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03/04/2010

Hefesto, Afrodite e Ares


Como Hades, Hefesto quis ter a companhia de uma bonita deusa. O deus ferreiro morava numa grande gruta aberta na encosta de um vulcão. Ali instalou sua oficina com pesadas bigornas, foles incansáveis e ferros em brasa. As marteladas ressoavam o dia inteiro nesse antro barulhento, porque o deus, ajudado pelos Ciclopes, passava o tempo fabricando magníficas armas. Ele sabia trabalhar os metais melhor do que ninguém, e nenhuma proeza técnica lhe era impossível.
De suas mãos hábeis saiu um dia uma rede, toda feita de bronze. Era tão fina que mal dava para se distinguirem as malhas. E, no entanto, cada fio tinha a solidez de doze cabos. Nenhum animal, por mais forte que fosse, teria podido se safar dela.
A presa que o deus queria capturar era de porte... Ele estava se preparando para surpreender sua própria esposa, Afrodite, na companhia do amante, o impetuoso Ares, o deus da guerra em pessoa. As aventuras da volúvel deusa tinham sido denunciadas pelo Sol, e o marido não pretendia continuar a ser enganado.
É preciso dizer que o casamento deles não era dos mais sólidos. Alguns anos antes, na época em que se casaram, a união da mais linda das deusas com aquele ser disforme espantara os deuses. De fato, Hefesto não era favorecido pela natureza e tinha por esposa a mais bela de todas as criaturas.
Afrodite era filha de Urano e veio à luz numa concha de madrepérola. Desde que nascera, encantara a todos com sua beleza excepcional. Um terno sorriso animava continuamente seus traços delicados. A brancura da pele rivalizava em brilho com o dourado dos longos cabelos.
Sua chegada ao Olimpo não passou despercebida. As rivais de Afrodite, as outras deusas, viram-na com maus olhos, enquanto os deuses tentaram em vão seduzi-la. Eles ainda ignoravam que Hera já a tinha pro¬metido a um de seus filhos, o deus Hefesto.
A esposa de Zeus esperava assim se reconciliar com esse filho que ela havia maltratado tanto. Ao nascer, Hefesto era uma criança desproporcionada, com uma cabeça enorme e membros frágeis. Sua mãe se recusou a reconhecê-lo. Agarrou-o pela perna e o atirou nos ares. O bebé caiu no oceano, onde as ninfas marinhas, Tétis e Eurínome, o acolheram. A queda, que por pouco não foi fatal para ele, conferiu a Hefesto uma deficiência que acentuou sua deformidade natural. Apesar dessas desgraças, o deus coxo teve uma infância feliz. Desenvolveu excepcionais qualidades para o trabalho dos metais, e a fama dele chegou aos deuses. Para provar suas boas intenções, Hera decidiu lhe dar Afrodite como esposa.
Hefesto se mostrou mais que satisfeito com essa companheira inesperada, e Afrodite aceitou de imediato a união. Ela estava fascinada com o talento do artista e contava que este lhe faria jóias de dar inveja às outras deusas.
Mas a vida que ele lhe oferecia na forja não convinha à deusa. O calor e o barulho logo se tornaram insuportáveis, e ela teria preferido uma companhia mais refinada que a dos Ciclopes. Assim, a deusa do amor não demorou a ir buscar fora de casa os prazeres e a vida de delícias que lhe faltavam.
Ares, deus da guerra, conquistou-a. Hefesto não desconfiou de nada, e Afrodite se aproveitou disso. Inventando pretextos, ela ia se encontrar com o amante. O casal se separava antes do raiar do dia. Depois, seus encontros apaixonados se tornaram cada vez mais frequentes, e a vigilância dos dois diminuiu.
Certa manhã, esqueceram-se de acordar e foram surpreendidos pelo Sol. Com inveja do deus da guerra por Afrodite tê-lo preferido, o Sol contou a aventura a Hefesto. O deus não deixou sua raiva se manifestar: decidiu pegar a infiel em flagrante.
