença; pelo contrário…
— É que eu…
Era tarde de mais, pois a Vida tinha pegado num pouco de pó do chão e espalhou-o na cabeça do ingrato. Este, no mesmo instante, voltou a ficar cego.
A Vida retomou a sua caminhada e foi visitar o antigo leproso. Vestiu-se como um leproso e bateu à porta da cabana.
— Quem é? — perguntou o homem.
— Sou um pobre leproso. Posso passar a noite em tua casa?
— Um leproso? Podes é ir-te embora; não quero que me pegues a tua doença.
— Já to tinha dito — replicou a Vida. — Há sete anos curei-te e tu prometeste-me que nunca te esquecerias desse prodígio. A tua palavra não vale nada; podes voltar a ser como dantes.
A Vida pegou outra vez em poeira do caminho e lançou-a sobre o homem que, de repente, voltou a ser leproso.
De novo, a Vida prosseguiu viagem e vestiu-se de modo a que o seu corpo parecesse inchado. Logo se apresentou na cabana do hidrópico que tinha curado há sete anos.
— Posso passar uma noite em tua casa? — perguntou a Vida batendo à porta.
— Claro — disse este. — Entra, entra. Senta-te aqui, vou buscar alguma coisa para comeres e beberes. Eu sei como é penoso estar nesse estado. Eu também já tive essa doença. Mas há sete anos, passou por aqui a Vida e curou-me. Naquela altura disse-me que voltava e ainda não a vi. Se esperares aqui em minha casa, Ela não tardará a vir e poderá, de certeza, também curar a tua doença.
— Eu sou a Vida — disse o caminhante. — E tu és o único de todos os que eu curei que ainda se lembra de mim e da sua antiga doença. Por isso, ficarás são toda a tua vida. Olha, a vida pode mudar constantemente. A sorte pode tornar-se em desgraça, a riqueza em pobreza, o amor em ódio. Ai daquele que não se lembrar disto e não tirar daí a devida lição!
— Adeus — concluiu a Vida, e retomou pela última vez o seu caminho.
Esta fábula africana mostra-nos a importância de ajudar os outros. Tens muitas oportunidades na vida de estender a mão a quem necessita. Não deixes de o fazer.


Fábulas africanas
Lisboa, Editorial Além-mar, 1991



13/02/2010

Lenda da Castelã Moura de Salir

Aben-Fabilla, alcaide de Castalar, resolveu fugir quando viu o seu castelo ameaçado pelo exército de D. Afonso III. Antes da fuga, enterrou todo o seu ouro, pensando vir mais tarde resgatá-lo. Quando os cristãos tomaram o castelo encontraram-no vazio, à excepção da linda filha do alcaide. Esta tinha preferido ficar em vez de "salir" e morrer na fuga. De um monte vizinho, Aben-Fabilla viu a sua filha cativa dos cristãos. Enquanto Aben-Fabilla proferia umas palavras misteriosas, um cavaleiro cristão viu a moura transformar-se numa estátua de pedra.
Em memória deste estranho fenómeno, aquela terra ficou conhecida por Salir.
Ainda hoje se diz que, em certas noites, a moura encantada aparece no castelo de Salir.




10/02/2010

Pinóquio

Gepeto era um carpinteiro que vivia sozinho e sonhava em ter um filho. Um dia, ele decidiu fazer um boneco de madeira, que ganhou vida graças ao seu desejo.
- Serás o filho que eu não tive e vou chamar-te Pinóquio.
Nessa noite, uma Fada Madrinha visitou a oficina de Gepeto e ao tocar Pinóquio com a varinha mágica disse: - Vou-te dar vida, boneco. Mas, deves ser sempre bom e honesto!
No dia seguinte, Gepeto notou que os seus desejos se tinham tornado realidade. Mandou Pinóquio à escola, acompanhado pelo grilo cantante Pepe.
Pelo caminho encontraram a D. Raposa e a D. Gata.
- Porque vais para a Escola se há por aí tantos lugares bem mais alegres? - perguntou a Raposa.
- Não lhe dês ouvidos! - avisou-o Pepe, o grilo. Mas Pinóquio, para quem tudo era novidade, acabou por dar ouvidos a D. Raposa e conheceu Strombóli, o dono de um teatrinho de marionetas.
- Comigo serás o artista mais famoso do mundo! - sussurrou no ouvido de Pinóquio, o astucioso Strombóli.

O espectáculo começou.
Pinóquio foi a estrela, principalmente pelas suas asneiras, que causaram muitos risos. Os outros bonecos eram espertos, tinham prática, enquanto Pinóquio era trapalhão... Por isso triunfou!
No final do espectáculo Pinóquio quis ir embora, mas Strombóli tinha outros planos.
- Vou prender-te nesta jaula, boneco falante. Vales muito mais do que um diamante!
Por sorte o grilo Pepe correu a avisar a Fada Madrinha, que enviou uma borboleta mágica para salvar Pinóquio.
Quando se recompôs do susto, a borboleta perguntou-lhe aonde vivia.
- Não tenho casa. - respondeu Pinóquio.
A borboleta voltou a fazer-lhe a mesma pergunta, e ele a dar a mesma resposta. Mas, sempre que mentia, o nariz crescia-lhe mais um pouco, pelo que não conseguiu enganar a Borboleta Mágica.
- Não quero este nariz! - soluçou Pinóquio.
- Terás que te portar bem e não mentir! Voltas para casa e vais à Escola. - disse-lhe a Borboleta Mágica.
Ao regressar a casa, Pinóquio foi recebido com muita alegria por Gepeto e passou a portar-se bem.
Algum tempo depois, quando ia para a Escola, voltou a encontrar a Raposa, que o desafiou para a acompanhar à Ilha dos Jogos.
Não resistiu e lá foi com a Raposa. Assim que entrou começaram a crescer-lhe as orelhas e a transformar-se em burro. Aflito, valeu-lhe o grilo Pepe, que lhe disse:
- Anda, Pinóquio. Conheço uma porta secreta...! Não te queres transformar em burro, pois não? Levar-te-iam para um curral!
- Sim, vou contigo, meu amigo.
Ao chegarem a casa encontraram-na vazia. Souberam por uns marinheiros que Gepeto se tinha feito ao mar num bote. Como o grilo Pepe era muito esperto, ensinou Pinóquio a construir uma jangada. Dois dias mais tarde, quando navegavam já longe de terra, avistaram uma baleia.
- Essa baleia vem direita a nós! gritou Pepe.
- É melhor saltarmos para a água!
Mas não se salvaram ... a baleia engoliu-os.
Entretanto, descobriram que no interior da barriga da baleia estava Gepeto, que tinha naufragado durante uma tempestade.
Depois de se terem abraçado, resolveram acender uma fogueira. A baleia espirrou e deitou-os para fora.
- Perdoa-me, papá - suplicou Pinóquio muito arrependido.
E a partir daí mostrou-se tão dedicado e bondoso que a Fada Madrinha, no dia do seu primeiro aniversário, transformou-o num menino de carne e osso ... num menino de verdade.
- Agora tenho um filho verdadeiro! - exclamou Gepeto radiante.

