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17/06/2009

O soldadinho de chumbo



Numa loja de brinquedos havia uma caixa de papelão com vinte e cinco soldadinhos de chumbo, todos iguaizinhos, pois haviam sido feitos com o mesmo molde. Apenas um deles era perneta: como fora o último a ser fundido, faltou chumbo para completar a outra perna. Mas o soldadinho perneta logo aprendeu a ficar em pé sobre a única perna e não fazia feio ao lado dos irmãos.
Esses soldadinhos de chumbo eram muito bonitos e elegantes, cada qual com seu fuzil ao ombro, a túnica escarlate, calça azul e uma bela pluma no chapéu. Além disso, tinham feições de soldados corajosos e cumpridores do dever.
Os valorosos soldadinhos de chumbo aguardavam o momento em que passariam a pertencer a algum menino.
Chegou o dia em que a caixa foi dada de presente de aniversário a um garoto. Foi o presente de que ele mais gostou:
— Que lindos soldadinhos! — exclamou maravilhado.
E os colocou enfileirados sobre a mesa, ao lado dos outros brinquedos. O soldadinho de uma perna só era o último da fileira.
Ao lado do pelotão de chumbo se erguia um lindo castelo de papelão, um bosque de árvores verdinhas e, em frente, havia um pequeno lago feito de um pedaço de espelho.
A maior beleza, porém, era uma jovem que estava em pé na porta do castelo. Ela também era de papel, mas vestia uma saia de tule bem franzida e uma blusa bem justa. Seu lindo rostinho era emoldurado por longos cabelos negros, presos por uma tiara enfeitada com uma pequenina pedra azul.
A atraente jovem era uma bailarina, por isso mantinha os braços erguidos em arco sobre a cabeça. Com uma das pernas dobrada para trás, tão dobrada, mas tão dobrada, que acabava escondida pela saia de tule.
O soldadinho a olhou longamente e logo se apaixonou, e pensando que, tal como ele, aquela jovem tão linda tivesse uma perna só.
“Mas é claro que ela não vai me querer para marido”, pensou entristecido o soldadinho, suspirando.
“Tão elegante, tão bonita… Deve ser uma princesa. E eu? Nem cabo sou, vivo numa caixa de papelão, junto com meus vinte e quatro irmãos”.
À noite, antes de deitar, o menino guardou os soldadinhos na caixa, mas não percebeu que aquele de uma perna só caíra atrás de uma grande cigarreira.
Quando os ponteiros do relógio marcaram meia-noite, todos os brinquedos se animaram e começaram a aprontar mil e uma. Uma enorme bagunça!
As bonecas organizaram um baile, enquanto o giz da lousa desenhava bonequinhos nas paredes. Os soldadinhos de chumbo, fechados na caixa, golpeavam a tampa para sair e participar da festa, mas continuavam prisioneiros.
Mas o soldadinho de uma perna só e a bailarina não saíram do lugar em que haviam sido colocados.




Ele não conseguia parar de olhar aquela maravilhosa criatura. Queria ao menos tentar conhecê-la, para ficarem amigos.
De repente, se ergueu da cigarreira um homenzinho muito mal-encarado. Era um gênio ruim, que só vivia pensando em maldades.
Assim que ele apareceu, todos os brinquedos pararam amedrontados, pois já sabiam de quem se tratava.
O geniozinho olhou a sua volta e viu o soldadinho, deitado atrás da cigarreira.
— Ei, você aí, por que não está na caixa, com seus irmãos? — gritou o monstrinho.
Fingindo não escutar, o soldadinho continuou imóvel, sem desviar os olhos da bailarina.
— Amanhã vou dar um jeito em você, você vai ver! - gritou o geniozinho enfezado.
Depois disso, pulou de cabeça na cigarreira, levantando uma nuvem que fez todos espirrarem.
Na manhã seguinte, o menino tirou os soldadinhos de chumbo da caixa, recolheu aquele de uma perna só, que estava caído atrás da cigarreira, e os arrumou perto da janela.
O soldadinho de uma perna só, como de costume, era o último da fila.
De repente, a janela se abriu, batendo fortemente as venezianas. Teria sido o vento, ou o geniozinho maldoso?
E o pobre soldadinho caiu de cabeça na rua.
O menino viu quando o brinquedo caiu pela janela e foi correndo procurá-lo na rua. Mas não o encontrou. Logo se consolou: afinal, tinha ainda os outros soldadinhos, e todos com duas pernas.
Para piorar a situação, caiu um verdadeiro temporal.
Quando a tempestade foi cessando, e o céu limpou um pouco, chegaram dois moleques. Eles se divertiam, pisando com os pés descalços nas poças de água.
Um deles viu o soldadinho de chumbo e exclamou:
— Olhe! Um soldadinho! Será que alguém jogou fora porque ele está quebrado?
— É, está um pouco amassado. Deve ter vindo com a enxurrada.
— Não, ele está só um pouco sujo.
— O que nós vamos fazer com um soldadinho só? Precisaríamos pelo menos meia dúzia, para organizar uma batalha.
— Sabe de uma coisa? — Disse o primeiro garoto. —Vamos colocá-lo num barco e mandá-lo dar a volta ao mundo.
E assim foi. Construíram um barquinho com uma folha de jornal, colocaram o soldadinho dentro dele e soltaram o barco para navegar na água que corria pela sarjeta.
Apoiado em sua única perna, com o fuzil ao ombro, o soldadinho de chumbo procurava manter o equilíbrio.
O barquinho dava saltos e esbarrões na água lamacenta, acompanhado pelos olhares dos dois moleques que, entusiasmados com a nova brincadeira, corriam pela calçada ao lado.
Lá pelas tantas, o barquinho foi jogado para dentro de um bueiro e continuou seu caminho, agora subterrâneo, em uma imensa escuridão. Com o coração batendo fortemente, o soldadinho voltava todos seus pensamentos para a bailarina, que talvez nunca mais pudesse ver.
De repente, viu chegar em sua direção um enorme rato de esgoto, olhos fosforescente e um horrível rabo fino e comprido, que foi logo perguntando:
— Você tem autorização para navegar? Então? Ande, mostre-a logo, sem discutir.
O soldadinho não respondeu, e o barquinho continuou seu incerto caminho, arrastado pela correnteza. Os gritos do rato do esgoto exigindo a autorização foram ficando cada vez mais distantes.
Enfim, o soldadinho viu ao longe uma luz, e respirou aliviado; aquela viagem no escuro não o agradava nem um pouco. Mal sabia ele que, infelizmente, seus problemas não haviam acabado.
A água do esgoto chegara a um rio, com um grande salto; rapidamente, as águas agitadas viraram o frágil barquinho de papel.
O barquinho virou, e o soldadinho de chumbo afundou.
Mal tinha chegado ao fundo, apareceu um enorme peixe que, abrindo a boca, engoliu-o.
O soldadinho se viu novamente numa imensa escuridão, espremido no estômago do peixe. E não deixava de pensar em sua amada: “O que estará fazendo agora sua linda bailarina? Será que ainda se lembra de mim?”.
E, se não fosse tão destemido, teria chorado lágrimas de chumbo, pois seu coração sofria de paixão.
Passou-se muito tempo — quem poderia dizer quanto?
E, de repente, a escuridão desapareceu e ele ouviu quando falavam:
— Olhe! O soldadinho de chumbo que caiu da janela!
Sabem o que aconteceu? O peixe havia sido fisgado por um pescador, levado ao mercado e vendido a uma cozinheira. E, por cúmulo da coincidência, não era qualquer cozinheira, mas sim a que trabalhava na casa do menino que ganhara o soldadinho no aniversário.
Ao limpar o peixe, a cozinheira encontrara dentro dele o soldadinho, do qual se lembrava muito bem, por causa daquela única perna.
Levou-o para o garotinho, que fez a maior festa ao revê-lo. Lavou-o com água e sabão, para tirar o fedor de peixe, e endireitou a ponta do fuzil, que amassara um pouco durante aquela aventura.
Limpinho e lustroso, o soldadinho foi colocado sobre a mesma mesa em que estava antes de voar pela janela. Nada estava mudado. O castelo de papel, o pequeno bosque de árvores muito verdes, o lago reluzente feito de espelho. E, na porta do castelo, lá estava ela, a bailarina: sobre uma perna só, com os braços erguidos acima da cabeça, mais bela do que nunca.
O soldadinho olhou para a bailarina, ainda mais apaixonado, ela olhou para ele, mas não trocaram palavra alguma. Ele desejava conversar, mas não ousava. Sentia-se feliz apenas por estar novamente perto dela e poder amá-la.
Se pudesse, ele contaria toda sua aventura; com certeza a linda bailarina iria apreciar sua coragem. Quem sabe, até se casaria com ele…
Enquanto o soldadinho pensava em tudo isso, o garotinho brincava tranqüilo com o pião.
De repente como foi, como não foi — é caso de se pensar se o geniozinho ruim da cigarreira não metera seu nariz —, o garotinho agarrou o soldadinho de chumbo e atirou-o na lareira, onde o fogo ardia intensamente.
O pobre soldadinho viu a luz intensa e sentiu um forte calor. A única perna estava amolecendo e a ponta do fuzil envergava para o lado. As belas cores do uniforme, o vermelho escarlate da túnica e o azul da calça perdiam suas tonalidades.
O soldadinho lançou um último olhar para a bailarina, que retribuiu com silêncio e tristeza. Ele sentiu então que seu coração de chumbo começava a derreter — não só pelo calor, mas principalmente pelo amor que ardia nele.
Naquele momento, a porta escancarou-se com violência, e uma rajada de vento fez voar a bailarina de papel diretamente para a lareira, bem junto ao soldadinho. Bastou uma labareda e ela desapareceu. O soldadinho também se dissolveu completamente.
No dia seguinte. a arrumadeira, ao limpar a lareira, encontrou no meio das cinzas um pequenino coração de chumbo: era tudo que restara do soldadinho, fiel até o último instante ao seu grande amor.
Da pequena bailarina de papel só restou a minúscula pedra azul da tiara, que antes brilhava em seus longos cabelos negros.






