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03/05/2008

Dom Aleixo

Nós éramos três irmãs,
Todas três de um igualhar;
Uma ensinava à outra
A coser e a bordar.
A mais pequena de todas
Se foi, por noite, a folgar
Com duas tochas acesas
À porta do laranjal.
Vestiu vestido de pajem
Que lhe ficava a matar,
Seu punhal de oiro na cinta,
Seu borzeguim de alamar.
Foi-se pela rua a baixo,
Tornou acima a voltar:
– «Das três irmãs que aqui moram,
A qual hei-de eu namorar?»
Nós de dentro do balcão,
A rirmos do seu brincar.
As tochas tinha apagado,
Vinha saindo o luar,
Passando junto da porta,
Que os olhos foi a baixar,
Viu estar um ermitão
Assentado no poial.
– «Que fazeis aqui, meu padre,
Que fazeis neste lugar?»
O ermitão, sem responder,
Começou-se a levantar...
Tão alto em demasia,
Alto, alto de pasmar
– «Se tu és coisa má,
Eu te quero esconjurar,
Ou se és alma que anda em penas
Te farei encomendar.»
– «Eu não sou a coisa má
Que tenhas de esconjurar;
Também não sou alma em penas
Para tu me encomendar:
Sou a alma de Dom Aleixo,
Que aviso te venho dar:
Sete te estão esperando
Na esquina, àquele portal,
E juram por Deus sagrado
Que a vida te hão-de tirar.»

– «Pois eu por esse lhe juro,
E pela virgem Maria
Que outros sete que eles foram,
Eu atrás não tornaria.
Oh lá, oh lá, cavaleiros,
Não levem de covardia,
Puxem por suas espadas,
Que eu puxarei pela minha.
O que não trouxer espada,
Eu esta lhe emprestaria,
Que eu cá com meu punhal de oiro
Defenderei minha vida».

Palavras não eram ditas,
O ermitão se descobria;
Foi a tomá-la nos braços
Com sobeja demasia...
Ela com seu punhal de oiro,
Que na cintura trazia,
Tal golpe lhe deu nos peitos,
Que ali por morto caía.
– «Quem te matou, D. Aleixo,
Quem te matou, minha vida?»
– «Mataste-me tu, senhora,
Que outro ninguém não podia.»
Ergue-te, Dona Maria,
Bem calçada e mal vestida,
Agora, por mais que chores
Tua alma fica perdida.

Romanceiro, Almeida Garrett