(adaptado do original de Carlo Collodi)

The Pinocchio Administration, a cast of liars.  The players are as follows:  Pinocchio – Barack Obama; Geppetto – Harry Reid; The Talking Cricket – Rahm Emmanuel; The Cat – Nancy Pelosi; The Fish – Obama’s Czars.


09/02/2010

Lenda dos Sete Ais (Outra versão)




Esta é uma lenda que está na origem do nome de um local do concelho de Sintra e que remonta a 1147, data em que D. Afonso Henriques conquistou Lisboa aos Mouros.

Destacado para ocupar o castelo de Sintra, D. Mendo de Paiva surpreendeu a princesa moura Anasir, que fugia com a sua aia Zuleima. A jovem assustada gritou um "Ai!" e quando D. Mendo mostrou intenção de não a deixar sair, outro "Ai!" lhe saiu da garganta.

Zuleima, sem lhe explicar a razão, pediu-lhe para nunca mais soltar nenhum grito do género, mas ao ver aproximar-se o exército cristão a jovem soltou o terceiro "Ai!".

D. Mendo decidiu esconder a princesa e a sua aia numa casa que tinha na região e querendo levar a jovem no seu cavalo, ameaçou-a de a separar da sua aia se ela não acedesse e Anasir deixou escapar o quarto "Ai!".

Pouco depois de se instalar na casa, a princesa moura apaixonou-se por D. Mendo de Paiva, retribuindo o amor do cavaleiro cristão que em segredo a mantinha longe de todos.

Um dia, a casa começou a ser rondada por mouros e Zuleima receava que fosse o antigo noivo de Anasir, Aben-Abed, que apesar de na fuga se ter esquecido da sua noiva, voltava agora para castigar a sua traição.

Zuleima contou a D. Mendo que uma feiticeira lhe tinha dito que a princesa morreria ao pronunciar o sétimo "Ai!".

Entretanto, Anasir curiosa pela preocupação da aia em relação aos seus "Ais", exprimiu o quinto e o sexto consecutivamente, desesperando a sua aia que continuou a não lhe revelar o segredo.

D. Mendo partiu para uma batalha e passados sete dias foi Aben-Abed que surpreendeu Anasir, que soltou o sétimo "Ai!", ao mesmo tempo que o punhal do mouro a feria no peito. Enlouquecido pela dor, D. Mendo de Paiva tornou-se no mais feroz caçador de mouros do seu tempo

07/02/2010

Lenda do penedo dos ovos (pedra amarela)



Existe, no meio da serra de Sintra um penedo elevado a prumo, caprichosamente, pela Natureza, ou produzidos pelas convulsões vulcânicas do terreno em tempos ignotos, anda ligada à seguinte lenda:

Dizia-se em tempos que por baixo de tal pedra havia um tesouro escondido (um tesouro encantado) que pertenceria a quem fosse capaz de derrubar o penedo, atirando-lhe com ovos.

Uma velha meteu então na cabeça que esse tesouro havia de lhe pertencer. Para tal, a velha começou a juntar tantos ovos quantos podia. Quando achou que já tinha uma boa provisão, deu início à sua ingénua tarefa. Carregou, pouco a pouco, todos os ovos para as imediações do penedo, e meteu mãos à obra. Um a um, dois a dois, e com quanta força dispunha, ia arremessando os ovos contra o penedo. Quando já não lhe restava nenhum, terrível decepção! O penedo continuava erecto e firme, lavado com ovos!

E foi assim que, em vez de cair por terra, o penedo, pondo a descoberto o maravilhoso tesouro, caíram por terra desfeitos todos os sonhos e todas as esperanças da pobre velha! E ainda hoje, o povo sempre propenso ao maravilhoso, julga ver nos musgos amarelados que cobrem o penedo, as gemas dos ovos que a velha contra ele arremessou.



O Diamante

O Hindu chegou aos arredores de certa aldeia e aí sentou-se para dormir debaixo de uma árvore. Chega correndo, então, um habitante daquela aldeia e diz, quase sem fôlego:
- Aquela pedra! Eu quero aquela pedra.
- Mas que pedra? - pergunta-lhe o Hindu.
- Ontem à noite, eu vi meu Senhor Shiva e, num sonho, ele disse que eu viesse aos arredores da cidade, ao pôr-do-sol; aí devia estar o Hindu que me daria uma pedra muito grande e preciosa que me faria rico para sempre.
Então, o Hindu mexeu na sua trouxa e tirou a pedra e foi dizendo:
- Provavelmente é desta que ele lhe falou; encontrei-a numa trilha da floresta, alguns dias atrás; podes levá-la!
E assim falando, ofereceu-lhe a pedra. O homem olhou maravilhado para a pedra. Era um diamante e, talvez, o maior jamais visto no mundo. Pegou, pois, o diamante e foi-se embora. Mas, quando veio a noite, ele virava de um lado para o outro em sua cama sem conseguir dormir. Então, rompendo o dia, foi ver novamente o Hindu e o despertou dizendo:
- Eu quero que me dê essa riqueza que lhe tornou possível desfazer-se de um diamante tão grande assim tão facilmente!

