Algures, no coração de África, sobre uma folha tenra e macia da floresta, um mosquito dorme.
Assim que o sol desaparecera no horizonte, o mosquito tinha procurado um poiso tranquilo e adormecera. Com ele, tudo à sua volta adormecia também. Mas eis que rompe o silêncio um tremendo ru-ru-ru-gido.
Estremunhados, os bichos acordam e o mosquito da nossa história ergue-se e esfrega os olhos com as patas da frente:
- Que é isto? - pergunta ele, supondo-se no meio de um mau sonho.
- É o leão, o leão terrível - sussurram vozes, aqui e acolá, no escuro da floresta.
Enorme é ele, não há dúvida. Bamboleando a sua imensa majestade, chicoteando o ar com a cauda felpuda, de focinho torcido e sobrolho carregado, o leão avança.
O mosquito via mal ao longe. Não fosse ter descido, filtrado pelas nuvens, um raiozinho de luar azulado e ainda a estas horas o mosquito estaria para descobrir quem tão brutamente interrompera o seu sono tranquilo.
- Cale-se e tenha maneiras! - gritou o mosquito, muito abespinhado. - Isto são horas de andar a acordar quem precisa de dormir?
Os bigodes eriçados do leão quase tocavam a folha que servia de cama ao mosquito destemido.
- Quem és tu, insignificante criatura, e quem te deu o direito de te opores às minhas vontades? - perguntou ele, arregalando os olhos que pareciam dois faróis.
- E a si quem lhe deu o direito de me incomodar nos meus domínios?
A esta insolência, o leão fez um grande esforço para não perder a calma.
- Essa é boa! Eu sou o rei da floresta, por isso faço o que me apetece, digo o que me apetece, como o que me apetece e rujo, canto, urro, brado, quando muito bem me apetece.
- E quem lhe disse que era o rei da floresta? - interrompeu-o, tranquilamente o mosquito.
O leão rugiu:
- Que escandaloso atrevimento! Sou o rei, porque sou o rei. Todos os bichos o sabem e têm medo de mim.
- Engana-se - replicou-lhe o impertinente insecto. - Eu, por exemplo, não tenho medo de si. E posso prová-lo.
- Mas isto é inacreditável! - exclamou o leão de juba eriçada. - Um mosquito tem a ousadia de provocar o rei dos animais? Nunca em tal se ouviu falar.
E, dizendo isto, o leão soprou, com quantas forças tinha, para cima da folha, onde estava o mosquito. A folha balançou-se como se o vento a impelisse, enquanto o mosquito, agarrado a ela, rindo-se, pedia:
- Mais, mais. Que belo baloiço!
O rei dos animais não podia suportar tanto descaramento. Abrindo a bocarra, fez menção de engolir o mosquito, mas o insecto, ligeiro, escapou-se a tempo e só a folha entrou, inteirinha, na garganta do leão... O rei dos animais engasgou-se e tossiu:
- Ah! Hoc! Ah! Hoc! Hoc!
Entretanto, o mosquito fora alojar-se, sabem onde? Numa das narinas da fera, nem mais nem menos. As cócegas e as picadas puseram o rei dos animais a espirrar que não tinha fim:
- Atchim! Atchim! Larga-me, deixa-me... Hoc! Ah! Eu abdico... Atchim! Faço-te rei dos animais... Hoc! Atchim! Faço-te rei, se me deixares em paz!
Ao ouvir isto, o mosquito abandonou a narina do leão, que se pôs a correr pela floresta fora, tossindo ainda, atordoado e vencido.
- Escutem todos - zumbia o impertinente insecto, alertando a noite num voo desordenado. - Agora eu é que mando. Sou eu o rei dos animais. Esta floresta e as outras florestas pertencem-me. Os bichos que as povoam devem-me obediência, porque eu sou o rei. Eu sou o rei dos animais! O REI!
E seria, de facto, o rei dos animais, se não tivesse esbarrado numa enorme teia de fios invisíveis, tecidos pela gulosa aranha das oito patas...
