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28/07/2009

A jovem sem mãos

Um moleiro que havia pouco a pouco caído na miséria não possuía nada mais senão seu moinho e uma grande macieira que ficava atrás da construção. Um dia em que o moleiro foi à floresta pegar lenha, encontrou um velho que nunca tinha visto, e que lhe disse: "Para que se extenuar cortando lenha? Eu posso torná-lo rico se me prometer o que está atrás do seu moinho." O moleiro, que pensou que só poderia ser a macieira, respondeu: "Está combinado", e assinou um compromisso que o estrangeiro recebeu com um sorriso sarcástico, dizendo: "Daqui a 3 anos, voltarei para levar o que me pertence". E foi embora.
Quando o moleiro estava voltando para casa, a mulher veio ao seu encontro e disse: "Quero que você me explique, moleiro, de onde veio essa súbita riqueza em casa. De repente baús e armários ficaram repletos, sem que ninguém tivesse vindo trazer o que quer que seja; não consigo compreender como isso aconteceu". Ele respondeu: "Essas coisas vieram de um desconhecido que encontrei na floresta e que me prometeu grandes riquezas; em troca, eu me comprometi por escrito a ceder-lhe o que está atrás do moinho. Podemos muito bem dar a grande macieira em troca de tudo isso". "Ai, meu homem, - exclamou a mulher apavorada - era o Diabo, e não se tratava da macieira, mas de nossa filha que estava atrás do moinho varrendo o quintal".
A filha do moleiro, uma menina bela e piedosa, viveu esses 3 anos no temor de Deus, sem cometer pecado. Esgotado o prazo e chegado o dia em que o Diabo deveria levá-la, banhou-se e, inteiramente purificada, traçou um círculo de giz ao seu redor. O Diabo apareceu bem cedo mas não pôde aproximar-se. Furioso, ordenou ao moleiro: "Prive-a de água para que ela não possa se lavar; senão não tenho nenhum poder sobre ela". Temeroso, o moleiro obedeceu. Na manhã seguinte o Diabo voltou, mas a jovem havia chorado tanto sobre as mãos, que elas estavam puras. Ainda sem poder aproximar-se, disse, cheio de raiva, ao moleiro: "Corte-lhes as mãos, senão não posso nada contra ela". O moleiro, aterrorizado, respondeu: "Como posso cortar as mãos de minha própria filha?" O Maldoso o ameaçou, dizendo: "Se não o fizer, me pertencerá e o levarei". O pai teve medo e prometeu obedecer. Aproximou-se da filha e disse: "Minha filha, se eu não cortar as suas mãos, o Diabo me levará; como tinha medo, prometi-lhe que o faria. Auxilia-me na minha infelicidade, e perdoe-me o mal que lhe faço!" "Caro pai, - ela respondeu - faça o que quiser comigo; sou sua filha." Estendeu as duas mãos e deixou que ele as cortasse. Quando o Diabo voltou pela terceira vez, ela havia chorado tanto e por tanto tempo sobre os punhos cortados que eles estavam perfeitamente puros. O Diabo teve de renunciar, perdendo todo direito sobre ela.