06/02/2010

Apolo e Poseidon


A pobre Leto teve grande dificuldade para pôr no mundo seus dois filhos com Zeus. Nova conquista do soberano dos céus, também suportou o rancor tenaz da esposa dele, Hera.
Quando ela estava prestes a parir, a deusa, morrendo de ciúme, proibiu todos os lugares da terra de acolhê-la. As montanhas, as planícies, os rios, a natureza inteira temiam enfrentar a cólera divina e fugiam à aproximação da jovem mulher.
Leto já estava quase sem forças quando uma pequena ilha, sem levar em conta as ameaças de Hera, ofereceu-lhe hospitalidade e o repouso tão ansiado. Delos, pobre rochedo deserto, batido pelos ventos e pelas ondas, nada tinha a perder. Foi aí, ao pé da única palmeira da ilha, que dois novos deuses vieram à luz.
O nascimento de Apolo foi anunciado por um sinal prodigioso: sete cisnes sagrados deram sete voltas ao redor de Delos; sete vezes eles cantaram para a parturiente. Na oitava volta, calaram-se de súbito, e o bebé saiu do ventre materno. Desde então, essas aves de voz melodiosa passaram a ser os fetiches de Apolo, e Delos, seu lugar favorito.
O menino cresceu entre os hiperbóreos, para junto dos quais os cisnes o levaram quando nasceu. Esse povo habitava uma região distante, no extremo Norte do oceano, e vivia sob um céu sempre puro. Ao se tornar adulto, o deus foi para a Grécia.
Mal chegou a Delfos, onde queria fundar um santuário, soube que um dragão chamado Píton guardava o lugar e semeava o terror, massacrando homens e animais. Libertou a região desse monstro e foi aclamado salvador por seus habitantes, que logo o adotaram. Edificaram para ele um templo colossal, onde Apolo instalou sua sacerdotisa, a Pitonisa ou Pítia. Ela era encarregada de pronunciar as palavras que o deus lhe soprava. A seguir, um adivinho explicava o oráculo2 aos que vinham de toda a Grécia conhecer seu destino ou encontrar uma solução para um problema embaraçoso.
Apolo não era amado apenas por seus actos benéficos; também lhe apreciavam a grande beleza.
Tinha os traços delicados de uma mulher e a musculatura bem-feita de um atleta. Sua pele muito branca se destacava sob os cachos da cabeleira castanha. Ele encantava tanto as moças como os rapazes, mas, apesar disso, teve amores infelizes.
A ninfa Dafne, filha do rio Peneu, foi a primeira a abrasar seu coração. Essa paixão repentina lhe foi inspirada por Eros, o deus do amor, que procurava se vingar de Apolo porque este o surpreendera um dia esticando a corda do seu arco. Rindo por ver aquela criança brincar com suas armas, Apolo as tomou dizendo que elas estavam reservadas para deuses mais poderosos. Eros pronunciou então estas palavras misteriosas:
"Suas flechas não são as únicas que ferem a quem atingem."
Eros atirou no deus uma seta que fez nascer o amor e, na ninfa, uma que gerou o sentimento oposto. Dafne rejeitou as investidas de Apolo e fugiu do deus, que foi atrás dela. Quando ele achava que a estava alcançando, a ninfa escapava, e então recomeçava a corrida. Dafne logo se cansou e, temendo não ter mais forças para se esquivar ao perseguidor, suplicou ao pai que a ajudasse. Peneu ouviu o apelo desesperado da filha e lhe deu imediatamente outra aparência. No momento em que Apolo ia enfim agarrá-la, encontrou um tronco de árvore rugoso e misturou seus cachos castanhos às folhas escuras de um loureiro: a moça havia perdido para sempre sua forma humana. Com o coração partido, Apolo jurou amar eternamente aquela árvore, com cujas folhas fez uma coroa, que pôs na cabeça. Foi assim que a coroa de louros se tornou o símbolo de Apolo.
Por duas vezes, Apolo teve que servir a um mortal. Com outros deuses, ele havia conspirado contra Zeus, mas a conjuração fracassou. Para pagar pelo que fizeram, Zeus mandou Apolo e Poseidon como escravos a Laomedonte, rei de Tróia. Ora, este último estava precisando de mão-de-obra, porque queria construir uma grossa muralha em volta de sua cidade.
Satisfeitíssimo por contar com operários desse calibre, o rei de Tróia incumbiu Poseidon do trabalho. Um salário estabelecido previamente deveria recompensá-lo. O deus dos mares trocou então seu célebre tridente por uma pá de pedreiro e trabalhou, como escravo, na construção da cidadela. Erguida por um deus, ela seria inexpugnável, enquanto outro deus não ajudasse a tomá-la.
Enquanto isso, Apolo cuidava de outra tarefa. Nas encostas cobertas de bosques do Ida, guardava os rebanhos do rei. Os devaneios nas pastagens correspondiam melhor a seu temperamento.
Terminado o trabalho com que pagaram por seu erro, as duas divindades foram reclamar ao rei o salário combinado. Mas Laomedonte desrespeitou o compromisso assumido, recusando-se a remunerá-los. Os deuses, furiosos, protestaram, porém o rei os ameaçou, dizendo que mandaria cortar as orelhas deles e os venderia como escravos. Eles não puderam reagir de imediato, porque haviam deixado no céu seu poder divino. Foram embora, então, jurando vingança. De volta ao Olimpo, Apolo recuperou o poder e ordenou que a peste assolasse a cidade.

Contos e Lendas da Mitologia Grega

05/02/2010

Que bom ter família!

Early Morning River Scene, Northern Area, Nigeria, Africa Photographic Print

Era uma terra onde uma grave epidemia atingia homens e animais. Só sobreviveu o homem mais forte. Mas, um dia, apareceu-lhe uma ferida num joelho e, não podendo bastar-se a si próprio, pediu a Deus que o ajudasse. Todos os dias se arrastava até à beira do caminho por onde passavam as pessoas de regresso do mercado e rogava-lhes: — Dêem-me alguma coisa para comer e cortem-me este joelho que tanto me faz sofrer.
Os viandantes davam-lhe de comer, mas não ousavam cortar-lhe o joelho. Não aguentando mais, um dia o pobre doente pegou numa faca e abriu o joelho. Qual não foi o seu espanto ao ver que, do corte que tinha feito, saíram três lindas meninas. Agradeceu a Deus por ter escutado a sua súplica e regressou à aldeia onde construiu uma pequena cabana para morar com as suas filhas.
Passados alguns anos, as meninas atingiram a maioridade. O pai já as podia deixar sozinhas para ir à caça. Durante a ausência do homem, uns pastores que andavam nos arredores viram as moças e apaixonaram-se logo por elas. Quiseram levá-las para casa, onde se casariam.
Mas as jovens, que gostavam muito do pai, não queriam dar-lhe um desgosto e, por isso, não podiam deixá-lo sem o avisar. Despediram-se dos pastores, convidando-os a voltar no dia seguinte.
Quando o pai regressou, elas, entusiasmadas, contaram-lhe tudo. O velho ficou triste, mas as filhas consolaram-no dizendo:
— Mesmo que vamos morar para longe, tu não vais perder-nos, pois podes visitar-nos quando desejares.
E, com carinho, ensinaram ao pai o caminho para a aldeia dos seus pretendentes.
No dia seguinte, o pai saiu outra vez para caçar, os jovens voltaram como tinham combinado com as moças. Estas, depois de tratar da casa e de preparar a comida para o pai, partiram com os rapazes.
O homem viveu dois meses completamente só, mas depressa sentiu saudades das filhas e pensou em ir visitá-las. Meteu-se a caminho, seguindo o carreiro que elas lhe haviam ensinado. Quando as filhas o viram chegar, correram felizes ao seu encontro, fizeram-lhe muitas festas e prepararam-lhe, com a ajuda dos maridos, uma óptima refeição. O homem pensou:

Tudo o que Deus faz
é uma maravilha
mas o melhor de tudo
é a família.