16/06/2009

A lenda de TAM LIN

Há muito tempo, perto de Carterhough-Escócia, vivia uma jovem chamada Seonaid filha do Duque. Era uma moça adorável de longo cabelo louro e de olhos azuis tão brilhantes como sóis. Um dia Seonaid resolveu passear pelos bosques em procura de algo que a afastasse do aborrecimento que sempre sentia em casa.
Na floresta encantou-se com o ambiente, com os sons e os aromas, mas principalmente com as flores que ela encontrou nas mais variadas formas, cores e com os mais delicados perfumes. Decidiu levar uma para casa, para isso escolheu um linda rosa branca. Quando a prendia na roupa ouviu uma voz:
- Como te atreves a passear na floresta e colher flores sem a minha permissão?
A voz pertencia a um jovem de cabelo negro, de olhos de um azul profundo e um pouco mais velho do que ela.
- Sou eu quem guarda estas florestas - Continuou ele - E quem garante que a paz não é perturbado por aqui.
Apesar de ter sido apanhada desprevenida, Seonaid conseguiu sorrir docemente:
- Garanto-te que não é minha intenção perturbar a paz deste lindo bosque, nem causar qualquer tipo de danos.
O rapaz respondeu ao sorriso de Seonaid com um outro enquanto colhia uma rosa vermelha que tinha acabado de nascer no local de onde ela tinha colhido a branca.
- Só para poder admirar a tua beleza, eu daria alegremente todas as rosas de Carterhaugh.
As palavras do rapaz, apesar de agradáveis não deixaram de surpreender novamente Seonaid. Recompondo-se perguntou-lhe:
- Como te chamas?
- O meu nome é Tam Lin.
Ao ouvir este nome, Seonaid deixou cair a rosa vermelha que ele lhe tinha oferecido, ela conhecia este nome das muitas histórias ouvidas sobre o herói de Annwn da Terra das Fadas.
Receando pela sua segurança. Seonaid garantiu novamente que não pretendia caudas qualquer mal à floresta.
Tam Lin tranquilizou-a falando-lhe sobre ele mesmo:
- Nasci mortal, tal como tu. O meu avô era o Duque de Roxburgh. Um dia, levou-me com ele à caça onde fui alvo de um poderoso encantamento e adormeci. Quando acordei estava em Annwn, a Terra das Fadas, onde, desde então sou prisioneiro da sua Rainha.
Ao ouvir esta história, o coração de Seonaid ensombrou-se de tristeza a perguntou-lhe:
- Há alguma coisa que eu possa fazer para te libertar desse encantamento?
- Sim há! - Respondeu ele com entusiasmo.
- Hoje é a noite de Samhain - explicou ele - As fadas irão percorrer os campos e eu como seu herói e campeão deverei ir com elas. Quando for meia-noite espera junto da encruzilhada e verás três grupo de Elfos. Eu estarei no terceiro, usando um círculo dourado e montando um cavalo branco. Nessa altura deverás correr para mim e obrigar-me a desmontar. Não importa que feitiços elas lancem contra nós, não deves nunca largar-me.
Seonaid prometeu-lhe que assim faria. Despedindo-se dele encaminhou-se para casa, para descansar e preparar-se para aquela noite de aventura.
À meia-noite Seonaid estava no local indicado por Tam Lin, escondida num acidente de terreno, quando ouviu o típico som de cavalos se aproximando.
Mantendo-se longe de qualquer olhar atento, viu passar o primeiro grupo que era liderado pela Rainha da Fadas, que montava um corcel preto, tão negro como um caldeirão usado.
Quando o segundo grupo passou, Seonaid preparou-se para entrar em acção.
Espreitando um pouco, pode ver Tam Lin encabeçando o terceiro grupo.
Sem hesitar, correu para e derrubou da montaria e abraçou-o com força.
Poderosa com era, a Rainha das Fadas sentiu logo o que se passava.
- Tam Lin fugiu! - Gritava ela enquanto cavalgava de volta.
O cavalo negro parecia um demónio e os lindos, mas inumanos olhos da Rainha chispavam de desespero quando lançou um feitiço que transformou Tam Lin num lagarto.
Mas Seonaid não desistiu e segurou Tam Lin contra o peito.
Vendo que não tinha resultado, a Rainha transformou Tam Lin numa enorme cobra, mas mesmo assim Seonaid não o largou.
Como último recurso a Rainha transformou Tam Lin num enorme pedra quente.
Seonaid gritou de dor, mas mesmo assim continuou a segurá-lo contra o peito.
Vendo que tinha sido derrotada, a Rainha concedeu e devolveu a Tam Lin a sua forma humana dizendo:
- Adeus Tam Lin, o melhor de todos os meu cavaleiros, afastas-te de mim pelo amor de uma mortal. Tivesse eu sabido isso antes e ter-te-ia tirado o coração há muito tempo atrás.
Com isto a Rainha incitou o cavalo e desapareceu na escuridão juntamente com todas as fadas e cavaleiros que a acompanhavam.
Tam Lin beijou então as mãos queimadas de Seonaid e juntos encaminharam-se para o castelo do pai dela.
Tam Lin foi recebido de volta ao mundo dos humanos. Ele e Seonaid casaram então então e desse casamento nasceram muitos filhos que fizeram perdurar esta história.