Foi para isso que o hábil ferreiro concebeu a prodigiosa rede de bronze. Armou-a acima da cama em que os amantes se encontravam. Um fio oculto atrás do cortina¬do deveria accionar seu fechamento. Quando a armadilha ficou pronta, Hefesto anunciou à esposa que iria se ausentar por alguns dias. Mal o deus desapareceu na curva de uma estrada, ela chamou Ares.
Hefesto deu tempo suficiente para os dois se deitarem e voltou para casa. Da porta, já podia ouvir os palavrões de Ares misturados aos gritos de raiva da amante: quanto mais eles se debatiam, mais as malhas da rede se apertavam.
Não contente em tê-los surpreendido, Hefesto lhes ofereceu como espectáculo aos outros deuses, que adoravam esse género de divertimento e não se fizeram de rogados. Alguns até sentiram inveja do pobre Ares. As zombadas se sucediam, enquanto as deusas, contidas pelo pudor, esperavam na porta comentando o carácter volúvel da bela rival...
Quando finalmente foram soltos, Ares e Afrodite se separaram. Em vez de voltar ao lar, a deusa se retirou para a ilha de Citera, onde a vida era mais agradável para ela. Não esqueceu a humilhação de que fora vítima e esperou o momento de tirar uma desforra memorável contra aquele que os denunciara. Mas essa desventura não a impediu de amar outros.
Do deus Ares, ela teve um filho, Eros. Desde pequeno, esteja possuía os mesmos poderes da mãe. Sabia inflamar os corações. Uma só das suas flechas bastava para desencadear as paixões mais vivas. A própria Afrodite foi vítima delas.
Um dia em que Eros se aninhou em seu colo para receber um beijo, não se deu conta de que uma flecha, saindo da aljava, roçou o seio da mãe. Afrodite a afastou ternamente, sem se preocupar com o ferimento. Mas aquele arranhão leve não tardou a despertar o amor no seu coração...
A beleza de Adónis, um jovem caçador que ela viu numa clareira, inspirou-lhe um sentimento cuja força a deusa ainda não experimentara. Afrodite fez dele seu companheiro e passou a compartilhar suas longas corridas nos bosques em busca de caça. Viam-na atravessar as planícies a seu lado ou descansar num vale, abraçada ao rapaz. Escolhia para ele um animal inofensivo e o prevenia contra os javalis, os ursos e os lobos.
Enquanto estava junto dela, Adónis se contentava em caçar lebres e cervos. Mas a deusa teve que se ausentar: reclamavam sua presença no Olimpo. Voou pelos ares, num carro puxado por quatro cisnes brancos, não sem lançar um olhar inquieto para o alto da serra em que deixara o belo namorado.
Adónis descia correndo as encostas cobertas de floresta, atrás da sua matilha. Sem que percebesse, os cães seguiram um novo rastro. De repente, começaram a latir, enraivecidos. Adónis foi ver o que era, e avistou entre as árvores os olhos brilhantes e as defesas1 curvas de um enorme javali. O bicho ia sair da floresta quando a lança do caçador se cravou no seu flanco. Furioso, o animal ferido se virou violentamente, arremessando longe a lança coalhada de sangue. E avançou para o rapaz, que já tratava de fugir. Mas as raízes das árvores o atrapalhavam, fazendo-o tropeçar o tempo todo. A dor decuplicava as forças do javali, que alcançou o pobre caçador e lhe fincou as defesas na coxa. Ferido mortalmente, Adónis foi ao chão com um grito dolorido. Afrodite o ouviu. Imediatamente deu meia-volta e correu para junto do corpo. Adónis acabava de expirar. Desesperada, a deusa rasgou as roupas e gemeu horas a fio, lamentando a crueldade do destino.
Suas lágrimas se misturaram com o sangue que corria do ferimento do rapaz, e delas nasceram frágeis anémonas. Todos os anos, o espectáculo das flores renascendo perpetua a lembrança da sua dor.
O amor com que Afrodite enchia os corações teve consequências funestas para nações inteiras. A Guerra de Tróia, que opôs gregos a troianos durante dez anos cruentos, foi causada pelo amor que a bela Helena, esposa de um rei grego, inspirou em Páris, príncipe troiano. Foi assim que Afrodite recompensou Páris por tê-la designado a mais bela das deusas.

Contos e Lendas da Mitologia Grega