E lá se acabou o reinado do rei mosquito.
Assim que o sol desaparecera no horizonte, o mosquito tinha procurado um poiso tranquilo e adormecera. Com ele, tudo à sua volta adormecia também. Mas eis que rompe o silêncio um tremendo ru-ru-ru-gido.
Estremunhados, os bichos acordam e o mosquito da nossa história ergue-se e esfrega os olhos com as patas da frente:
- Que é isto? - pergunta ele, supondo-se no meio de um mau sonho.
- É o leão, o leão terrível - sussurram vozes, aqui e acolá, no escuro da floresta.
Enorme é ele, não há dúvida. Bamboleando a sua imensa majestade, chicoteando o ar com a cauda felpuda, de focinho torcido e sobrolho carregado, o leão avança.
O mosquito via mal ao longe. Não fosse ter descido, filtrado pelas nuvens, um raiozinho de luar azulado e ainda a estas horas o mosquito estaria para descobrir quem tão brutamente interrompera o seu sono tranquilo.
- Cale-se e tenha maneiras! - gritou o mosquito, muito abespinhado. - Isto são horas de andar a acordar quem precisa de dormir?
Os bigodes eriçados do leão quase tocavam a folha que servia de cama ao mosquito destemido.
- Quem és tu, insignificante criatura, e quem te deu o direito de te opores às minhas vontades? - perguntou ele, arregalando os olhos que pareciam dois faróis.
- E a si quem lhe deu o direito de me incomodar nos meus domínios?
A esta insolência, o leão fez um grande esforço para não perder a calma.
- Essa é boa! Eu sou o rei da floresta, por isso faço o que me apetece, digo o que me apetece, como o que me apetece e rujo, canto, urro, brado, quando muito bem me apetece.
- E quem lhe disse que era o rei da floresta? - interrompeu-o, tranquilamente o mosquito.
O leão rugiu:
- Que escandaloso atrevimento! Sou o rei, porque sou o rei. Todos os bichos o sabem e têm medo de mim.
- Engana-se - replicou-lhe o impertinente insecto. - Eu, por exemplo, não tenho medo de si. E posso prová-lo.
- Mas isto é inacreditável! - exclamou o leão de juba eriçada. - Um mosquito tem a ousadia de provocar o rei dos animais? Nunca em tal se ouviu falar.
E, dizendo isto, o leão soprou, com quantas forças tinha, para cima da folha, onde estava o mosquito. A folha balançou-se como se o vento a impelisse, enquanto o mosquito, agarrado a ela, rindo-se, pedia:
- Mais, mais. Que belo baloiço!
O rei dos animais não podia suportar tanto descaramento. Abrindo a bocarra, fez menção de engolir o mosquito, mas o insecto, ligeiro, escapou-se a tempo e só a folha entrou, inteirinha, na garganta do leão... O rei dos animais engasgou-se e tossiu:
- Ah! Hoc! Ah! Hoc! Hoc!
Entretanto, o mosquito fora alojar-se, sabem onde? Numa das narinas da fera, nem mais nem menos. As cócegas e as picadas puseram o rei dos animais a espirrar que não tinha fim:
- Atchim! Atchim! Larga-me, deixa-me... Hoc! Ah! Eu abdico... Atchim! Faço-te rei dos animais... Hoc! Atchim! Faço-te rei, se me deixares em paz!
Ao ouvir isto, o mosquito abandonou a narina do leão, que se pôs a correr pela floresta fora, tossindo ainda, atordoado e vencido.
- Escutem todos - zumbia o impertinente insecto, alertando a noite num voo desordenado. - Agora eu é que mando. Sou eu o rei dos animais. Esta floresta e as outras florestas pertencem-me. Os bichos que as povoam devem-me obediência, porque eu sou o rei. Eu sou o rei dos animais! O REI!
E seria, de facto, o rei dos animais, se não tivesse esbarrado numa enorme teia de fios invisíveis, tecidos pela gulosa aranha das oito patas...
E lá se acabou o reinado do rei mosquito.
António Torrado