Escócia


15/06/2009

Pan Gu, o criador do Universo


Segundo uma lenda chinesa, o mundo foi criado por Pan Gu. De início, o Universo e a Terra eram uma enorme confusão. O Universo assemelhava-se a um grande ovo preto dentro do qual dormia Pan Gu. Passaram-se dezoito mil anos, Pan Gu despertou do seu prolongado sono. Sentiu-se sufocado e então pegou num machado e quebrou com a casca do ovo. A parte clara e leve do ovo subiu e formou o Universo, a parte fria e turva sedimentou-se e transformou-se na Terra.
Preocupado com o fato do Universo e da Terra se juntarem novamente, Pan Gu pôs-se de pé, a fim de sustentar com a cabeça o Universo e a Terra com os pés. Cresceu dez chi (Chi, medida de comprimento antiga da China. Dez chi equivalem a 3,33 metros) por dia. Passaram-se mais dezoito mil anos, Pau Gu tornou-se num gigante com estatura de 90 mil li (45 mil quilómetros ). Passaram-se milhares de anos e o Universo permaneceu estável e a Terra, consolidada.
Tempos depois, esgotado, Pau Gu caiu na Terra e morreu.
Depois da morte de Pan Gu, a sua respiração transformou-se nos ventos e nuvens; sua voz, no trovão; um dos olhos tornou-se o Sol e outro, a Lua. Os braços, pernas e o tronco converteram-se em cinco grandes montanhas e seu sangue deu origem aos rios e lagos. Os nervos tornaram-se estradas e os músculos se converteram em terras férteis. Os cabelos e as barbas, as estrelas, e os pelos finos e a pele, flores e árvores. Os seus ossos tornaram-se jade e pérolas e o suor transformou-se no orvalho e na chuva que alimentam todos os seres vivos do planeta.




14/06/2009

O milagre de Ourique



A Batalha de Ourique é um episódio simbólico para a monarquia portuguesa. Conta-se que nesse dia, D. Afonso Henriques foi pela primeira vez aclamado rei de Portugal. Tudo aconteceu no dia 25 de Julho de 1139, no campo de Ourique .
Aí se defrontaram o exército cristão e os cinco reis mouros de Sevilha, Badajoz, Elvas, Évora e Beja mais os seus guerreiros, que ocupavam o sul da península.
A lenda diz-nos que pouco antes da batalha, D. Afonso Henriques foi visitado por um velho homem, que já tinha visto em sonhos, que de forma enigmática, lhe anunciou uma profética vitória contra os mouros. Para que tal acontecesse, o rei deveria, na noite seguinte, sair sozinho do acampamento, mal ouvisse a sineta da ermida onde o velho vivia. O cavaleiro assim fez, mas assim que deixou de avistar os seus homens, foi surpreendido por um raio de luz que progressivamente iluminou tudo em seu redor. Com dificuldade e aos poucos ,consegiu distiguir , por entre a imensa claridade, o Sinal da Cruz e a imagem de Cristo crucificado.
Emocionado, D. Afonso Henriques ajoelhou-se perante a voz do Senhor que nesse instante lhe prometeu a vitória naquela e em outras batalhas. Ao povo português reservava grandes desígnios e tarefas.
Por intermédio do rei e dos seus descendentes, Deus fundaria um império através do qual o Seu Nome seria levado às nações mais estranhas.
D. Afonso ainda a pensar no que lhe tinha acontecido regressou cheio de confiança ao acampamento .
No dia seguinte,os portugueses, em menor número mas contagiados pelo entusiasmo do seu rei, puseram os os mouros em fuga. perseguindo-os e matando-os.
Após tão milagrosa vitória, conforme reza a lenda, D. Afonso Henriques decidiu que a bandeira portuguesa passaria a ostentar cinco escudos ou quinas em cruz, representando os cinco reis vencidos e as cinco chagas de Cristo, carregadas com os trinta dinheiros de Judas.