Fábulas africanas
Lisboa, Editorial Além-mar, 1991

Tamina, cor do sol



Hoje, o céu desabou sobre o coração de Tamina. À volta dos olhos de azeviche, pairam duas nuvens e, nas faces de ébano, dois pequenos riachos deslizam silenciosamente e pousam nos lábios um beijo com sabor a sal. Tamina corre a refugiar-se atrás do loureiro, ao fundo do jardim. Por detrás da folhagem espessa, os ramos abrem os braços para acolherem todos os segredos. Escondida no meio da ramagem, Tamina explica ao arbusto de onde vem este seu desgosto. Ela não compreende por que é que não tem a pele clara das manhãs de Inverno, como as outras crianças.
O arbusto não sabe o que responder. Conhece bem os amigos de Tamina, que vêm muitas vezes brincar no jardim. Acha que são todos parecidos: as roupas coloridas, os rostos alegres e os olhos travessos. Diferente, talvez apenas a cor da pele, mas não vê em que é que isso poderia ter importância.
Um melro curioso deslizou por entre a folhagem. Ao esgravatar a terra à procura de algum bichito para comer, de saltinho em saltinho acabou por se aproximar. Tamina reconhece-o, é ele que costuma vir regalar-se com os frutos caídos, debaixo da macieira.
Em poucas palavras, o arbusto explica-lhe o problema da pequena. O melro declara que, quanto a ele, está totalmente satisfeito com a cor da sua plumagem porque o amarelo do bico sobressai muito mais no preto do que no branco.
Tamina ficou na mesma. Não tem nenhum bico amarelo para justificar a vantagem de ter a pele negra. E depois, é muito bonito, pensa ela, mas todos os melros são pretos. Se fosse o único melro branco no meio de melros pretos, talvez pensasse de outra maneira!
A poucos batimentos de asas do local, o pássaro conta à sua amiga pega o que viu e ouviu debaixo do loureiro.
A pega vai contar ao gaio, o gaio repete-o à gralha-das-torres, a gralha-das-tores presta contas ao corvo, o corvo transmite-o imediatamente à toutinegra.
Correndo assim de bico em bico, de ramo em ramo e de nuvem em nuvem, o assunto depressa chegou aos ouvidos do sol.
Com a ponta dos dedos de luz, o sol ergue delicadamente uma folha do silvado, afaga o rosto de Tamina e, uma a uma, bebe todas as pérolas do seu desgosto.
— Quando vieste ao mundo — diz-lhe o sol — eras linda, tão linda… Acho que eras o bebé mais lindo que a terra algum dia conheceu. Eu passava dias inteiros a olhar para ti mas, de tanto te admirar, a tua pele ficou dourada, tal como acontece com a espiga de trigo. À noite, não conseguia ir deitar-me, mantinha-me na linha do horizonte, porque os meus olhos não eram capazes de te deixar. Quanto mais fixava o meu olhar na tua beleza, mais a tua pele tomava a cor do café. Se eu imaginasse todo o sofrimento que isso viria a causar-te, teria pedido às nuvens que te protegessem. Foi tudo culpa minha, serás capaz de me perdoar?
Na palma das mãos, Tamina faz uma grinalda de beijos. Pede ao vento que a leve.
E no rosto de Tamina, um sorriso desenha finalmente a curva da felicidade, porque o segredo da sua cor brilha agora bem dentro do seu coração.

Conto Africano


Ghislaine Biondi; Laurent Corvaisier
Tamina Couleur Soleil
Paris, Hachette Livre/Gautier-Languereau, 2001
Tradução e adaptação


04/02/2010

A árvore que falava



Longe, muito longe… bem no coração da savana, vivia uma árvore maior e mais velha do que qualquer outra.
Abrigava, sob a sua corcha, toda a sabedoria de África.
A seus pés, por entre as altas ervas, a leoa espiava o antílope ou a zebra que se tinham afastado do grupo. Como era a única árvore das redondezas, os pássaros, que se empoleiravam nos ramos mais altos, conheciam-na bem. Também as girafas, que comiam as folhas dos ramos do meio, a conheciam. E os leões, que se estendiam sob os ramos baixos para fazerem a sesta…
E assim a árvore conhecia todos os segredos dos pássaros, dos leões, das girafas, das zebras e de muitos outros animais. É que ela escutava com todas as suas folhas.
Até os homens vinham sentar-se debaixo da árvore no momento das grandes decisões, discutindo os assuntos sérios à sombra dos seus ramos.
A árvore sabia mais sobre o povo dos homens do que o mais velho dos anciãos e o mais sábio dos sábios. Porque ela sabia calar-se, enquanto eles gostavam de falar.
Mas a árvore não guardava para si o seu saber: àqueles que tinham os ouvidos atentos, ela murmurava, em confidência, a resposta a muitas questões.
Quando os seus filhotes estavam suficientemente grandes para voar, as andorinhas, as cotovias e os estorninhos tinham por hábito levá-los até à árvore. Ao cair da noite, a árvore enchia-se de chilreios. Passado algum tempo, com três bicadas, os pais faziam calar os mais palradores. E cada um escutava o murmúrio que subia da raiz mais profunda até ao raminho mais alto.
No dia seguinte, os jovens sabiam um pouco mais da arte de voar em ziguezague para enganar as aves de rapina que mergulham sobre as presas. E a águia ou o milhafre regressavam às montanhas de mãos a abanar, perguntando-se por que milagre todos os passarinhos daquele canto da savana se tinham tornado, de repente, tão espertos!
E cada girafinha que partia a mascar um punhado de folhas da árvore ficava a saber um pouco melhor como evitar a leoa que caçava. E, misteriosamente, cada leãozinho, depois da sesta ao pé da árvore, desconfiava um pouco mais do riso da hiena que rondava à procura de uma presa fácil.
Mas os homens, esses, partiam tão sisudos e estúpidos como tinham vindo, e a sua tagarelice nada lhes tinha ensinado porque não sabiam escutar.
Eram orgulhosos e arrogantes. Incendiavam a savana com os seus fogos e matavam mais animais do que aqueles que precisavam para se alimentar. Matavam-se até uns aos outros. E chamavam a isso «a guerra». A árvore falava-lhes, como a todos, mas os homens não a escutavam. Por causa deles, a árvore ficou triste. Pela primeira vez, sentiu-se velha e cansada. Se pudesse, ter-se-ia deitado para esquecer. Mas quando se é uma árvore, é preciso ficar de pé a recordar…
Foi então que as suas folhas amareleceram e secaram e, em breve, ficou nua no meio da savana. Os pássaros começaram a desdenhar dos seus ramos e os leões e as girafas também, porque ela deixou de lhes falar.
E todos diziam que ela estava morta.

* * *

Por muito tempo a árvore seca ficou de pé. E parecia que nada viria alguma vez a mudar… O milhafre da montanha estava contente e as hienas riam-se. A leoa perdeu um leãozinho, a girafa, uma girafinha e a andorinha, três passarinhos que mal sabiam voar.
Mas, uma manhã, veio um pequeno homem com um ar decidido. Tinha o olhar de uma criança, e esse olhar não reflectia nem fogo nem sangue. As suas mãos não agarravam nem arco nem zagaia. Contudo, era um homem.
Parou ao pé da árvore seca, estendeu os braços e, com as pontas dos dedos, tocou no tronco, muito devagar, ao de leve, como se acordasse alguém que dorme. A corcha estremeceu. E a voz do pequeno homem subiu ao longo da árvore, terna como um cântico muito antigo. O homem falava à árvore, cheio de simplicidade. Depois, calou-se. E encostando a orelha ao tronco, escutou. O vento nos ramos parecia formar palavras e frases. E quanto mais a árvore falava, mais a expressão do homem se iluminava.
Quando a árvore terminou, o homem partiu. Quando voltou, trazia um machado aos ombros. Uma vez perto da árvore, levantou a cabeça em direcção aos ramos e murmurou algumas palavras em tom de desculpa. Depois, firme nas suas pernas, com o cabo do machado bem preso nas mãos, começou a cortar o tronco.
E a madeira ressoou na savana, até aos limites do deserto e das montanhas.
Cada pássaro, cada leão e cada girafa reconheceram a voz da velha árvore.
Em conjunto, acorreram para junto dela, mas apenas encontraram um cepo e algumas aparas espalhadas pelo solo.
É que o pequeno homem, ajudado por alguns da sua aldeia, tinha levado a árvore até casa. E, com medo dos homens, os animais não se atreveram a segui-lo.
Uma vez chegados à aldeia, o homem pôs-se a trabalhar. Tinha uma grande ideia: para que a voz de madeira da velha sábia percorresse de novo a savana, iria fazer um tantã.
Um tantã mais sonoro e maior do que qualquer outro. Suficientemente longo para que todos os homens da tribo pudessem tocar em conjunto.
Como o homem pegava de novo no machado para podar os ramos e deixar, assim, o tronco livre, aqueles que tinham carregado a árvore com ele fizeram -lhe sinal que parasse:
― Pequeno homem, nós ajudámos-te ― disseram os homens fortes com as suas vozes grossas. ― O nosso trabalho deve ser pago.
― Mas… com que é que vos vou pagar? Eu não tenho nada, bem sabem!
― Deixa-te disso! ― insistiram os homens fortes. ― Trouxemos a tua árvore, dá-nos a nossa parte.
― Não pode ser ― protestou o homem. ― É preciso que o tronco fique inteiro para este tantã. Se não, como é que a tribo poderá tocar?
Os homens obstinavam-se a reclamar a sua parte da madeira e o assunto foi levado ao Conselho dos Anciãos.

