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06/10/2008

A Morena

Fui-me à porta da Morena,
Da Morena mal casada:
- «Abre-me a porta, Morena
Abre-ma por tua alma!»
- «Como te hei-de abrir a porta
Meu frei João da minha alma,
Se tenho a menina ao peito
E meu marido à ilharga?»
Estando nestas razões,
O marido que acordava:
- «Que é isso, mulher minha,
A quem dás as tuas falas?»
- «Digo à moça do forno,
Que veio ver se amassava,
Se amasasse pão de leite,
Que lhe deitasse pouca água.»
- «Ergue-te, ó mulher minha
Vai cuidar da tua casa;
Manda teus moços à lenha,
Teus escravos buscar água.»
- «Ergue-te daí, marido,
Vai ao monte pela caça;
Não há coelho mais certo
Do que é o da madrugada.»

O marido que sáia,
Morena que se enfeitava;
Seu mantéu de cochonilha
De doze tostões a vara,
Meia de seda encarnada
Que na perna lhe estalava,
Sua bengala na mão
Que mal no chão lhe tocava.
Foi-se direita ao convento,
À portaria chegava.
O porteiro é frei João
Que pela mão a tomava;
Levou-a à sua cela,
Muito bem a confessava...
Penitência que lhe deu,
Logo ali mesmo a rezava.

À saída do convento
O marido que a encontrava:
- «Donde vens, ó mulher minha,
Donde vens tão arraiada?»
- «Venho de ouvir missa nova,
Missa nova bem cantada:
Disse-a o padre frei João,
Que assim venho consolada.»
- «Consolar-te hei-de eu agora
Com a ponta desta espada...»
Deu-lhe um golpe pelos peitos,
Deixou-a morta deitada.
- «Não se me dá de morrer,
Que o morrer não custa nada;
Dá-se-me da minha filha,
Que a não deixo desmamada!»
- «Foras tu melhor mãe que és,
Não foras tão mal casada,
Não havias de morrer
Desta morte desastrada.»

Levavam-na ao convento,
Numa tumba amortalhada:
Sorria-se o frei João,
E o marido... é quem chorava.

Romanceiro, Almeida Garrett