A árvore e o poeta



Em um vale aos pés de uma montanha, às margens de um regato, existia uma árvore muito grande e formosa. Tinha galhos fortes e folhas sempre verdes.
Na primavera enchia-se de flores, que no outono transformavam-se em frutos deliciosos.
Nos dias quentes de verão oferecia ampla sombra a quem se abrigava sob suas ramas, e nos dias frios de inverno, durante fortes ventanias, o balançar de suas folhas era como uma sinfonia da Natureza.
Famílias de pássaros construíam seus ninhos por entre seus galhos aconchegantes e protectores. A árvore vivia feliz.
Em uma tarde de primavera, ela recebeu a visita de alguém diferente: um rapaz bonito, com belos olhos negros, que aparentava ter algo especial, algo que ela não sabia explicar. Ele sentou-se sob a árvore, recostou-se em seu tronco e ali passou a tarde toda pensando, observando tudo ao redor.
De vez em quando, tomava do lápis e papel que trazia consigo e fazia longas anotações, que logo em seguida lia repetidamente, com voz que soava como música.
A árvore olhava para o rapaz curiosamente. Gostou tanto dele que fez cair de um de seus galhos uma florzinha que pousou delicadamente no colo do moço. E foi com grande alegria que ela o viu pegar a flor, cheirá-la e guardá-la entre seus papéis, como sinal de que o presente fora aceito.
Quando ele levantou-se para ir embora, ela balançou suavemente seus galhos numa saudação de despedida, e ao vê-lo caminhando, afastando-se dela, sentiu algo diferente em seu coração de árvore: uma sensação gostosa, que queimava, agitava e tranquilizava ao mesmo tempo. E desejou ver o moço novamente.
No dia seguinte, quase à mesma hora, ele apareceu. Disse um "olá, amiga árvore", que a fez tremer de admiração , mas também de alegria. Afinal, nunca nenhum humano havia falado com ela, somente os pássaros, as borboletas, as flores, o vento... E isso a cativou um pouco mais.
E no outro dia ele veio de novo. Conforme os dias passavam, ela acostumou-se com as visitas de seu novo amigo, e aprendeu a amá-lo. Nos dias em que ele não aparecia, ela sentia algo que não conhecia até então, a "saudade".
Entre eles nasceu uma amizade muito linda. Ele chegava, saudava-a, às vezes alegremente, outras vezes mais triste, dependendo do que se passava em sua alma naquele dia.
Conversava com os pássaros que habitavam na árvore, pássaros que também passaram a gostar muito dele, de verdade. Por isso, por vezes entoavam lindas melodias enquanto ele escrevia. Mas quando ele começava a ler em voz alta aquilo que tinha escrito, até o vento se calava para escutar tantas palavras mágicas e melodiosas.
Em noites de Lua cheia, a árvore percebia com alegria um vulto que se aproximava, pois sabia tratar-se de seu amigo que gostava de admirar o luar em sua companhia.
Quando o outono chegou e as flores tornaram-se frutos, o rapaz subia em seus galhos, e ali ficava a deliciar-se com os frutos tão suculentos, mais doces agora, pois ela os adoçava somente pra ele.
Depois de comer, ele deitava-se sob sua sombra e dormia um pouco. Nesses instantes, a árvore aproveitava para tocar seu rosto com suas folhas, numa carícia de amor.
Dia-a-dia aquela relação de amor e amizade fortalecia-se. Ela adorava a sensação de vê-lo chegar, e gostava até de sentir saudade quando ele ia embora, pois sabia que aquilo era uma das consequências do amor.
Mas um dia ele partiu e nunca mais voltou... Passou um dia, dois, três, e muitos outros dias, e ele não aparecia. A árvore começou a inquietar-se, pois aquilo nunca tinha acontecido antes. Ele nunca tinha passado tanto tempo longe dela. O que estaria se passando? A cada dia ela ficava mais e mais preocupada, e seu coração doía muito, como se estivesse sentindo que algo de grave estava acontecendo.
Um dia, não mais suportando a saudade e a dúvida, pediu aos pássaros moradores de seus galhos para voarem até o povoado onde ela sabia que morava o rapaz, para obterem alguma informação sobre seu paradeiro.
Os pássaros a atenderam prontamente.
Em um pequeno bando, voaram até o vilarejo à procura do rapaz. Saíram logo pela manhã e se demoraram um dia inteiro nesta procura.
Ah, que espera angustiante para a pobre árvore! Durante o dia inteiro ela não desgrudou os olhos do céu, esperando pelos pássaros com as notícias de seu amor.
No finalzinho da tarde, quando o Sol já se despedia e o vento anunciava a chegada da noite, os pássaros retornaram. Estavam cabisbaixos, tristes, e mal conseguiam olhar para a árvore.
Ela sentiu uma pontada no peito, pois sabia que as notícias não seriam nada boas. E seu coração estava certo, pois o que os pássaros lhe trouxeram foi a notícia mais triste e terrível que ela poderia receber: seu amigo estava morto!
- Não, não, não! Não pode ser verdade! - gritava desesperadamente a árvore!
Ela não podia acreditar no que estava ouvindo! Sentiu uma dor dilacerante, como se dez machados a estivessem ferindo ao mesmo tempo! Cada folhinha de seus galhos doía, e até as flores lhe pareciam pesadas demais. Que dor era aquela, que a sufocava, torturava, como se estivessem lhe queimando viva?
Ela chorou, chorou, a noite inteira, sem cessar. Todas as criaturas da noite entristeceram-se ao testemunhar o sofrimento da árvore. Até a Lua, do alto de sua majestade, chorou.
Pela manhã, a árvore parou de chorar, mas estava tão triste que não sentia mais vontade de viver. Viver para quê, se nunca mais veria seu amigo chegando, nunca mais receberia seu sorriso, nunca mais escutaria sua voz doce recitando seus poemas? Viver sem ofertar-lhe seus frutos e flores, sem admirar a Lua com ele, sem aconchegá-lo em sua sombra, sem velar seu sono? Não, ela preferia morrer.
E assim, todos que ali perto estavam presenciaram uma cena rara: em plena primavera, a árvore deixou cair todas suas folhas e flores, como se estivessem em pleno inverno. Nada restou em seus galhos, somente a tristeza.
Os pássaros foram obrigados a sair dali, mudaram-se para as árvores próximas, para poderem continuar perto de sua amiga de tanto tempo. Que tristeza era vê-la acabando-se daquele jeito!
Seus amigos tentaram de tudo para animá-la, para fazê-la reagir, tudo em vão. Nada adiantava, e a árvore morria aos poucos. Seus galhos não mais apontavam para o céu, estavam quase encostando no chão, como se ela não tivesse forças para suportar seu próprio peso. E estava também cada vez mais seca, por mais que a mãe Natureza enviasse chuva para nutri-la. Ela tinha perdido a alegria de viver, desejava ardentemente morrer como seu amigo.
Até que um dia, aos primeiros raios do Sol, quando os pássaros despertavam, com sua algazarra matinal de costume, apareceu um pássaro de beleza incrivelmente exuberante. Era pequenino, aparência frágil, olhinhos negros e penas alaranjadas com pontas vermelhas, que reluziam como ouro sob os raios do Sol! Não havia no mundo inteiro um pássaro tão belo como aquele! E ele pousou exactamente na árvore seca e praticamente morta. O contraste era tremendo: a ave aparentava ser ainda mais bela e encantadora, pousada naquele monte de galhos secos e pendentes.
Pois ele ali pousou, ficou um tempo em silêncio, mas logo tomou fôlego, agitou o corpinho e soltou o mais belo canto que a Terra já ouviu! Foi impressionante! Todos os pássaros da região calaram-se para ouvir aquele doce trinado, hipnotizados por tamanha beleza.
E foi então que a mágica aconteceu: a árvore, que há muito tempo não dava sinal de vida, estremeceu e abriu os olhos lentamente, para ver de onde vinha aquele gorjeio de pura magia.
Quando viu aquele pássaro tão majestoso e simples ao mesmo tempo, com tamanho brilho em suas penas, e de olhos tão vivos, ela reconheceu imediatamente o seu amigo. Era ele! Com certeza era ele! Somente ele poderia trazer ao mundo um canto tão mavioso!
- É você, amigo meu? Você voltou para mim? - perguntou ela, quase explodindo de alegria, pois já sabia a resposta.
E a resposta veio em forma de um sorriso e mais um canto para encantar o mundo.
Então ela entendeu que todas as suas preces haviam sido atendidas e por isso ele estava de volta. A alma do poeta estava agora habitando o corpo do pássaro, fora um presente de Deus para ela.
E um novo milagre aconteceu: assim como perdera todas as folhas e flores num único dia ao saber da morte do rapaz, agora, para alegria de seus amigos, em poucos minutos ela recuperou cada folha, cada flor, cada fruto. E tornou-se ainda mais formosa e frondosa! Suas flores estavam ainda mais perfumadas, seus frutos mais doces, suas folhas mais verdes, seus galhos mais fortes. Cada pedacinho da árvore irradiava pura felicidade! A Natureza estava em festa!
Agora ela era feliz novamente, como no princípio daquela amizade recheada de amor.
O rapaz, agora pássaro, não mais escrevia poesias, mas compunha melodias tão lindas que eram como se fossem compostas para os anjos e fadas. Mas ela sabia que cada nota daquelas canções eram feitas para ela, somente para ela, e quando o mundo calava-se para ouvi-lo cantar, ela sabia que ele cantava só para fazê-la feliz.
E tudo porque, nesse mundo, ninguém amou com tanta intensidade como ela amou...

Alethéia Giselle Leonel de Almeida Schnitzer




12/06/2009

Egas Moniz, o Aio


Conta esta lenda que, por altura do cerco a Guimarães, Egas Moniz, aio de D. Afonso Henriques, decidiu negociar a paz com o monarca castelhano Afonso VII. A troco da paz prometeu-lhe a vassalagem de D. Afonso Henriques e dos nobres que o apoiavam. Afonso VII aceitou a palavra de Egas Moniz. Um ano depois, D. Afonso Henriques quebrou o prometido e resolveu invadir a Galiza.
Vestidos de condenados, Egas Moniz e a sua família apresentaram-se na côrte de D. Afonso VII, em Castela, pondo nas mãos do rei as suas vidas como penhor da promessa quebrada. O rei castelhano, diante da coragem e humildade de Egas Moniz, decidiu perdoar-lhe.
Ao entregar-se, Egas Moniz ressalvava a sua honra e também a de Afonso Henriques, assegurando através da sua astúcia a futura independência de Portugal.





