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23/11/2009

Lenda de Geraldo Geraldes «o Sem-Pavor»



Tudo começou no ano de 1166, no tempo em que Évora era ainda a Yeborath árabe, para grande desgosto de D. Afonso Henriques . Este ambicionava a sua posse, já que a cidade era um importante ponto estratégico na época da reconquista de Portugal aos Mouros. Geraldo Geraldes, um homem de origem nobre que vivia à margem da lei, era chefe de um bando de bandidos que habitavam num pequeno castelo nos arredores de Yeborath. Conhecido também pelo Sem Pavor, Geraldo Geraldes decidiu conquistar Évora para resgatar a sua honra e o perdão para os seus homens. Disfarçado de trovador rondou a cidade e traçou a sua estratégia de ataque à torre principal do castelo que era vigiada por um velho mouro e pela sua filha. Numa noite, o Sem Pavor subiu sozinho à torre e matou os dois mouros, apoderando-se em silêncio da chave das portas da cidade. Mobilizou os seus homens e atacou a cidade adormecida numa noite sem lua que, surpreendida, sucumbiu ao poder cristão. No dia seguinte, D. Afonso Henriques recebeu surpreendido a grande novidade e tão feliz ficou que devolveu a Geraldo Geraldes as chaves da cidade, bem como a espada que ganhara, nomeando-o alcaide perpétuo de Évora. Ainda hoje, a cidade ostenta no brasão do claustro da Sé, a figura heróica de Geraldo Geraldes e as duas cabeças dos mouros decepadas, para além de lhe dedicar a praça mais emblemática de Évora.




22/11/2009

O cavalo e o lobo



Na linda estação das flores,
Às horas do meio-dia:
Brioso, esperto cavalo
A verde relva pascia.

Dum bosque vizinho um lobo
Botando-lhe o luzio, diz:
"Quem te comer essas carnes
É por extremo feliz!

Ah! Que se foras carneiro,
Ou mesmo burro, ou vitela,
Já marchando me andarias
Pelo estreito da goela;

Mas és um castelo! E assaz
Temo a tua artilharia!
Vou bloquear-te, e do engano
Fazer fogo à bateria".

Então do bosque saindo
Em passo lento e miúdo,
De largo diz ao cavalo:
"Camarada, eu te saúdo;

Respeita em mim um Galeno,
Que passa a vida a curar,
Que das ervas as virtudes
Sabe aos morbos aplicar;

Aposto que tens moléstias,
E porque na cura erraram,
Tomar ares para o campo.
Como é uso, te mandaram.

Se quiseres que eu te cure,
Ficarás são como um pero;
Grátis, que bem entendido,
Paga de amigos não quero".

O cavalo conhecendo
A malícia do impostor,
Diz-lhe: "O céu lhe pague o bem
Que me faz, senhor doutor;

É verdade que eu padeço.
Há nove dias ou dez.
Um tumor e uma ferida.
Tudo nas unhas dos pés".

"— Bem que essa doença toque
À cirurgia somente, —
Diz o lobo, — eu nesse ramo
Sou um prático eminente!"

Torna-lhe o fingido enfermo:
"Pois então, senhor doutor,
Chegue-se a mim, que eu me volto,
Venha apalpar-me o tumor".

"Pois não, filho! Diz-lhe o lobo".
E a fim de o filar se chega;
Mas, de repente, o cavalo
Dois grandes coices lhe prega:

Acerta-lhe pela frente,
Faz-lhe o focinho num bolo;
E o lobo exclama: "É bem feito!
Quem me manda a mim ser tolo?"

Mete pernas como pode,
Dizendo um tanto enfadado:
"Como a breca as arma! — fui
Buscar lã; vim tosquiado!

De carniceiro a ervanário
Quis passar sem que estudasse;
Levei da toleima o prêmio:
Cada qual para o que nasce!"


Curvo Semedo (Trad.)