O moleiro disse então à filha: "Graças a você ganhei tantos bens, que poderei mantê-la no maior luxo por toda a vida." Ela respondeu-lhe: "Eu não poderia ficar aqui. Quero ir embora; pessoas caridosas me darão o necessário." Fez com que amarrassem seus braços mutilados às costas e partiu ao amanhecer; caminhou o dia inteiro sem para até a noite. Chegou então perto de um jardim real onde viu, à claridade do luar, árvores cobertas de belos frutos. Mas não podia entrar, porque estava cercado de água. Como havia caminhado o dia inteiro sem comer nada e estava faminta, pensou: "Ah, se eu pudesse entrar nesse jardim e comer dessas frutas! Caso contrário, morrerei de inanição." Ajoelhou-se , invocou o Senhor Deus e rezou. De repente apareceu um Anjo que manobrou uma comporta, de maneira que a água se escoou e o fosso secou, permitindo a sua passagem. Entrou então no jardim, acompanhada pelo Anjo, chegou a uma árvore coberta de magníficas pêras, todas contadas. Com a boca, pegou uma pêra e a comeu para amenizar a fome, mas não mais do que uma. Foi vista pelo jardineiro que, ao perceber o Anjo ao seu lado, teve medo; pensando que a jovem fosse um Espírito, calou-se, não ousando chamá-la ou dirigir-lhe a palavra. Depois de comer a pêra, aplacada a fome, foi esconder-se sob as folhagens. O rei, a quem o jardim pertencia, foi lá na manhã seguinte; ao contar as frutas, percebeu que estava faltando uma pêra. Perguntou ao jardineiro o que tinha acontecido, pois não a encontrava nem na árvore nem caída no chão. O jardineiro respondeu-lhe: "Na noite passada, um Espírito esteve aqui; porque não tinha mãos, tirou a pêra da árvore com a boca." "Como o Espírito pôde passar pela água - perguntou o rei - e para onde foi depois de ter comido a pêra?" O jardineiro respondeu: "Alguém que veio do Céu, numa veste branca como a neve, fechou a comporta e deteve a água para que o Espírito pudesse atravessar o fosso. E como só poderia seu um Anjo, tive medo e não disse nada. Quando o Espírito acabou de comer a pêra, foi embora." O rei disse então: "Se as coisas aconteceram como está dizendo, passarei a próxima noite velando com você."
Quando escureceu, o rei desceu ao jardim acompanhado de um Padre, que deveria dirigir-se ao Espírito. Os três se instalaram debaixo da árvore e ficaram à espreita. Por volta da meia noite, a jovem saiu de seu esconderijo, foi até a árvore, tomou outra pêra com a boca a comeu; ao seu lado estava o Anjo, com sua veste branca. O Padre aproximou-se e disse: "Você é de Deus ou desse mundo? Um Espírito ou um ser humano?" Ele respondeu: "Não sou um Espírito, mas um pobre ser humano abandonado por todos, menos por Deus." O rei disse então: "Se você foi abandonada pelo mundo inteiro, eu não a abandonarei." Levou-a para o castelo real e, como era bela e piedosa, a amou de todo o seu coração. Mandou que lhe fizessem mãos de prata e a tomou por esposa.
No final de um ano, o rei partiu para a guerra; recomendou a jovem esposa à sua mãe, dizendo: "Na hora do parto fique ao seu lado e cuide bem dela; escreva-me logo em seguida." A jovem rainha pôs no mundo um belo menino e a mãe escreveu imediatamente ao rei, comunicando-lhe a boa notícia. Mas o mensageiro parou no caminho à beira de um riacho e, fatigado pela longa etapa, adormeceu. Veio então o Diabo, que não desistira de prejudicar a piedosa rainha; substituiu a mensagem por outra carta, que dizia que a rainha dera à luz um gnomo. Quando o rei recebeu a carta ficou muito assustado e sentiu uma grande dor, mas escreveu em resposta que cuidassem bem da rainha e a velassem até a sua volta. O mensageiro partiu com a missiva do rei, parou para descansar no mesmo lugar e, mais uma vez, adormeceu. O Diabo voltou e colocou em seu bolso uma outra carta, que dizia que a rainha e a criança deveriam ser mortas. A velha mãe ficou aterrorizada ao ler essa mensagem; acreditando nela, escreveu outra carta ao rei. Mas teve a mesma resposta porque o Diabo sempre substituía a carta verdadeira por outra; a última acrescentava mesmo que a língua e os olhos da jovem rainha deveriam ser conservados como prova.
A velha mãe, chorando sobre o sangue inocente que devia derramar, ordenou que trouxessem uma corça na calada da noite, fez com que lhe cortassem a língua e arrancassem os olhos, guardando-os em seguida. Depois, disse à jovem rainha: "Não posso mandar matá-la, como ordenou o rei, mas não pode continuar aqui por mais tempo: vá embora com seu filho por este vasto mundo e não volte mais." Prendeu a criança nas costas da infeliz mulher, que partiu chorando. Quando chegou numa grande floresta, pôs-se de joelhos para orar a Deus; apareceu então um Anjo do Senhor que a conduziu até uma pequena casa, onde estava escrito: "Aqui, todos podem alojar-se livremente." Da casa surgiu uma jovem virgem, branca como a neve, que lhe disse: "Seja bem vinda, Senhora Rainha", e a fez entrar. Desamarrando a criança das costas da rainha, deixou que mamasse no seio da mãe, e a colocou em seguida numa bela caminha, anteriormente preparada. A infeliz mulher perguntou-lhe então: "Como sabia que eu era rainha?" A virgem branca respondeu: "Sou um Anjo enviado por Deus para cuidar de você e de seu filhinho." Por 7 anos a rainha ficou naquela casa, onde foi muito bem tratada. Pela graça de Deus, e em virtude de sua grande piedade, suas mãos cortadas se restauraram.