* * *

Era uma assembleia de homens muito velhos e muito tagarelas. Sempre prontos a pronunciar uma sentença ou um julgamento, tanto a propósito do que conheciam como do que ignoravam. Nada lhes agradava mais do que reunirem-se quando lhes pediam um conselho, e também quando não lho pediam! Ora, o Conselho tinha por hábito reunir-se debaixo da grande árvore, e os velhos sentiam-se desamparados… pois a árvore tinha sido cortada! O mais velho dos Anciãos, um pequeno velhinho com a face enrugada como uma ameixa seca, agitou o cachimbo por cima da cabeça e tomou a palavra:
― O Conselho não se pode reunir por falta de um lugar adequado.
E expeliu uma baforada do seu cachimbo.
Os outros membros do Conselho, sentados em círculo, aprovaram com um movimento de cabeça, expeliram, cada um, uma baforada do seu cachimbo e guardaram silêncio.
Os homens fortes, que queriam a sua parte da árvore, e o pequeno homem, que nada queria, não sabiam o que fazer.
Impaciente por começar o trabalho, o homem avançou para dentro do círculo, curvou-se respeitosamente diante do mais velho dos Anciãos:
― Digam-me apenas se posso começar o meu trabalho, já que estais aqui reunidos.
― Ah, não! É verdade que estamos aqui ― respondeu o Ancião.
— Mas o Conselho não está reunido. Por isso, não pode dar a sua opinião.
Expeliu uma outra baforada e calou-se.
Os homens fortes, impacientes por levar a madeira que lhes cabia, inclinaram-se, por sua vez, diante dos Anciãos e disseram:
― Digam-nos apenas se podemos pegar na nossa parte.
O Ancião nem se deu ao trabalho de responder. Limitou-se a expelir uma baforada do cachimbo e permaneceu em silêncio.
Mas o mais forte, que também era o mais impaciente, deu um passo em frente.
De imediato, o velho homem largou o cachimbo e, com uma voz trémula, acrescentou precipitadamente:
― O Conselho vai reunir… para decidir onde terá lugar o próximo Conselho.
O discurso enfadonho que se seguiu poderia ter durado até ao final dos tempos, se o Conselho não tivesse acabado por decidir… que decidiria mais tarde!
De seguida, os velhos aconselharam o pequeno homem a dar aos homens fortes o que eles pediam. Depois, reclamaram, por sua vez, um pedaço da árvore como recompensa pelo sábio conselho. E o pequeno homem assim o fez porque era costume dar uma prenda aos Anciãos, como agradecimento pelos seus conselhos.
E cada um se apressou a serrar, a rachar e a atar.
E o pedaço de árvore não tardou a transformar-se em achas, toros e feixes para queimar. Os homens acendiam fogueiras à volta da aldeia para manter afastados os animais selvagens. Ignoravam que os animais tinham ainda mais medo deles do que das suas fogueiras.

* * *

Um pouco desiludido, o pequeno homem reparou na diminuição do tronco, mas disse para si mesmo que, apesar de tudo, ainda chegava para fazer um bom tambor para a tribo.
Lançou-se ao trabalho, cheio de coragem. O machado, no entanto, não era muito adequado para o descortiçamento, por isso decidiu ir a casa de um vizinho pedir emprestado um podão, cuja lâmina curvada faria melhor o serviço. Como era hábito, o vizinho estava a fazer a sesta e o pequeno homem acordou-o para lhe fazer o pedido.
― Ah! És tu? ― disse o vizinho, bocejando como um hipopótamo. ― O que queres de mim?
― Se fazes favor, podias emprestar-me o teu podão? ― perguntou muito educadamente o pequeno homem.
― Eh! ― respondeu o vizinho, tão amável quanto um crocodilo a quem interromperam a digestão. ― Não me deixas dormir com esse barulho todo… E ainda por cima queres que te empreste o meu podão! E se eu precisar dele?
― Mas… é só por um dia! Amanhã já terei acabado!
― O que me dás em troca?
― Sabes bem que não tenho nada de meu.
― Ah não? E essa árvore? É tua, não é?
― Sim, mas… ― começou o pequeno homem.
― Pois bem, dá-me um pedaço para alimentar a minha fogueira e emprestar-te-ei o meu podão.
Assim se fez, já que mais ninguém na aldeia tinha a ferramenta de que o pequeno homem precisava.
Um pouco desiludido, atentou no tronco, agora mais pequeno. No entanto, havia ainda madeira para fazer um tantã para a tribo.
Lançou-se ao trabalho, cheio de coragem. E o descortiçamento depressa terminou.
Mas, quando quis cavar o tronco, apercebeu-se de que não tinha cinzel para o fazer.
De certeza que o vizinho tinha um, mas será que lho emprestaria sem reclamar mais um pedaço da árvore?
Infelizmente, mais ninguém da aldeia tinha cinzel. E era preciso acordar novamente o hipopótamo, amável como um crocodilo.
― Tu, outra vez! ― bocejou o vizinho. ― O que queres?
― Desculpa ― disse o pequeno homem com a sua voz gentil. ― Vim devolver-te o podão… e pedir-te, em troca, um cinzel, se fazes o favor.
― Em troca? ― zombou o vizinho. ― Não há troca nenhuma porque o podão é meu. Dá-me um pedaço de madeira para a minha fogueira e emprestar-te-ei o meu cinzel.