21/11/2009

O Cisne


O cisne arqueou seu pescoço flexível em direcção à água e mirou longamente seu reflexo.
Compreendeu o motivo de seu cansaço e do frio que invadia seu corpo, fazendo-o tremer como se fosse inverno. Soube, com absoluta certeza, que sua hora era chegada, e que devia preparar-se para a morte.
Suas penas ainda eram tão alvas como em seu primeiro dia de vida. As estações do ano e o tempo haviam passado sem deixar marca alguma em sua plumagem branca como a neve. Agora podia partir; sua vida terminaria em plena beleza.
Endireitando seu lindo pescoço, nadou lenta e majestosamente em direcção a um salgueiro sob o qual habituara-se a descansar quando fazia calor. Anoitecia, e o pôr-do-sol coloria de vermelho e roxo as águas do lago.
No grande silêncio que caía em torno o cisne pôs-se a cantar.
Jamais, até então, encontrara tons tão cheios de amor pela natureza, pela beleza do céu, da água e da terra. Sua doce canção atravessou os ares com um leve toque de melancolia até, finalmente, sumir, lenta, muito lentamente, com os últimos rios de luz no horizonte.
- É o cisne - disseram os peixes, os pássaros e todos os animais dos bosques e dos prados.
Profundamente emocionados, disseram:
- O cisne está morrendo.





19/11/2009

Parábolas

Um Mestre Sufi contava sempre uma parábola no final de cada aula, mas os alunos nem sempre entendiam o seu significado.
- Mestre, - perguntou um deles, certo dia - tu contas-nos contos mas nunca nos explicas o que significam.
- As minhas desculpas. - disse o Mestre - Como compensação, deixa-me que te ofereça um belo pêssego.
- Obrigado, Mestre - disse o discípulo, comovido.
- Mais ainda: como prova do meu afecto, queria descascar-te o pêssego. Permites que o faça?
- Sim, muito obrigado. - disse o discípulo.
- E, já que tenho a faca na mão, não gostarias que eu cortasse o pêssego em pedaços, para que te seja mais fácil comê-lo?
- Sim, mas não quero abusar da tua generosidade, Mestre...
- Não é um abuso; sou eu que me estou a oferecer. Quero apenas agradar-te. Permite-me também que mastigue o pêssego antes de to oferecer...
- Não, Mestre! Não gostaria que fizesses isso! - queixou-se o discípulo, surpreendido.
O Mestre fez uma pausa e disse:
- Se vos explicasse o sentido de cada conto, seria como dar-vos de comer fruta mastigada.

16/11/2009

A Truta da Rainha

Vítima de uma intriga, Aragúncia, rainha de Aragão, foi injustamente acusada de favorecer com as suas atenções um jovem cavaleiro da corte. O rei de Aragão achou que esta ofensa só seria resgatada com a morte. Aragúncia decidiu fugir quando teve conhecimento do seu destino fatal e, disfarçando-se de mendiga, saiu do castelo. O rei perseguiu-a e esteve quase a alcançá-la, não fossem os barqueiros do rio Minho a ajudar a rainha a atravessá-lo. Aragúncia recolheu-se numas escarpas negras que formavam uma pequena fortaleza natural junto ao rio. O rei decidiu pôr-lhe cerco e fazer a rainha render-se pela fome e pela sede. Aragúncia não desesperou, quando tinha sede saciava-a numa pequena fonte que brotava das rochas. Passados dias, quando a fome começou a apertar apareceu por cima do penhasco uma águia-real levando nas garras uma truta que deixou cair. Embora atormentada pela fome, Aragúncia embrulhou a truta e mandou-a ao rei para que este se saciasse. Convencido que Deus estava com a rainha, o rei de Aragão levantou o cerco decidindo perdoar-lhe a falta. Aragúncia recusou o perdão por uma falha que não tinha cometido e ficou a viver naquele local austero para sempre.



15/11/2009

Senhor Dongguo e o Lobo



O Pescador e Diabo é um dos contos mais famosos das Mil e uma noites. Existe um conto semelhante antigo na China. Trata-se do conto Senhor Dongguo e o Lobo.