Quando orei voltou enfim da guerra e chegou em casa, sua primeira preocupação foi a de ver a mulher e o filho. A velha mãe se pôs a chorar e disse: "Homem mau, como pôde me escrever para que tirasse a vida dessas duas almas inocentes?" Mostrou-lhe as cartas que o Diabo havia falsificado, e acrescentou: "Fiz o que mandou", mostrando-lhe, como prova, a língua e os olhos. O rei pôs-se então a chorar tão amargamente sua pobre mulher e seu jovem filho, que a mãe se compadeceu e disse: "Console-se, ela ainda está viva. Ordenei que matassem uma corça em segredo, para dela tirar as provas exigidas; quanto à sua mulher, amarrei a criança em suas costas e a enviei por este vasto mundo, fazendo com que prometesse que nunca mais voltaria aqui, por causa de sua cólera contra ela." O rei disse então: "Quero partir e ir até onde se estende o azul do Céu, sem comer ou beber, até que tenha encontrado minha querida mulher e meu filho, se ainda não morreram num acidente ou foram vítimas da fome."
O rei percorreu o mundo durante 7 anos, procurando-os em todas as fendas de rochedos e cavernas; não os encontrando, pensou que haviam morrido de esgotamento. Durante todo esse tempo não comeu nem bebeu, mas Deus o susteve. Enfim, entrou numa grande floresta onde encontrou a pequena casa com a placa que dizia: "Aqui, todos podem alojar-se livremente." A virgem branca saiu, tomou-o pela mão, fez com que entrasse, e disse: "Seja benvindo, Senhor Rei." Depois, perguntou-lhe de onde vinha. Ele respondeu: "Vai fazer 7 anos que erro em busca de minha mulher e de seu filho, mas não os encontro em parte alguma." O Anjo ofereceu-lhe o que beber e comer, mas ele recusou, desejando apenas descansar um pouco. Deitou-se para dormir, cobrindo o rosto com um lenço.
O Anjo entrou então no quarto onde estava a rainha com o filho, que ela se habituara a chamar de Rico-em-Dores, e lhe disse: "Venha com seu filho, seu marido está aqui." Ela foi até onde ele estava deitado, e o lenço caiu no chão. Disse ao filho: "Rico-em-Dores, pegue o lenço de seu pai e cubra o seu rosto." A criança recolheu o lenço e o recolocou sobre o rosto do rei. Este havia ouvido tudo em seu sono e fez com que o lenço caísse novamente. Impaciente, o menino disse à mãe: "Minha mãe querida, como posso cobrir o rosto de meu pai, se não tenho pai neste mundo? Quando aprendi a oração "Pai nosso que estás nos Céus", você me disse que meu pai estava no Céu e que era o bom Deus - como eu poderia conhecer um homem tão selvagem? Este não é meu pai." Ouvindo isso, o rei levantou-se e perguntou à jovem mulher quem era ela. Ela respondeu: "Sou sua mulher, e este é seu filho Rico-em-Dores." Vendo suas mãos vivas, ele disse: "Minha esposa tinha mãos de prata", ao que ela respondeu: "Minhas mãos naturais foram recompostas novamente pela graça de Deus", o Anjo foi então ao quarto vizinho, de onde voltou com duas mãos de prata para mostrar ao rei. Este viu então que se tratava na verdade de sua querida mulher e de seu filho amado; abraçou-os com alegria e lhes disse: "Uma pesada pedra foi retirada de meu coração." O Anjo de Deus lhes serviu uma última refeição juntos, e eles voltaram para casa, para perto da velha mãe. Houve por toda a parte uma grande alegria: o rei e a rainha celebraram suas núpcias pela segunda vez e viveram felizes até o fim de seus dias abençoados.