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01/09/2009

Rosalinda

Era por manhã de maio,
Quando nas aves a piar,
As árvores e as flores,
Tudo se anda a namorar;

Era por manhã de Maio,
À fresca riba do mar,
Quando a infata Rosalinda
Ali se estava a toucar

Trazem das flores vermelhas,
Das brancas para a enfeitar;
Tão lindas flores como ela
Não nas puderam achar.

Que é Rosalinda mais linda
Que a rosa, que o nenúfar,
Mais pura que a açucena
Que a manhã abre a chorar.

Passava o Conde almirante
Na sua galé do mar;
Tantos remos tem por banda
Que se não podem contar.

Cativos que vão remando
A Moirama os foi tomar;
Deles são grandes senhores,
Deles de sangue real.

Que não há moiro seguro
Entre Ceuta e Gilbreltar,
Mal sai o conde almirante
Na sua galé do mar.

Oh que tão linda galera,
Que tão certo é seu remar!
Mais lindo capitão leva
Mais certo no marear.

- «Dizei-me, ó conde almirante,
Da vossa galé do mar,
Se os cativos que tomais
Todos los fazeis remar?»

- «Dizei-me, bela infanta
Linda rosa sem igual,
Se os escravos que lá tendes
Todos vos sabem toucar?»

- «Cortês sois, Dom Almirante;
Sem responder, perguntar!»
- Responder, responderei,
Mas não vos hei-de enfadar.

«Cativos tenho de todos,
Mais basto que um anduar;
Uns que mareiam as velas as velas,
Outros são banco a remar.

As cativas que são lindas
Na popa vão a dançar,
Tecendo alfombras de flores
Para o senhor se deitar.

- «Respondeis, respondo eu,
Que é boa lei de pagar:
Tenho escravos pra tudo.
Que fazem o meu mandar;

Deles para me vestir,
Deles para me toucar...
Para um só tenho outro emprego,
Mas está por cativar...»

- «Cativo está, tão cativo
Que se não quer resgatar.
Rema, a terra a terra, moiros,
Voga certo, e a varar!»

Já se foi a Rosalinda
Com o almirante a folgar:
Fazem sombra as laranjeiras,
Goivos lhe dão cabeçal.

Mas fortuna, que não deixa
A nenhum bem sem desar,
Faz que um monteiro de el-rei
Por ali venha a passar.

- «Oh monteiro, do que visto,
Monteiro, não vás contar:
Dote tantas bolsas de oiro
Quantas tu possas levar.»

Tudo o que viu o monteiro
A el-rei o foi contar,
A casa da estudaria
Onde el-rei estava a estudar.

- «Se à puridade o disseras,
Tença te havia de dar:
Quem tais novas dá tão alto,
Alto há de ir... a enforcar,

«Arma, arma meus archeiros
Sem charamelas tocar!
Cavaleiros e peões,
Tudo à tapada a cercar.»

Inda não é meio-dia,
Começa a campa a dobrar;
Inda não é meia-noite,
Vão ambos a degolar.

Ao tope de ave-marias
Foram ambos a enterrar:
A infata no altar-mor,
Ele à porta principal.

Na cova Rosalinda
Nasce uma árvore real,
E na cova do almirante
Nasceu um lindo rosal..

El-rei, assim que tal soube,
Mandou-os logo cortar,
E que os fizesse em lenha.
Para no lume queimar.

Cortados e recortados
Tornavam a rebentar:
E o vento que os encostava,
E eles iam-se abraçar.

El-rei, quando tal ouviu,
Nunca mais pode falar;
A rainha, que tal soube,
Caía logo mortal.

- «Não me chamem mais rainha,
Rainha de Portugal...
Apertei dois inocentes
Que Deus queria juntar!»

Romanceiro, Almeida Garrett