Um letrado a quem todos chamam-no como senhor Dongguo era muito antiquado e costumava atuar agarrado às rotinas escritas nos livros. Um dia, o senhor Dongguo ia buscar um posto de funcionário no País de Zhongshan, levando seu burro que carregava um saco de livros. A meio caminho, um lobo ferido saiu à sua frente rogando: “senhor, os caçadores estão me perseguindo, feriram-me com flechas e querem a minha vida. Permite-me esconder no saco de livros e vou agradecê-lo com ricas retribuições”. O senhor Dongguo, que bem sabia que o lobo era animal vicioso, viu que fora ferido e teve compaixão. Pensou um pouco e disse: “se vou salvá-lo, desagradarei os caçadores. Mas, uma vez que viesse pedir-me o favor, tenho que salvá-lo”. Dito isto, o senhor mandou o lobo encolher-se, atou suas quatro patas e escondeu-o no saco de livros.
Pouco tempo depois, os caçadores chegaram e perguntaram ao senhor Dongguo pelo lobo: “Já viu um lobo passando por aqui?” O senhor Dongguo respondeu: “Não, não vi nenhum lobo. Aqui há muitos caminhos. Ele pode já fugir por outros caminhos”.
Os caçadores acreditaram nas palavras de Dongguo e continuaram a caçar o lobo. O lobo no saco, ouvindo que os caçadores se afastaram, pediu de novo ao senhor Dongguo: “senhor, por favor, deixe-me sair”. O bondoso homem desatou o saco e libertou o lobo. Mas, este, com um uivo, disse: “estou com fome danada da vida. Já me salvou uma vez, que tal me salvará mais uma vez? Deixe-me comê-lo”. E lançou-se ao senhor Dongguo.
O senhor Dongguo, lutando contra o lobo, maldizia sua ingratidão. Neste momento, um agricultor passou por eles com uma enxada aos ombros. O senhor Dongguo contou-lhe o acontecido e pediu-o a julgar o justo e o injusto, enquanto o lobo negou que o letrado o tivesse salvado. O agricultor pensou um pouco e disse: “Não acredito em suas palavras. É impossível que esconda um lobo deste tamanho num pequeno saco de livros. Poderia fazê-lo de novo para que veja a meus próprios olhos”. O lobo concordou e encolheu-se de novo para que o senhor Dongguo o atasse e colocasse no saco de livros. Vendo o lobo no saco, o agricultor bem fechou a boca do saco e disse ao senhor Dongguo: “a natureza de um animal vicioso jamais mudará. Você até tem piedade com ele e é realmente um homem confuso”. Depois de dizer estas palavras, o agricultor brandiu uma enxada e matou o lobo.
O senhor Dongguo entendeu tudo de repente e agradeceu ao agricultor pela salvação.

No Chinês actual, “o senhor Dongguo” e “o lobo de Zhongshan” viraram dois provérbios. O primeiro indica as pessoas que abusam da compaixão e, o último, pessoas ingratas.




A rã no fundo do poço



Segundo um mito chinês, uma rã, que morava num poço abandonado, só podia movimentar-se no limitadíssimo espaço que era o fundo do poço, e consequentemente, o que via não passava de um pequeno pedaço do céu. Nada conhecia lá fora, e nada sabia sobre a existência de um imenso mundo.
Certa vez, uma tartaruga do mar apareceu à beira do poço, e a rã, lá do fundo, apressou-se a vangloriar-se:
- Vê, amiga tartaruga, que linda e confortável residência é a minha! Aqui, eu salto livremente e descanso num buraco da parede do poço quando me apetece. Se quero nadar, a água cobre-me as pernas e chega-me ao queixo. Passeios? Passear aqui nesta terra pantanosa é uma verdadeira delícia! Garanto que tu, minha amiga tartaruga, nunca tiveste uma vida tão feliz como esta! Vem, vem ver o meu paraíso!
Levada pela curiosidade, a tartaruga do mar deu um passo em frente e, mal viu o “paraíso” da rã, recuou, dizendo:
- Sabes uma coisa, minha amiga rã? O mar é tão imenso que tem milhares e milhares de quilómetros de extensão, e milhares e milhares de braças de profundidade... Dez anos de inundações consecutivas não conseguiriam aumentar nem um centímetro o nível das suas águas, e dez anos consecutivos de seca não lograriam baixá-lo. Ali sim, é vida!

12/11/2009

Raposa com prestígio de tigre


Quando uma pessoa, aproveitando-se do poder alheio, trata os outros com arrogância ou os ofende, é censurada por meio do provérbio Raposa com prestígio de tigre.
O provérbio vem de um conto.