10/06/2009

João e Maria



Às margens de uma floresta existia, há muito tempo, uma cabana pobre feita de troncos de árvores, onde moravam um lenhador, sua segunda esposa e seus dois filhinhos, nascidos do primeiro casamento. O garoto chamava-se João e a menina, Maria.
Na casa do lenhador, a vida sempre fora difícil, mas, naquela época, as coisas pioraram: não havia pão para todos.
— Mulher, o que será de nós? Acabaremos morrendo de fome. E as crianças serão as primeiras.
— Há uma solução... – disse a madrasta, que era muito malvada – amanhã daremos a João e Maria um pedaço de pão, depois os levaremos à mata e lá os abandonaremos.
O lenhador não queria nem ouvir um plano tão cruel, mas a mulher, esperta e insistente, conseguiu convencê-lo.
No aposento ao lado, as duas crianças tinham escutado tudo, e Maria desatou a chorar.
— E agora, João? Sozinhos na mata, vamos nos perder e morrer.
— Não chore — tranqüilizou o irmão. — Tenho uma idéia.
Esperou que os pais estivessem dormindo, saiu da cabana, catou um punhado de pedrinhas brancas que brilhavam ao clarão da Lua e as escondeu no bolso. Depois voltou para a cama. No dia seguinte, ao amanhecer, a madrasta acordou as crianças.
— Vamos cortar lenha na mata. Este pão é para vocês.
Partiram os quatro. O lenhador e a mulher na frente, as crianças atrás. A cada dez passos, João deixava cair no chão uma pedrinha branca, sem que ninguém percebesse. Quando chegaram bem no meio da mata, a madrasta disse:
— João e Maria, descansem enquanto nós vamos rachar lenha para a lareira. Mais tarde passaremos para pegar vocês.
Os dois irmãos, após longa espera, comeram o pão e, cansados e fracos, adormeceram. Acordaram à noite, e nem sinal dos pais.
— Estamos perdidos! Nunca mais encontraremos o caminho de casa! — soluçou Maria.
— Quando a Lua aparecer no céu acharemos o caminho de casa — consolou-a o irmão.
Quando a Lua apareceu, as pedrinhas que João tinha deixado cair pelo atalho começaram a brilhar, e, seguindo-as, os irmãos conseguiram voltar à cabana.
Ao vê-los, os pais ficaram espantados. O lenhador, em seu íntimo, estava contente, mas a mulher não. Assim que foram deitar, disse que precisavam tentar novamente, com o mesmo plano. João, que tudo escutara, quis sair à procura de outras pedrinhas, mas não pôde, pois a madrasta trancara a porta. Maria estava desesperada.
— Como poderemos nos salvar desta vez?
— Daremos um jeito, você vai ver.



Na madrugada do dia seguinte, a madrasta acordou as crianças e foram novamente para a mata. Enquanto caminhavam, Joãozinho esfarelou todo o seu pão e o da irmã, fazendo uma trilha. Desta
vez afastaram-se ainda mais de casa e, chegando a uma clareira, os pais deixaram as crianças com a desculpa de cortar lenha, abandonando-as.
João e Maria adormeceram, famintos e cansados. Quando acordaram, estava muito escuro, e Maria desatou a chorar.
Mas desta vez não conseguiram encontrar o caminho: os pássaros haviam comido todas as migalhas. Andaram a noite toda e o dia seguinte inteirinho, sem conseguir sair daquela floresta, e
estavam com muita fome. De repente, viram uma casinha muito mimosa. Aproximaram-se, curiosos, e viram, encantados, que o telhado era feito de chocolate, as paredes de bolo e as janelas de jujuba.
— Viva!— gritou João.
E correu para morder uma parte do telhado, enquanto Mariazinha enchia a boca de bolo, rindo. Ouviu-se então uma vozinha aguda, gritando no interior da casinha:
— Quem está o teto mordiscando e as paredes roendo?
As crianças, pensando que a voz era de uma menina de sua idade, responderam:
— É o Saci-pererê que está zombando de você!
Subitamente, abriu-se a porta da casinha e saiu uma velha muito feia, mancando, apoiada em uma muleta. João e Maria se assustaram, mas a velha sorriu, mostrando a boca desdentada.
— Não tenham medo, crianças. Vejo que têm fome, a ponto de quase destruir a casa. Entrem, vou preparar uma jantinha.
O jantar foi delicioso, e a velha senhora ajeitou gostosas caminhas macias para João e Maria, que adormeceram felizes. Não sabiam, os coitadinhos, que a velha era uma bruxa que comia crianças e, para atraí-las, tinha construído uma casinha de doces.
Agora ela esfregava as mãos, satisfeita.
— Estão em meu poder, não podem me escapar. Porém estão um pouco magros. É preciso fazer alguma coisa.
Na manhã seguinte, enquanto ainda estavam dormindo, a bruxa agarrou João e o prendeu em um porão escuro, depois, com uma sacudida, acordou Maria.
— De pé, preguiçosa! Vá tirar água do poço, acenda o fogo e apronte uma boa refeição para seu irmão. Ele está fechado no porão e tem de engordar bastante. Quando chegar no ponto vou comê-lo.


Mariazinha chorou e se desesperou, mas foi obrigada a obedecer.
Cada dia cozinhava para o irmão os melhores quitutes. E também, a cada manhã, a bruxa ia ao porão e, por ter vista fraca e não enxergar bem, mandava:
— João, dê-me seu dedo, quero sentir se já engordou!
Mas o esperto João, em vez de um dedo, estendia-lhe um ossinho de frango. A bruxa zangava-se, pois apesar do que comia, o moleque estava cada vez mais magro! Um dia perdeu a paciência.
— Maria, amanhã acenda o fogo logo cedo e coloque água para ferver. Magro ou gordo, pretendo comer seu irmão. Venho esperando isso há muito tempo!
A menina chorou, suplicou, implorou, em vão. A bruxa se aborrecera de tanto esperar.
Na manhã seguinte, Maria tratou de colocar no fogo o caldeirão cheio de água, enquanto a bruxa estava ocupada em acender o forno para assar o pão. Na verdade ela queria assar a pobre Mariazinha, e do João faria cozido.
Quando o forno estava bem quente, a bruxa disse à menina:
— Entre ali e veja se a temperatura está boa para assar pão.
Mas Maria, que desconfiava sempre da bruxa, não caiu na armadilha.
— Como se entra no forno? — perguntou ingenuamente.
— Você é mesmo uma boba! Olhe para mim! — e enfiou a cabeça dentro do forno.
Maria empurrou a bruxa para dentro do forno e fechou a portinhola com a corrente. A malvada queimou até o último osso.
A menina correu para o porão e libertou o irmão. Abraçaram-se, chorando lágrimas de alegria; depois, nada mais tendo a temer, exploraram a casa da bruxa. E quantas coisas acharam! Cofres e mais cofres cheios de pedras preciosas, de pérolas...
Encheram os bolsos de pérolas. Maria fez uma trouxinha com seu aventalzinho, e a encheu com diamantes, rubis e esmeraldas.
Deixaram a casa da feiticeira e avançaram pela mata.
Andaram muito. Depois de algum tempo, chegaram a uma clareira, e perceberam que conheciam aquele lugar. Certa vez tinham apanhado lenha ali, de outra vez tinham ido colher mel naquelas árvores...
Finalmente, avistaram a cabana de seu pai. Começaram a correr naquela direcção, escancararam a porta e caíram nos braços do lenhador que, assustado, não sabia se ria ou chorava.
Quantos remorsos o tinham atormentado desde que abandonara os filhos na mata! Quantos sonhos horríveis tinham perturbado suas noites! Cada porção de pão que comia ficava atravessada na garganta. Única sorte, a madrasta ruim, que o obrigara a livrar-se dos filhos, já tinha morrido.
João esvaziou os bolsos, retirando as pérolas que havia guardado; Maria desamarrou o aventalzinho e deixou cair ao chão a chuva de pedras preciosas. Agora, já não precisariam temer nem miséria nem carestia. E assim, desde aquele dia o lenhador e seus filhos viveram na fartura, sem mais nenhuma preocupação.





