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01/09/2008

A gota e a aranha


Quando a aranha e a doença da gota
Rebentaram do abismo infernal,
"Sois, ó filhas, lhes disse o demônio,
Dois terríveis agentes do mal.

Cumpre agora escolher os lugares,
Para vossa morada talhados;
Vede aqueles humildes casebres,
E esses lindos palácios dourados;

Decidi-vos por uns, ou por outros,
Pois que neles deveis habitar;
E, na falta de acordo, é preciso
Pela sorte essa escolha fixar."

"Vá morar quem quiser em choupanas!"
(Diz a aranha com ar de desprezo).
Mas a gota que vira em palácio
Uma escola hipocrática em peso;

Refletiu que entre tantos doutores
Não podia à vontade viver;
Preferiu a palhoça e no artelho
De um lapuz foi-se, a gosto, esconder.

"Creio (diz) que não fico inativa
Neste posto que a salvo escolhi,
E que a gente que segue a Esculápio
Não me obrigue a mudar daqui.

Num floreio dourado do teto
Fez a aranha segura guarida,
Trabalhando a valer, qual se houvesse
Arrendado aposento por vida.

Que engenhosa era a teia que urdira!
Quantas moscas na rede prendeu!
Mas no dia seguinte a criada
Todo aquele artefato varreu.

Surge a rede tecida de novo,
E a vassoura outra vez a arrepanha,
Compelindo a mudar de aposento
Cada dia coitada da aranha.

Tendo embalde exaurido os recursos,
Foi o inseto da gota em procura;
Encontrou-a no campo gemendo
Entre as garras de atroz desventura.

Nem a mais infeliz das aranhas
Poderá comparar-se com ela.
Racha lenha com seu hospedeiro.
Cava, sacha, revolve a coirela.

Atormente-se a gota (é provérbio)
E metade da cura teremos. —
Diz a gota "Ai, irmã! Já não posso!
Eu vos peço — de casa troquemos."

Pronta a irmã da palavra lhe pega
E a cabana investiu sem tardança;
Lá não acha vassouras que a forcem
A viver em contínua mudança.

Eis a gota, que às juntas, de um bispo
Do seu lado, frechara direito.
Ceva nele o furor, condenando-o
A não mais levantar-se do leito.

São baldadas fricções, cataplasmas;
Vai de mal a pior o doente;
Nem se pejam os tais doutoraços
De entreter a moléstia da gente.

Foi-lhes útil, portanto, o remédio;
Dessa troca vantagens colheram.
Ambas tendo conforto e agasalho
Satisfeitas da sorte viveram.

Barão de Paranapiacaba (Trad.)