Uma vez, uma raposa caiu nas garras dum tigre; mas, espertíssima como era, disse-lhe com toda a transitabilidade:
- O senhor Tigre deve certamente estar ciente de que Deus acaba de me nomear rainha desta floresta, com a missão de governar todos os animais ... E quer o senhor comer-me?! Que ousadia! Quer desrespeitar o Todo-Poderoso?
O tigre não acreditou nessa conversa. Como é que animalzinho tão fraco e tão magro como a raposa poderia ser a rainha da floresta?
Percebendo a hesitação do tigre, disse então a raposa:
- Não acredita? Mas a ignorância não é crime, por isso não vou puni-lo. Esta sua rainha sempre se fez respeitar pela sua generosidade. Vamos fazer o seguinte: vou passar revista aos meus súditos, e o senhor vai seguir-me e observar como eles me temem.
O tigre aceitou a proposta, e lá foram os dois – a raposa à frente, todo arrogante, e o tigre atrás.
Vendo o tigre, os outros animais puseram-se em fuga, foi um “salve-se quem puder”.
Mas o tigre acreditou no poder da raposa, pensando que todos fugiam com medo da “rainha”.
Dessa maneira, conseguiu a raposa salvar-se da morte às garras do tigre.



05/11/2009

Uma Ideia Tonta



Um dia a hiena recebeu convite para dois banquetes que se realizavam à mesma hora em duas povoações muito distantes uma da outra. Em qualquer dos festins era abatido um boi, carne que a hiena é especialmente gulosa.
- Não há dúvida de que tenho de assistir aos dois banquetes, pois não quero desconsiderar os anfitriões. Também as oportunidades de comer carne de boi não são muitas... mas como hei-de fazer, se as festas são em lugares tão distantes um do outro?
A hiena pensou, pensou... e, de repente, bateu com a mão na testa.
- Descobri! Afinal é simples... - disse ela, muito contente com a sua esperteza.
Saiu à pressa de casa. Assim que chegou ao local donde partiam os dois caminhos que levavam aos locais das festas, começou a andar pelo caminho que ficava do lado direito com a perna direita e pelo caminho que ficava do lado esquerdo, com a perna esquerda.
Pensava chegar deste modo a ambas as festas ao mesmo tempo. Mas começou a ficar admirada de lhe custar tanto caminhar dessa maneira. E fez tanto esforço, que se sentiu dividir em duas de alto a baixo.
Coitada, lá a levaram ao médico - que a proibiu, desde logo, de comer carne de boi durante um mês.
É muito tonta a hiena!


Conto moçambicano
"Eu conto, tu contas, ele conta... Estórias africanas",
org. de Aldónio Gomes, 1999


02/11/2009

A Peregrina

Peregrina, a peregrina
Andava a peregrinar
Em cata de um cavaleiro
Que lhe fugiu, mal pesar!
A um castelo torreado
Pela tarde foi parar:
Sinais certos, que trazia
Do castelo, foi achar.
- «Mora aqui o cavaleiro?
Aqui deve de morar.»
Respondera-lhe uma dona
Discreta no seu falar:
- «O cavaleiro está fora,
Mas não deve de tardar.
Se tem pressa a peregrina,
Já lho mandarei chamar.»
Palavras não eram ditas,
O cavaleiro a chegar:
- «Que fazeis porqui, senhora,
Quem vos trouxe a este lugar?»
- «O amor de um cavaleiro
Por aqui me faz andar.
Prometeu de voltar cedo,
Nunca mais o vi tornar.
Deixei meu pai, minha casa,
Corri por terra e por mar
Em busca do cavaleiro,
Sem nunca o poder achar.»
- «Negro fadairo, senhora,
Que tarde vos fez chegar!
Eu de vosso pai fugia
Que me queria matar;
Corri terras, passei mares,
A este castelo vim dar.

Antes que fosse ano e dia
(Vós me fizestes jurar)
Com outra dama ou donzela
Não me havia desposar.
Ano e dia eram passados
Sem de vós ouvir falar,
Co’a dona desse castelo
Eu ontem me fui casar...»
Palavras não eram ditas,
A peregrina a expirar.
- «Ai penas de minha vida,
Ai vida de meu penar!
Que farei desta lindeza
Que em meus braços vem finar?»

Do alto de sua torre
A dama estava a raivar:
- «Leva-la daí, cavaleiro,
E que a deitem ao mar.»
- «Tal não farei eu, senhora,
Que ela é de sangue real...
E amou com tanto extremo
A quem lhe foi desleal.
Oh! quem não se sabe ser firme,
Melhor fora não amar.»
Palavras não eram ditas
O cavaleiro a expirar.
Manda a dona do castelo
Que os vão logo enterrar
Em duas covas bem fundas
Ali junto à beira-mar.
Na campa do cavaleiro
Nasce um triste pinheiral;
E na campa da princesa
Um saudoso canavial.
Manda a dona do castelo
Todas as canas cortar;
Mas as canas das raízes
Tornavam a rebentar:
E à noite a castelhana
As ouvia suspirar.