* * *

Assim foi feito. E o pequeno homem, um pouco desiludido, atentou no tronco muito curto. Ainda podia fazer um bonito tantã, não para toda a tribo, mas, mesmo assim, um bonito tantã. Cheio de coragem, meteu mãos à obra e depressa cavou o tronco. Faltava apenas endurecê-lo ao lume, para que fosse mais sólido e para que o seu som chegasse mais longe. Mas o pequeno homem não tinha fogueira e já havia dado tanta madeira aos outros que não possuía o suficiente nem para atear uma fogueira. Claro que a fogueira do vizinho crepitava, um pouco mais longe, mas não ousava acordá-lo pela terceira vez.
Foi então pedir aos homens fortes, que faziam uma grande fogueira, a permissão de passar o seu tantã pelo fogo.
― De acordo, ― disseram eles ― mas com a condição de pores uma acha na nossa fogueira, como todos fazem.
― Mas… já não tenho madeira, já vos dei tudo! ― respondeu.
― Ah sim? E isto, não é madeira? ― perguntou o mais forte dos homens fortes, indicando o pequeno tantã.
Com a morte na alma, o pequeno homem teve de se resolver a cortar um pedaço do tantã antes mesmo de lhe ter ouvido a voz.
E quando pensou naquilo que lhe restava do imenso tronco que a árvore lhe tinha dado, esteve quase para se sentar a chorar e abandonar o seu belo projecto.
Mas caiu de novo em si e disse para si mesmo que, apesar de tudo, se não chegasse para um tantã, chegaria para fazer um grande tambor.
Cheio de coragem, meteu mãos à obra e o que restava do tantã foi rapidamente convertido em djembé. (Djembé é o nome que se dá a esta espécie de tambor, em África). Mas o pequeno homem apercebeu-se de que lhe faltava uma pele de cabra para o tambor.
Partiu então à procura do rebanho de cabras. A rapariga que as guardava era ainda quase uma criança, e o pequeno homem pensou que seria mais fácil falar com ela.
― Bom dia ― disse à criança.
― Bom dia ― respondeu ela. ― És tu que dás madeira a toda a gente em troca de uma ferramenta ou de lume?
― Sim, quer dizer… ― começou ele.
― O que queres de mim? ― interrompeu a criança.
― Apenas uma pele de cabra, uma daquelas que tens por aí. Mas já não tenho madeira para te dar.
― É pena ― disse a rapariga. ― Justamente, também eu necessito de um pouco de madeira. Para afastar os leões do meu rebanho não há nada melhor do que uma boa fogueira, disseram-me os Anciãos.
― Oh, por favor, dá-me uma pele. Bem vejo que não te fazem falta ― suplicou o pequeno homem.
― Pelo contrário, as minhas peles, troco-as por madeira! ― retorquiu a criança.
E, como mais ninguém na aldeia tinha peles de cabra, o homem foi obrigado, uma vez mais, a cortar um pedaço do tambor.

* * *

A pele de cabra era dura e seca, frágil como uma corcha. Antes de a colocar no tambor, era preciso macerá-la, fervê-la, esticá-la, batê-la para a tornar mais suave e tão sólida como o couro.
Só faltava levá-la ao curtidor.
Aquele que curtia todas as peles da tribo morava sozinho fora da aldeia, perto do rio. O seu trabalho requeria muita água. E os outros não teriam querido que ele se instalasse perto, devido ao cheiro insuportável das peles molhadas.
Mas, por mais longe que o curtidor morasse, também ele tinha ouvido falar da árvore abatida. Por sua vez, reclamou uma parte, como prémio do seu trabalho.
― Mas já não há nenhuma árvore! ― lamentou-se o pequeno homem. Ficou apenas um tambor!
― De acordo ― concluiu o curtidor. ― Contentar-me-ei com um bocado do tambor.
E o pequeno homem cortou e deu-lhe a madeira, e a pele foi curtida, seca e ficou pronta a ser colocada no djembé.
Quando quis esticá-la, deu-se conta de que lhe faltava uma corda para o fazer.
Foi então à procura daquele que na aldeia melhor sabia entrançar cordas. É que a corda que estica a pele de um djembé tem de ser sólida.
Tal como os outros, o entrançador de cordas pediu um pouco de madeira. Apesar dos seus protestos e lamentos, o pequeno homem nada conseguiu. E o tambor ficou ainda mais pequeno.
O pequeno homem regressou a casa perturbado, com a corda ao ombro. Ao ver o tambor tão pequeno, perguntou-se se teria valido a pena o trabalho.
Depois, recordou a árvore que se erguia no meio da savana. Lembrou-se da promessa que lhe tinha feito e a coragem voltou-lhe. Depressa a pele de cabra foi colocada no djembé, em arco, e muito esticada por uma rede de nós sólidos e complicados.

* * *

O homem olhou para o seu djembé, finalmente pronto! Claro que era um djembé muito pequenino, bem diferente daquele tantã que ele quereria ter talhado e no qual toda a tribo teria tocado em conjunto. No entanto, o homem não ficou decepcionado, porque era um belo djembé: esculpido, polido, suficientemente largo para as suas pequenas mãos, e suficientemente grande para lhe caber entre os joelhos. Então, o homem quis experimentá-lo. Com as palmas e os dedos pôs-se a tocar. E a voz que saía deste tambor, tão pequenino que mais parecia um tambor de criança, era ampla e vasta e profunda como a floresta.

O homem sentiu-se arrebatado e as suas mãos continuaram a tocar… E a voz imponente do pequeno djembé estendeu-se a toda a aldeia e à savana inteira.
Um por um, todos os da tribo se aproximaram dele. Tinham vindo todos: desde o mais ancião dos Anciãos à pequena guardadora de cabras, do mais forte dos homens fortes ao vizinho crocodilo. Tinham deixado as suas fogueiras, as suas conversas enfadonhas e as suas sestas, para formar um círculo em redor do pequeno tambor. E faziam silêncio.

Do pequeno djembé elevavam-se palavras e frases que diziam toda a savana: o medo da zebra que foge à azagaia do caçador ávido, o sofrimento da erva que curva perante a chama acesa pelo homem, a doçura do vento que murmura nos ramos da árvore… E os homens escutavam. Eles, que só pensavam na caça, na guerra e nas fogueiras, faziam silêncio.
Assim, até aos limites da montanha e do deserto, cada pássaro, cada leão e cada girafa reconheceram a voz da velha árvore. E, graças às mãos do pequeno homem, todos partilharam de novo o seu saber, por muito tempo ainda. Porque, ao som do djembé, o cepo da antiga árvore germinou. Do jovem rebento brotou uma nova árvore.
E, sob a sua corcha de árvore, corria a seiva da sabedoria de África.
A seus pés, por entre as ervas altas, a leoa espiava o antílope ou a zebra que se tinham afastado do grupo. Os pássaros, que se empoleiravam nos ramos mais altos, conheciam-na bem. E as girafas, que comiam as folhas dos ramos do meio, e os leões, que se estendiam sob os ramos baixos para fazerem a sesta.
Até os homens…