09/06/2009

Riquê de Topete

Houve uma vez uma rainha, que tinha um filho tão feio e disforme, que não parecia um ente humano. A mãe sofria desesperadamente, mas uma fada consolou-a, dizendo-lhe que, em compensação, o filho seria tão inteligente quanto habilidoso e teria, também o dom de tornar inteligente a jovem que amasse. A esse menino coube o nome de HenRiquê, porém, como ostentava um topete de cabelos no meio da fronte, todos os chamavam Riquê de Topete.
Quase na mesma ocasião, no reino vizinho, havia nascido uma princesa muito linda, mas tão estúpida, que a rainha sua mãe andava aborrecidíssima. Entretanto, uma fada prometeu que a princesa seria a mais bela moça do mundo e que teria o dom de tornar igualmente belo o jovem que amasse.
Passaram-se os anos. Riquê viu o retrato da famosa princesa, sua vizinha, dela se enamorou e foi pedi-la em casamento. A donzela se achava sozinha no parque, chorando amarguradamente, porque, apesar de toda a sua beleza, todos a evitavam e zombavam dela. O príncipe apresentou-se à moça e disse-lhe que, se ela quisesse aceita-lo como esposo, dentro de um ano, com toda a segurança, ela se tornaria inteligente e engenhosa. A jovem acedeu e o príncipe voltou muito alegre para o seu país.
A jovem noiva se transformou. Tornou-se inteligente, perspicaz, raciocinando com tanta agudeza, que os pais a custo reconheciam nela a moça tola e ignorante de outrora. O tempo se foi passando e a princesa esqueceu a promessa feita a Riquê, o do topete. Entretanto, um belo dia, quando passeava pelo parque, percebeu que a terra tremia sob os seus pés e, ela imediatamente se abriu, deixando ver uma enorme cozinha, regurgitante de cozinheiros, ajudantes e camareiros, que trabalhavam com afinco na preparação de variados e apetitosos manjares. A princesa, admirada, perguntou-lhes para que estavam trabalhando tanto. - Estamos preparando o banquete de bodas para Riquê, o do topete, que vai casar-se amanhã. A donzela só então se lembrou do compromisso que assumira com o príncipe, havia um ano e ficou inconsolável, por ver-se obrigada a casar-se com aquele homúnculo feio e disforme. Quando o príncipe chegou para o matrimônio, ela afirmou que jamais se casaria com ele. Riquê, porém, lhe falou com tanta diplomacia que a princesa por ele sentiu profunda admiração, graças aos seus raros dotes de espírito. Quando ele lhe revelou o dom, que ela possuía, mas ignorava, de tornar belo o jovem a quem amasse, a princesa exclamou, com veemência:
- Desejo, de todo o coração, que te transformes no mais belo príncipe do mundo! Mal havia pronunciado estas palavras, o príncipe converteu-se num belíssimo mancebo. O casamento se realizou no dia seguinte e o casal viveu feliz durante toda a sua vida.





08/06/2009

A Princesa e a Ervilha




Era uma vez um príncipe que queria desposar uma princesa, mas uma princesa verdadeira. Assim, deu a volta ao mundo para encontrar uma, e, na realidade, não faltavam princesas; o que ele nunca podia assegurar era que se tratasse de verdadeiras princesas; havia sempre algo nelas que lhe parecia suspeito. Por consequência, regressou, muito deprimido, por não ter encontrado aquilo que desejava.
Uma noite, fazia um tempo horrível, os raios entrecruzavam-se, o trovão ribombava, chovia a cântaros - era pavoroso. Alguém bateu à porta do palácio e o velho rei apressou-se a mandar abrir.
Era uma princesa, mas, santo Deus, em que estado a chuva e a tempestade a haviam posto! A água escorria dos seus cabelos e das suas roupas, entrava-lhe pela biqueira dos sapatos e voltava a sair pelos tacões. Todavia, afirmou ser uma verdadeira princesa.
- Isso é o que iremos ver!- pensou a velha rainha. Depois, sem dizer nada, entrou no quarto de dormir, tirou os lençóis e os colchões e colocou no fundo da cama uma ervilha. Em seguida, pegou em vinte colchões e estendeu-os sobre a ervilha e sobre os quais empilhou ainda vinte cobertas.
Era a cama destinada à princesa. No dia seguinte, pela manhã, perguntou-lhe como passara ela a noite.
- Muito mal!- respondeu. – Mal consegui fechar os olhos toda a noite! Deus sabe o que tinha na cama; era algo de duro que me pôs a pele toda roxa. Que suplício!
A esta resposta, reconheceram que se tratava de uma verdadeira princesa, pois sentira uma ervilha através de vinte colchões e de vinte cobertas. Que mulher, a não ser uma princesa, poderia ter uma pele de tal modo delicada?
O príncipe, completamente convencido de que esta era uma verdadeira princesa, tomou-a como esposa e a ervilha foi posta no museu, onde deve encontrar-se ainda, a não ser que um coleccionador a haja roubada.
E aqui está uma história tão verdadeira como a princesa!


07/06/2009





Era uma vez, uma menina tão doce e meiga que todos gostavam dela. A avó, então, a adorava, e não sabia mais que presente dar a criança para agradá-la.
Um dia ela presenteou-a com um chapeuzinho de veludo vermelho.
O chapeuzinho agradou tanto a menina e ficou tão bem nela, que ela queria ficar com ele o tempo todo. Por causa disso, ficou conhecida como Chapeuzinho Vermelho.
Um dia sua Mãe lhe chamou e disse:
- Chapeuzinho, leve este pedaço de bolo e essa garrafa de vinho para sua avó. Ela está doente e fraca, e isto vai faze-la ficar melhor.
Comporte-se no caminho, e de modo algum saia da estrada, ou você pode cair e quebrar a garrafa de vinho, e ele é muito importante para a recuperação de sua avó.
Chapeuzinho prometeu que obedeceria sua mãe e pegando a cesta com o bolo e o vinho, despediu-se e partiu.
Sua avó morava no meio da floresta, distante uma hora e meia da vila.
Logo que Chapeuzinho entrou na floresta, um Lobo apareceu na sua frente.
Como ela não o conhecia nem sabia que ele era um ser perverso, não sentiu medo algum.
- Bom dia Chapeuzinho - saudou o Lobo.
- Bom dia, Lobo - ela respondeu.
- Aonde você vai assim tão cedinho, Chapeuzinho?
- Vou à casa da minha avó.
- E o que você está levando aí nessa cestinha?