Romanceiro, Almeida Garrett



01/11/2009

O pote rachado

Aquele homem ganhava a vida a carregar água. Dois potes grandes, pendurados nas pontas de uma vara, que ele apoiava no pescoço. Todos os dia era este o trabalho daquele aguadeiro: carregar os potes de água, do poço até à casa do seu patrão.
Um dos potes tinha uma rachadura, enquanto o outro era perfeito. Quando o aguadeiro chegava a casa do seu patrão, depois de uma longa e penosa viagem, um dos potes estava cheio, enquanto o pote rachado trazia só metade da água. Esta foi a sina que se repetiu ao longo de dois anos... o aguadeiro a entregar um pote e meio de água na casa do seu patrão.
O pote que era perfeito estava orgulhoso da sua façanha. O outro, porém, cada vez vivia mais envergonhado da sua imperfeição, por se sentir incapaz de produzir tanto quanto o outro. Depois de carregar durante dois anos esse sentimento de culpa, o pote rachado desabafou a sua amargura com o aguadeiro, na beira do poço:
Estou envergonhado... e quero pedir desculpas...
Desculpas, porquê? – Perguntou o homem.
Nestes dois anos, apenas consegui chegar ao destino com meia carga de água, pois esta rachadura faz com que ela vaze pelo caminho. Por causa deste meu defeito, tu precisas de fazer mais viagens a carregar água e isso aumenta o teu trabalho...
O homem ficou triste e compadecido daquele velho pote... e disse:
Quando regressarmos a casa, quero que prestes atenção à beira do caminho.
De facto, à medida que iam subindo a montanha, o velho pote rachado foi percebendo uma trilha de flores, exuberantes e belas, na beira do caminho. Achou lindo... pois nunca reparado nelas... mas isso ainda não foi suficiente para o fazer esquecer a sua angústia e, no fim da viagem, novamente pediu desculpas ao aguadeiro pela sua imprestabilidade. E o aguadeiro, paciente, explicou ao pote:
Notaste que ao longo do caminho, havia uma trilha de flores... e essa trilha era apenas do teu lado. De facto, quando eu percebi a tua rachadura, logo nas primeiras viagens, tirei proveito desse teu defeito e resolvi lançar sementes ao longo do caminho. Cada dia, ao passar, a tua rachadura deixava vazar água que regava as plantas. E, durante estes dois anos, eu tive a possibilidade de sentir o perfume das flores e apreciar a sua beleza, enquanto fazia o meu trabalho!

31/10/2009

Avalor




Pela ribeira de um rio
Que leva as águas ao mar,
Vai o triste de Avalor,
Não sabe se há-de tornar.
As águas levam seu bem,
Ele leva o seu pesar;
E só vai, sem companhia,
Que os seus fora ele deixar;
117Cá quem não leva descanso
Descansa em só caminhar.
Descontra donde ia a barca,
Se ia o sol a baixar;
Indo-se abaixando o sol,
Escurecia-se o ar;
Tudo se fazia triste
Quanto havia de ficar.
Da barca levantam remos,
E ao som do remar
Começaram os remeiros
Da barca este cantar:
- «Que frias eram as águas!
Quem as haverá de passar?»
Dos outros barcos respondem:
- «Quem as haverá de passar?
Frias são as águas, frias,
Ninguém nas pode passar;
Senão quem pôs a vontade
Donde a não pode tirar.
118Tra’la barca lhe vão olhos
Quanto o dia dá lugar:
Não durou muito, que o bem
Não pode muito durar.
Vendo o sol posto contr’ele119,
Não teve mais que pensar;
Soltou rédeas ao cavalo
À beira do rio a andar.
A noite era calada
Pera mais o magoar,
Que ao compasso dos remos
Era o seu suspirar.
Querer contar suas mágoas
Seria areias contar;
Quanto mais ia alongando,
Se ia alongando o soar.
Dos seus ouvidos aos olhos
A tristeza foi igualar;
Assi como ia a cavalo
Foi pela água dentro entrar.
E dando um longo suspiro
Ouvia longe falar:
Onde mágoas levam olhos,
Vão também corpo levar.
Mas indo assi por acerto,
Foi c’um barco amarrado à terra,
E seu dono era a folgar.
Saltou assi como ia, dentro,
E foi a amarra cortar:
A corrente e a maré
Acertaram-no a ajudar.
Não sabem mais que foi dele,
Nem novas se podem achar:
Suspeitaram que foi morto,
Mas não é pera afirmar:
Que o embarcou ventura,
Pera só isso aguardar.
Mas mais são mágoas do mar
Do que se podem curar.