Conto Africano

Do Spillers
L’arbre qui parle
Toulouse, Milan Poche, 1999
Tradução e adaptação


02/02/2010

Chapeuzinho Vermelho


Era uma vez, numa pequena cidade às margens da floresta, uma menina de olhos negros e louros cabelos cacheados, tão graciosa quanto valiosa.
Um dia, com um retalho de tecido vermelho, sua mãe costurou para ela uma curta capa com capuz; ficou uma belezinha, combinando muito bem com os cabelos louros e os olhos negros da menina.
Daquele dia em diante, a menina não quis mais saber de vestir outra roupa, senão aquela e, com o tempo, os moradores da vila passaram a chamá-la de “Chapeuzinho Vermelho”.
Além da mãe, Chapeuzinho Vermelho não tinha outros parentes, a não ser uma avó bem velhinha, que nem conseguia mais sair de casa. Morava numa casinha, no interior da mata.
De vez em quando ia lá visitá-la com sua mãe, e sempre levavam alguns mantimentos.
Um dia, a mãe da menina preparou algumas broas das quais a avó gostava muito mas, quando acabou de assar os quitutes, estava tão cansada que não tinha mais ânimo para andar pela floresta e levá-las para a velhinha.
Então, chamou a filha:
— Chapeuzinho Vermelho, vá levar estas broinhas para a vovó, ela gostará muito. Disseram-me que há alguns dias ela não passa bem e, com certeza, não tem vontade de cozinhar.
— Vou agora mesmo, mamãe.
— Tome cuidado, não pare para conversar com ninguém e vá direitinho, sem desviar do caminho certo. Há muitos perigos na floresta!
— Tomarei cuidado, mamãe, não se preocupe. A mãe arrumou as broas em um cesto e colocou também um pote de geléia e um tablete de manteiga. A vovó gostava de comer as broinhas com manteiga fresquinha e geléia.
Chapeuzinho Vermelho pegou o cesto e foi embora. A mata era cerrada e escura. No meio das árvores somente se ouvia o chilrear de alguns pássaros e, ao longe, o ruído dos machados dos lenhadores.
A menina ia por uma trilha quando, de repente, apareceu-lhe na frente um lobo enorme, de pêlo escuro e olhos brilhantes.
Olhando para aquela linda menina, o lobo pensou que ela devia ser macia e saborosa. Queria mesmo devorá-la num bocado só. Mas não teve coragem, temendo os cortadores de lenha que poderiam ouvir os gritos da vítima. Por isso, decidiu usar de astúcia.
— Bom dia, linda menina — disse com voz doce.
— Bom dia — respondeu Chapeuzinho Vermelho.
— Qual é seu nome?
— Chapeuzinho Vermelho
. — Um nome bem certinho para você. Mas diga-me, Chapeuzinho Vermelho, onde está indo assim tão só?
— Vou visitar minha avó, que não está muito bem de saúde.
— Muito bem! E onde mora sua avó?
— Mais além, no interior da mata.
— Explique melhor, Chapeuzinho Vermelho.
— Numa casinha com as venezianas verdes, logo29 após o velho engenho de açúcar.
O lobo teve uma idéia e propôs:
— Gostaria de ir também visitar sua avó doente. Vamos fazer uma aposta, para ver quem chega primeiro. Eu irei por aquele atalho lá abaixo, e você poderá seguir por este. Chapeuzinho Vermelho aceitou a proposta.
— Um, dois, três, e já! — gritou o lobo.
Conhecendo a floresta tão bem quanto seu nariz, o lobo escolhera para ele o trajeto mais breve, e não demorou muito para alcançar a casinha da vovó.
Bateu à porta o mais delicadamente possível, com suas enormes patas.
— Quem é? — perguntou a avó.
O lobo fez uma vozinha doce, doce, para responder:
— Sou eu, sua netinha, vovó. Trago broas feitas em casa, um vidro de geléia e manteiga fresca.
A boa velhinha, que ainda estava deitada, respondeu:
— Puxe a tranca, e a porta se abrirá.
O lobo entrou, chegou ao meio do quarto com um só pulo e devorou a pobre vovozinha, antes que ela pudesse gritar.
Em seguida, fechou a porta. Enfiou-se embaixo das cobertas e ficou à espera de Chapeuzinho Vermelho. A essa altura, Chapeuzinho Vermelho já tinha esquecido do lobo e da aposta sobre quem chegaria primeiro. Ia andando devagar pelo atalho, parando aqui e acolá: ora era atraída por uma árvore carregada de pitangas, ora ficava observando o vôo de uma borboleta, ou ainda um ágil esquilo. Parou um pouco para colher um maço de flores do campo, encantou-se a observar uma procissão de formigas e correu atrás de uma joaninha.
Finalmente, chegou à casa da vovó e bateu de leve na porta.
— Quem está aí? — perguntou o lobo, esquecendo de disfarçar a voz.
Chapeuzinho Vermelho se espantou um pouco com a voz rouca, mas pensou que fosse porque a vovó ainda estava gripada.
— É Chapeuzinho Vermelho, sua netinha. Estou trazendo broinhas, um pote de geléia e manteiga bem fresquinha!
Mas aí o lobo se lembrou de afinar a voz cavernosa antes de responder:
— Puxe o trinco, e a porta se abrirá.
— Chapeuzinho Vermelho puxou o trinco e abriu a porta.
O lobo estava escondido, embaixo das cobertas, só deixando aparecer a touca que a vovó usava para dormir.
Coloque as broinhas, a geléia e a manteiga no armário, minha querida netinha, e venha aqui até a minha cama. Tenho muito frio, e você me ajudará a me aquecer um pouquinho.
Chapeuzinho Vermelho obedeceu e se enfiou embaixo das cobertas. Mas estranhou o aspecto da avó. Antes de tudo, estava muito peluda! Seria efeito da doença? E foi reparando:
— Oh, vovozinha, que braços longos você tem!
— São para abraçá-la melhor, minha querida menina!
— Oh, vovozinha, que olhos grandes você tem!
— São para enxergar também no escuro, minha menina!
— Oh, vovozinha, que orelhas compridas você tem!
— São para ouvir tudo, queridinha!
— Oh, vovozinha, que boca enorme você tem!
— É para engolir você melhor!!!
Assim dizendo, o lobo mau deu um pulo e, num movimento só, comeu a pobre Chapeuzinho Vermelho.

— Agora estou realmente satisfeito — resmungou o lobo. Estou até com vontade de tirar uma soneca, antes de retomar meu caminho.
Voltou a se enfiar embaixo das cobertas, bem quentinho. Fechou os olhos e, depois de alguns minutos, já roncava. E como roncava! Uma britadeira teria feito menos barulho.
Algumas horas mais tarde, um caçador passou em frente à casa da vovó, ouviu o barulho e pensou: “Olha só como a velhinha ronca! Estará passando mal!? Vou dar uma espiada.”
Abriu a porta, chegou perto da cama e… quem ele viu?
O lobo, que dormia como uma pedra, com uma enorme barriga parecendo um grande balão!
O caçador ficou bem satisfeito. Há muito tempo estava procurando esse lobo, que já matara muitas ovelhas e cabritinhos.
— Afinal você está aqui, velho malandro! Sua carreira terminou. Já vai ver!
Enfiou os cartuchos na espingarda e estava pronto para31 atirar, mas então lhe pareceu que a barriga do lobo estava se mexendo e pensou: “Aposto que este danado comeu a vovó, sem nem ter o trabalho de mastigá-la! Se foi isso, talvez eu ainda possa ajudar!”.
Guardou a espingarda, pegou a tesoura e, bem devagar, bem de leve, começou a cortar a barriga do lobo ainda adormecido.
Na primeira tesourada, apareceu um pedaço de pano vermelho, na segunda, uma cabecinha loura, na terceira, Chapeuzinho Vermelho pulou fora.
— Obrigada, senhor caçador, agradeço muito por ter me libertado. Estava tão apertado lá dentro, e tão escuro… Faça outro pequeno corte, por favor, assim poderá libertar minha avó, que o lobo comeu antes de mim.
O caçador recomeçou seu trabalho com a tesoura, e da barriga do lobo saiu também a vovó, um pouco estonteada, meio sufocada, mas viva.
— E agora? — perguntou o caçador. — Temos de castigar esse bicho como ele merece!
Chapeuzinho Vermelho foi correndo até a beira do córrego e apanhou uma grande quantidade de pedras redondas e lisas. Entregou-as ao caçador que arrumou tudo bem direitinho, dentro da barriga do lobo, antes de costurar os cortes que havia feito.
Em seguida, os três saíram da casa, se esconderam entre as árvores e aguardaram.
Mais tarde, o lobo acordou com um peso estranho no estômago. Teria sido indigesta a vovó? Pulou da cama e foi beber água no córrego, mas as pedras pesavam tanto que, quando se abaixou, ele caiu na água e ficou preso no fundo do córrego.
O caçador foi embora contente e a vovó comeu com gosto as broinhas. Chapeuzinho Vermelho prometeu a si mesma nunca mais esquecer os conselhos da mamãe: “Não pare para conversar com ninguém, e vá em frente pelo seu — caminho”.