- Minha avó está muito doente e fraca, e eu estou levando para ela um pedaço de bolo que a mamãe fez ontem, e uma garrafa de vinho. Isto vai deixá-la forte e saudável.
- Chapeuzinho, diga-me uma coisa, onde sua avó mora?
- A uns quinze minutos daqui. A casa dela fica debaixo de três grandes carvalhos e é cercada por uma sebe de aveleiras. Você deve conhecer a casa.
O Lobo pensou consigo:
"Esta tenra menina é um delicioso petisco. Se eu agir rápido posso saborear sua avó e ela como sobremesa."
Então o Lobo disse:
- Escute Chapeuzinho, você já viu que lindas flores há nessa floresta? Por quê você não dá uma olhada? Você não está ouvindo os pássaros cantando? Você é muito séria, só caminha olhando para a frente. Veja quanta beleza há na floresta.
Chapeuzinho então olhou a sua volta, e viu a luz do sol brilhando entre as árvores, e viu como o chão estava coberto com lindas e coloridas flores, e pensou:
"Se eu pegar um buquê de flores para minha avó, ela vai ficar muito contente. E como ainda é cedo, eu não vou me atrasar."
E, saindo do caminho entrou na mata. E sempre que apanhava uma flor, via outra mais bonita adiante, e ia atrás dela. Assim foi entrando na mata cada vez mais.
Enquanto isso, o Lobo correu à casa da avó de Chapeuzinho e bateu na porta.
- Quem está aí? - perguntou a velhinha.
- Sou eu, Chapeuzinho - falou o Lobo disfarçando a voz - Vim trazer um pedaço de bolo e uma garrafa de vinho. Abra a porta para mim.
- Levante a tranca, ela está aberta. Não posso me levantar pois estou muito fraca. - respondeu a vovó.
O Lobo entrou na casa e foi direto à cama da vovó, e a engoliu antes que ela pudesse vê-lo. Então ele vestiu suas roupas, colocou sua touca na cabeça, fechou as cortinas da cama, deitou-se e ficou esperando Chapeuzinho Vermelho.
E Chapeuzinho continuava colhendo flores na mata. E só quando não podia mais carregar nenhuma é que retornou ao caminho da casa de sua avó.
Quando ela chegou lá, para sua surpresa, encontrou a porta aberta.
Ela caminhou até a sala, e tudo parecia tão estranho que pensou:
"Oh, céus, por quê será que estou com tanto medo? Normalmente eu me sinto tão bem na casa da vovó..."
Então ela foi até a cama da avó e abriu as cortinas. A vovó estava lá deitada com sua touca cobrindo parte do seu rosto, e, parecia muito estranha...
- Oh, vovó, que orelhas grandes a senhora tem! - disse então Chapeuzinho.
- É para te ouvir melhor.
- Oh, vovó, que olhos grandes a senhora tem!
- É para te ver melhor.
- Oh, vovó, que mãos enormes a senhora tem!
- São para te abraçar melhor.
- Oh, vovó, que boca grande e horrível a senhora tem!
- É para te comer melhor - e dizendo isto o Lobo saltou sobre a indefesa menina, e a engoliu de um só bote.
Depois que encheu a barriga, ele voltou à cama, deitou, dormiu, e começou a roncar muito alto.
Um caçador que ia passando ali perto, escutou e achou estranho que uma velhinha roncasse tão alto, então ele decidiu ir dar uma olhada.
Ele entrou na casa, e viu deitado na cama o Lobo que ele procurava há muito tempo.
E o caçador pensou:
" Ele deve ter comido a velhinha, mas talvez ela ainda possa ser salva. Não posso atirar nele."
Então ele pegou uma tesoura e abriu a barriga do Lobo.
Quando começou a cortar, viu surgir um chapeuzinho vermelho. Ele cortou mais, e a menina pulou para fora exclamando:
- Eu estava com muito medo! Dentro da barriga do lobo é muito escuro!
E assim, a vovó foi salva também.
Então Chapeuzinho pegou algumas pedras grandes e pesadas e colocou dentro da barriga do lobo.
Quando o lobo acordou tentou fugir, mas as pedras estavam tão pesadas que ele caiu no chão e morreu.
E assim, todos viveram felizes para sempre...



05/06/2009

Guengoro e o tambor encantado

Há muito e muitos anos atrás havia no Japão um jovem de nome Guengoro. Certa ocasião ele encontrou um estranho tambor e casualmente descobriu que quando batia nele e dizia “nariz cresça e apareça”, seu nariz ia crescendo, crescendo, enquanto duravam as batidas. E quando batia novamente dizendo “nariz diminua e desapareça”, o nariz ia diminuindo até voltar ao tamanho normal. Era realmente um tambor de estranho poder.
- “Tenho que arranjar alguma maneira para que o poder desse tambor possa ser útil para mim”. Assim pensando, Guengoro saiu em peregrinação com seu amigo Taro.
Dias depois os dois chegaram em uma cidade . Numa das ruas próximas ao santuário dedicado ao deus Zenchi no Mikoto, os amigos viram uma linda jovem, ricamente vestida. Ela caminhava em direção do templo acompanhada de sua irmãzinha. Guengoro aproximou-se das duas para pedir informações.
- Como se atreve a dirigir-me palavras, seu plebeu insolente. Sou filha do governador da província, coloque-se na posição de sua insignificância e fique longe de mim.
Guengoro assustou-se com a grosseria de uma garota tão linda. Pensou imediatamente que ela merecia uma lição. Logo arquitetou uma brincadeira maldosa e escondeu-se em um arbusto. Sem que ela pudesse ver ou ouvir, começou a bater o tambor dizendo: - Nariz da menina bonita, cresça e apareça. Nariz da menina bonita, cresça e apareça...
De repente o nariz da bela jovem começou a crescer e ela, assustada, voltou correndo para casa aos prantos.
A mocinha era filha do governador e homem mais rico da província. Seus pais ficaram chocados com o terrível acontecimento. Precisava curar imediatamente aquela deformação que estava tornando feio aquele rosto angelical. Primeiro chamaram um monge budista para fazer fortes orações, pois aquilo parecia praga de demônio. Como as rezas bravas do monge não estavam resolvendo a situação, chamaram um sacerdote shintô para invocar as forças dos deuses da natureza na cura do nariz da mocinha.
Todos os esforços religiosos foram em vão. Então mandaram chamar os médicos taoístas, que tudo curavam com chá e elixir de ervas e raízes. Mesmo assim de nada adiantou e o nariz crescia, cada vez que, escondido perto da mansão do ricaço, Guengoro batia o tambor.
O governador milionário estava desesperado. Com aquele nariz sua filha não teria chance de se casar com um príncipe imperial, e seu sonho de se tornar um nobre da corte na capital do Japão, por ser sogro de príncipe, estava indo por água abaixo.
Foi no auge desse desespero que Taro, amigo de Guengoro, apareceu na mansão disfarçado de sacerdote shintô. Na verdade, ele era mais um no meio de muitos sacerdotes, monges e médicos que tentavam, cada um a seu modo, a cura do nasal da mocinha.
Assim que terminou a encenação de prece, Taro olhou solenemente para o milionário e fez uma sugestão:
- Estamos diante de um raro fenômeno. A cura não está na simples oração de monges budistas, sacerdote shintô ou doutores taoistas. É necessário alguém muito mais poderoso. Sugiro que faça cartazes oferecendo boa recompensa, para quem conseguir curar o nariz de sua filha.
Pensado no seu desejo de tornar-se nobre, com casamento de sua filha com um príncipe imperial, o governador milionário mandou fazer vários cartazes oferecendo grande quantia em moedas de ouro. Esses cartazes foram espalhados por toda região.
Alguns dias depois, Guengoro se apresentou na mansão do milionário.
- Sou terapeuta nasal, vim atraído por esse cartaz.
Convidado a entrar até o quarto da mocinha, Guengoro levou um susto: o nariz dela estava atingindo o teto.
-Acho que exagerei nas batidas do tambor - pensou Guengoro.
Guengoro alegou que um nariz daquele cumprimento não poderia ser curado num passe de mágica. Levaria alguns dias para concluir o trabalho. Assim, hospedado na casa do milionário, comendo do bom e do melhor, diariamente dava umas batidinhas no tambor dizendo: “nariz diminua e desapareça”. Dessa forma o nariz ia diminuindo diariamente aos poucos.
A família milionária ficou encantada com a terapia de Guengoro. O pai da garota então perguntou:
- Esse tambor é poderoso, será que não dá pára você bater mais e curar mais rápido o nariz da minha filha.
-Não diga uma bobagem dessa. Esse tambor certamente pertenceu a Zenchi no Mikoto, o poderoso Deus da Graça Divina, cujo dizer consagrado é: “a paciência é a mãe de todos os milagres”.
Assim quando chegou ao décimo primeiro dia, o nariz da mocinha atingiu o tamanho normal e o trabalho de cura foi considerado um sucesso. Guengoro e Taro deixaram a casa carregando um cesto cheio de moedas de ouro.
Assim os dois voltaram para casa ricos e nunca mais seria preciso trabalhar para ganhar o sustento.



Lenda do Japão

Reconhecimento e ingratidão

Os vossos filhos serão para vós como vós tiverdes sido para vossos pais. E é natural. As crianças vêem diariamente o que fazem seus pais, e imitam-nos. Justifica-se desta maneira o provérbio que diz,—que a bênção ou a maldição dum pai cai sobre a cabeça de seus filhos, terminando sempre por se realizar. Citaremos dois exemplos, que merecem ser meditados.

