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17/03/2008

A Enfeitiçada

Vai correndo o cavaleiro,
A Paris levava a guia,
Viu estar uma donzela
Sentada na penha fria:
– «Que fazeis aqui donzela?
Que fazeis ó donzelinha?»
– «Vou-me à corte de Paris
Donde padre e madre tinha;
Perdi-me no meu caminho,
Pus-me a esperar companhia
Cansada estou de esperar
Sentada na penha fria,
Se te praz, ó cavaleiro,
Leva-me em tua companhia.»
Respondeu-lhe o cavaleiro:
– «Pois que me praz, vida minha.»
Lá no meio do caminho
De amores a requeria;
A donzela muito enxuta
Lhe disse com ousadia:
– «Tem-te, tem-te, cavaleiro,
Não façais tal vilania?
Que, antes que me baptizassem
Me deram feitiçaria:
Sete bruxas me embruxaram
Antes que eu fosse à pia;
O homem que a mim se chegasse,
Malato se tornaria»
Não responde o cavaleiro,
Todo na sela tremia.
Lá para o fim do caminho
A donzela que sorria.
– «De que vos rides, donzela,
De que rides donzelinha?»
– «Não me rio do cavalo
Nem da sua fitaria,
Rio-me do cavaleiro,
Mais da sua covardia;
Com a donzela à garupa
E catou-lhe cortesia;
Soube guardar-se das moças
E bruxas velhas temia.»
– «Atrás, atrás, ó donzela,
Atrás, atrás, donzelinha,
Que na fonte onde bebemos
Deixo uma espora perdida.»
– «Cavaleiro, adiante, adiante,
Que eu atrás não tornaria.
Se a sua espora é de prata,
Meu pai de oiro lha daria:
Que ás portas de meu pai
Se mede oiro cada dia.»
– «Dizei-me vós ó donzela,
Dizei-me de quem sois filha.
– «Sou filha del-rei de França
E da rainha Constantina.»
– «Arrenego eu de mulheres
Mais de quem nelas se fia!
Cuidei de levar amante,
Levo uma irmã minha.»


Romanceiro, Almeida Garrett