01/02/2010

Lenda da Caninha Verde




Nos primeiros tempos da Reconquista, vivia num palácio perto de Vouzela o nobre guerreiro El Haturra, descendente do famoso chefe mouro Cid Alafum. El Haturra era velho e feio e nunca era visto sem a sua bengala: uma velha cana negra entregue, de geração em geração, ao seu novo possuidor através de um ritual verbal misterioso.
El Haturra tinha um amigo português chamado Álvaro, que o aconselhou a desfazer-se da bengala para pôr fim à troça de que era alvo. Este explicou-lhe que a vara era mágica e ficaria verde no dia do profético encontro de dois primos descendentes de Cid Alafum. Esse encontro faria com que as terras e os tesouros do antigo chefe mouro voltassem à posse da família e que formosas mouras fossem desencantadas. Tinha, contudo, como condição essencial que ambos os descendentes professassem a religião de Maomé.
Um dia, enquanto passeavam pelo campo, os dois amigos viram uma linda princesa acompanhada por uma formosa aia. De repente, a vara começou a ficar verde e El Haturra começou a rejuvenescer. Agora jovem e belo, reconheceu na aia a descendente de Cid Alafum e, juntamente com Álvaro, saiu atrás das duas jovens que se dirigiam à corte do rei de Portugal. Diz a lenda que El Haturra conseguiu convencer a jovem aia a casar-se com ele e o rei de Portugal abençoou a união com uma condição: o baptismo de El Haturra. De início, opôs-se veementemente, mas a sua paixão foi mais forte e aceitou o desejo real, esquecendo-se da condição imposta pela profecia. No momento em que estava a ser baptizado, El Haturra voltou a ser velho e feio como dantes. Com o choque, a noiva desmaiou e nunca mais quis ouvir falar no seu noivo que desapareceu para sempre.
A cana verde foi guardada num sítio secreto. Segundo a tradição, se alguém gritar "Viva o fidalgo da caninha verde!" no mesmo local e à mesma hora em que se deu o encontro entre os dois descendentes de Cid Alafum, ouvirá gargalhadas alegres das mouras encantadas que julgam ter chegado a hora da sua libertação.

Issunboshi

Há muito tempo atrás vivam um casal...
Eles formavam um par perfeito, mas apesar do Amor que sentiam um pelo outro, faltava-lhes um filho...
Certo dia, foram a um templo e oraram: Nós agradecemos pela nossa Felicidade e pelo nosso grande Amor, mas falta-nos um filho para que a nossa Felicidade seja completa!!! Por favor, ajude-nos... Precisamos de um filho, uma criatura bem pequenina para que possamos dividir o nosso Amor e Carinho!!!
Pouco tempo depois, sua esposa engravidou e tiveram um lindo menino... Mas estranhamente, ele nasceu com apenas 3 cm...
Isso não importa!!! O Importante é que agora nossa Felicidade está completa!!! - dizia o casal. Vamos chamá-lo de Issunboshi.
O tempo passou e o pequeno garoto não crescia nem um centímetro sequer. Um dia, Issun disse aos pais que desejava ir até a cidade e conseguir muito dinheiro, para que pudesse dar uma vida mais digna à eles. Seus pais ficaram preocupados, mas aceitaram seu pedido, afinal apesar do tamanho, já era maior de idade.
Para ajudar o filho, pegaram uma agulha de costura, para servir-lhe de espada. A tigela de arroz, serviria como um barquinho e o par de palitos, serviria de remos.
Issunboshi foi até a margem do rio, montou em sua tigela e partiu...
Chegando a cidade, andou de um lado para o outro, desviando-se das pessoas, tomando cuidado para não ser esmagado por elas. Andou por muitas horas, até que encontrou uma mansão e resolveu pedir emprego ao proprietário. Então Issun aproximou-se e gritou: Por favor senhor, preciso lhe falar...
O homem olhou para a porta e não viu ninguém... De repente, ouviu novamente a voz: Senhor, eu estou aqui em baixo... em cima do tamanco!!!
O homem então, pegou Issunboshi e colocou-o na palma de sua mão para que pudesse enxergar melhor o pequeno rapaz... Issun então lhe disse: Estou aqui a procura de um emprego, por favor, preciso trabalhar para poder ajudar meus pais.
O homem instantaneamente gostou de Issun e sua filha achou-o uma gracinha, então decidiram empregar aquele pequeno rapaz. Issunboshi e a menina tornaram-se grandes amigos e ele ajudava-a em tudo.
Um dia, a menina pediu ao pequeno jovem que a acompanhasse até o templo de Kiyomizu, pois precisava pagar uma promessa... No meio da estrada, depararam-se com dois monstros que impediam seu caminho. Issun foi ao ataque, mas o monstro pegou o pequeno rapaz e... engoliu!!!
Issun então, com sua agulha começou a espetar o
estômago do monstro e ele por sua vez, sentindo muita dor...
Espetou aqui e ali, até que conseguiu sair pela boca do terrível monstro. Então começou a espetar seus olhos, seu nariz e o monstro desmaiou de tanta dor... O outro, com medo saiu correndo,
deixando cair seu martelo.
A menina então correu, pegou o martelo e disse a Issunboshi: Esse é um Martelo Mágico!!! Se você fizer um pedido, ele virá em dobro para você!!! Peça dinheiro, saco de arroz e tudo virá em abundância!!!
Issunboshi então, respondeu: Não desejo ser rico e nem ter abundância de comida... Quero apenas ser grande!!!
A menina sacudiu o martelo e disse: Cresça... Cresça... Cresça!!!
Como num passe de mágica, Issun começou a crescer... crescer... crescer... Issunboshi tornou-se um homem grande, charmoso e muito bonito!!!
Voltou à sua terra natal e pegou seu pais para morarem junto com ele na cidade grande...
Algum tempo depois, Issunboshi e a linda menina casaram-se e viveram Felizes para Sempre!!!

Lenda do Japão