Um príncipe, passeando no campo, viu um pobre homem, que andava muito satisfeito, a lavrar a terra. Pôs-se a conversar com ele. Depois de algumas perguntas, soube que o campo não pertencia ao homem, mas que trabalhava nele mediante um salário de doze vinténs por dia. O príncipe, que para as suas despesas de administração e representação necessitava de quantias avultadas, custou-lhe ao principio a perceber, como se vivia com doze vinténs diários, andando-se ainda por cima satisfeito. Manifestou o seu espanto ao aldeão, que lhe respondeu:
«Gasto diariamente comigo a terça parte dessa quantia; outro terço é para pagar as minhas dividas; e o resto é para ir juntando algumas economias.»
Era um novo enigma para o príncipe. Mas o alegre camponês explicou-lho deste modo.
«Reparto quanto ganho com os meus velhos pais, que já não podem trabalhar, e com os meus filhos, que ainda não têm força para isso. Aos primeiros pago-lhes o amor de que me deram tantas provas na minha infância; e espero que os segundos não me abandonem, quando os anos tiverem pesado sobre mim.»
O príncipe, ouvindo isto, quis premiar o honrado camponês; encarregou-se da educação de seus filhos; e a bênção que lhe deram os seus velhos pais, os seus filhos merecerem-na depois pela sua vez, rodeando igualmente a sua velhice de cuidados piedosos e da mais terna dedicação.
Mas posso desgraçadamente citar-vos outro filho, que procedeu duma maneira tão indigna com seu velho pai doente e aleijado, que este teve de pedir que o levassem para o hospital da misericórdia. O filho ingrato recebeu com alegria o desejo do infeliz velho, que nessa mesma tarde foi conduzido ao hospital. Como este estabelecimento de caridade fosse muito pobre, decidiu-se o velho a mandar pedir a seu filho, como última esmola, um par de lençóis, para cobrir a palha que lhe servia de leito. O mau filho escolheu os lençóis mais usados, e disse ao seu pequeno, de dez anos de idade, que os fosse levar a esse velho rabujento. Mas notou que a criança ao partir tinha escondido um dos lençóis a um canto, atrás da porta.
Quando voltou perguntou-lhe o pai, porque fizera aquilo.
«Foi, respondeu a criança desabridamente, para me servir mais tarde deste lençol, quando pela minha vez te mandar também para o hospital.


Guerra Junqueiro, Contos para a Infância




Kinuhime, a deusa da seda


Há muitos e muitos anos, havia uma linda jovem chamada Kinu (seda), numa aldeia famosa pelo cultivo da sericultura. Anualmente, na primavera, muitos dekasseguis (trabalhadores temporários) vinham para essa região e trabalhavam no corte dos galhos de amoreiras. Nessa época, a aldeia ficava muito populosa e todos trabalhavam felizes e com grande entusiasmo. Conseqüentemente, havia muitas festas na região. Os bichos-da-seda alimentavam-se das folhas de amoreiras cortadas e colocadas nos barracões pelos trabalhadores e faziam seus casulos nos galhos.
Quando terminavam os trabalhos de colheita dos casulos, os dekasseguis voltavam para suas províncias de origem e a aldeia voltava a ser pacata e até solitária.
A família de sericultores que acolheram Kinu temporariamente percebeu que, em todos os anos em que ela trabalhou na cultura da seda em suas terras, os casulos eram maiores e mais brancos, sendo considerados pelo comprador da produção melhores que os da China.
No final da temporada daquele ano, os sericultores fizeram grandiosa festa em agradecimento aos dekasseguis pelo trabalho e serviram um delicioso banquete. Durante a festividade, tentaram descobrir de que região do Japão Kinu teria vindo trabalhar, mas foi em vão. Ela nada contou, esquivando-se com respostas educadas. Assim, ninguém ficou sabendo de onde ela veio, nem para onde retornaria após a temporada de trabalho, nem sobre sua família.
Na hora da partida, a família que a acolhera naquele ano pediu encarecidamente que Kinu voltasse no ano seguinte. Ela despediu-se de todos e deixou a aldeia por uma estrada estreita. Para assegurar que ela voltaria na próxima temporada, alguns aldeões a seguiram sorrateiramente no meio da mata.
Porém, poucas horas depois de sair da aldeia, ela desapareceu de repente. O local onde ela desapareceu era na beira de um lago. Os aldeões vasculharam toda margem, mas não a encontraram. Um dos rapazes observou que no lago havia um ovo branco de serpente, fora isso, nada havia de diferente.
Na primavera seguinte, ela não apareceu, apesar de todos a esperarem ansiosamente. Alguns membros daquela família de sericultores viram várias vezes uma serpente branca andando na plantação de amora e no barracão da seda. Apesar de Kinu não ter aparecido, mais uma vez os casulos colhidos naquele ano foram brancos e bonitos.
A família concluiu que aquela serpente branca que eles viram era Kinu. Transformada em serpente, ela estava protegendo os bichos-da-seda contra os ratos.
Assim, fizeram uma estatueta com a forma dela e a colocaram num santuário Shintô (religião originária do Japão) na primavera, para ser reverenciada como deusa da seda. Após a temporada da seda, os aldeões, agradecidos, levam a estatueta até um lago e a colocam num pequeno barco, mandando-a de volta. Ainda hoje, em muitas aldeias de sericultores no Japão, esse ritual é praticado em reverência a Kinuhime, a deusa da seda.



Lenda do Japão

04/06/2009

A andorinha e os passarinhos



De tanto viajar, uma andorinha havia aprendido muitas coisas. Sabia prever as tempestades, e anunciava-as aos marinheiros com antecedência suficiente para que pudessem escapar delas.
Certo dia, vendo um lavrador semear o cânhamo, colocando os grãos nos sulcos abertos na terra, a andorinha disse aos outros passarinhos:
- Estão vendo aquela mão que lança as sementes de cânhamo? Não está longe o dia em que será maldição para todos vocês aquilo que ela está plantando. Surgirão redes e laços para aprisioná-los. E ouçam-me bem. Ocorrerão coisas que lhes causarão a morte ou a prisão. Que Deus os livre da gaiola e da panela. Comam já os grãos ali plantados, e agradecerão o meu conselho.
Os passarinhos riram da andorinha, e não lhes custou esquecer rapidamente o que ela lhes dissera.
Quando a plantação já estava verde, a andorinha tornou a dizer-lhes:
- Arranquem um por um esses pés de cânhamo, e estarão evitando a própria desgraça.
- Ora - responderam os passarinhos - isso seria tarefa para milhares de nós, e além disso não acreditamos nesse seu mau augúrio.
- Prestem atenção no que lhes digo. Quando os lavradores virem que é chegada a hora, armarão redes e alçapões para protegerem sua plantação, e então não adiantará nada vocês ficarem voando de um lado para outro.
Os passarinhos já estavam, porém, cansados de ouvi-la, e afastaram-se. Pouco depois, sofriam perseguição, prisão e morte.


Moral da Estória:
Só nos importamos com o mal quando ele se abate sobre nós.


03/06/2009

Aviso de Sócrates


Sócrates fez umas casas
De Atenas em certa rua,
Para nelas habitar
Com a pouca família sua.

Que eram baixas uns diziam,
E outros bastante elevadas,
E em suma convinham todos
Em que eram muito apertadas.

"São apertadas, é certo, —
Disse o sábio; — mas eu sei
Que de amigos verdadeiros
Cheias jamais as verei".

E mais raro do que a Fênix
Um amigo verdadeiro:
Não há nome tão sagrado,
Que seja mais corriqueiro.

Curvo Senedo (Trad.)