Romanceiro, Almeida Garrett

A Promessa

Certo dia, um homem afligido por problemas pessoais prometeu solenemente que se os mesmos fossem solucionados sua venderia casa e doaria o produto da venda aos pobres. Chegou finalmente a ocasião de cumprir a promessa. Mas como não desejava mais desfazer-se de tanto dinheiro, pensou num meio de contornar a situação. Colocou a casa à venda por uma moeda de prata. Mas junto com a casa o comprador teria que adquirir um gato. E o preço pedido pelo animal fora fixado em dez mil moedas de prata.
Apareceu alguém que comprou a casa e o gato. Aí o antigo dono deu a moeda de prata aos pobres e embolsou as dez mil outras.

29/10/2009

Lenda da Escola de Sagres

A Escola de Sagres constitui um dos grandes mitos da história portuguesa, resultante de deficientes interpretações de crónicas antigas.
Com base no pressuposto de que o infante D. Henrique convidou um cartógrafo catalão para se colocar ao seu serviço, muitos consideraram (logo a partir do século XVI, com Damião de Góis), que teria havido uma Escola Náutica em Sagres, fundada pelo Infante D. Henrique, por volta de 1417, no Algarve.
A escola, centro da arte náutica, teria assim formado grandes descobridores, como Vasco da Gama e Cristóvão Colombo. Após o seu regresso de Ceuta, o Infante D.
Henrique fixou-se em Sagres, na Vila do Infante, rodeando-se de mestres nas artes e ciências ligadas à navegação. .Aí cria uma Tercena Naval a que é comum chamar-se a " Escola de Sagres."
De facto, o que se criou não foi uma escola no moderno conceito da palavra, mas um local de reunião de mareantes e cientistas onde, aproveitando a ciência dos doutores e a prática de hábeis marinheiros, se desenvolveram novos métodos de navegar, desenharam cartas e adaptaram navios.
De acordo com os cronistas da época, largavam todos os anos dois ou três navios para as descobertas. O primeiro a mencionar a existência de uma escola foi o historiador inglês Samuel Purchas no século XVII, embora já antes Damião de Góis aludisse à ideia de uma Escola patrocinada pelo Infante. O mito foi depois consolidado por historiadores portugueses e ingleses, até que Luís de Albuquerque, "Dúvidas e Certezas na História dos Descobrimentos Portugueses" (Lisboa, 1990, Páginas 15 a 27), demonstrou tratar-se de um mero mito. A verdadeira Escola de Sagres, era a escola da vida dos marinheiros portugueses. Uma escola feita de saberes acumulados, que nos foram legados por povos diferentes que por cá se instalaram, dos romanos aos muçulmanos, a partir dos quais soubemos fazer a síntese e as adaptações que nos permitiram encabeçar a revolução técnica marítima e comercial que foram os Descobrimentos Portugueses.




24/10/2009

Parábola do Joio

Em sua Parábola do Joio, Jesus fala-nos do triste facto de que, nesta vida temporal, juntamente com os membros crédulos e bons do Reino de Deus, convivem também os membros indignos, os quais, distintamente aos filhos do Reino, Cristo chama de "filhos do astuto." Esta parábola é assim narrada pelo Evangelista Mateus:


"O reino de Deus é semelhante ao homem que semeia boa semente no seu campo. Mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou o joio no meio do trigo, e retirou-se. E, quando a erva cresceu e frutificou, apareceu também o joio. E os servos do pai de família, indo ter com ele, disseram-lhe : "Senhor, não semeaste tu no teu campo boa semente? Por que tem então joio?" E ele lhes disse: "Um inimigo é quem fez isso." E os servos lhe disseram: "Quereis pois que vamos arrancá-lo?" Porém ele lhes disse: "Não, para que ao colher o joio não arranqueis também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até a ceifa. E, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: colhei primeiro o joio e atai-o em molhos para o queimar; mas o trigo ajuntai-o no meu celeiro" (Mat. 13:24-30).

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