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30/07/2009

A princesa Peônia

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Há muitos e muitos anos, em Gamo-Gun, na província de Omi, havia um castelo chamado Azuchi. Era um lugar antigo e magnífico, cercado por uma alta parede de pedras e um fosso cheio de lótus. O senhor feudal era um homem muito rico, porém mau humorado, chamado Yuki Naizen no Jô. Sua esposa tinha estado doente por alguns anos e teve uma única filha, que todos chamavam carinhosamente de Aya Hime (princesa Aya).
Na época, o Japão vivia um longo período de paz e tranquilidade, e os senhores feudais haviam abandonado a idéia de guerrear constantemente para conquistar novos territórios. Como os feudatários mantinham relacionamento amigável, Naizen no Jô percebeu, então, que a época era oportuna para encontrar um bom marido para sua filha.
Depois de vários contatos, ele optou pelo segundo filho do senhor do castelo de Ako, da província de Harima, para ser o marido de sua filha. Os dois feudatários ficaram muito satisfeitos com a possibilidade de que seus filhos viessem a se casar, pois a aliança matrimonial fortalecia sobremaneira o poder bélico de ambos.
Nessa época, no Japão, as famílias ricas marcavam os casamentos de seus filhos sem que estes tivessem prévio conhecimento um do outro. Já que era obrigada a aceitar a determinação de seu pai, a princesa Aya fez grande esforço mental para amar seu futuro marido, falando e pensando nele positivamente, mesmo sem nunca tê-lo visto.
Certa ocasião, junto com sua dama de companhia, Aya Hime caminhava pelo enorme jardim do castelo e foi até o canteiro das peônias. Daquele local, ela adorava apreciar o reflexo da lua, projetada nas águas do lago, e fazia isso principalmente em noites de lua cheia, que lhe trazia belas inspirações para compor poesias.
Naquela noite, quando Aya Hime estava passeando distraidamente na beira do lago, tropeçou em uma raiz exposta e desequilibrou-se em direção à água. De repente, foi amparada por um jovem que surgiu como num passe de mágica, evitando milagrosamente que ela afundasse lago adentro.
Em seguida, assim que a colocou no chão, o rapaz desapareceu tão rapidamente como apareceu. A dama de companhia viu, quando ela tropeçou, um clarão de luz em torno da princesa refletido na água, mas não chegou a ver claramente nenhum rapaz protegendo-a da queda. Já Aya Hime tinha visto perfeitamente o rosto de seu salvador.
– Um belo moço de semblante nobre, que parecia um príncipe. Vestia roupas com peônias bordadas a fios de ouro. Gostaria que estivesse aqui para agradecer por me salvar a vida, evitando minha queda na água...
– Mas princesa, como ele teria chegado ao jardim, se todo o castelo está cercado pelo fosso e existem muitos guardas no portão? Acho melhor não comentar nada a ninguém, pois seu pai pode ficar zangado, se souber que um estranho esteve no jardim.
A partir daquela noite, Aya não conseguiu esquecer o misterioso rapaz. Várias vezes esteve no jardim, mas nunca mais o viu.
Tempos depois, ela ficou muito doente e com dificuldades para comer e dormir. Cada dia foi ficando mais pálida e tornou-se impossível realizar seu casamento com o príncipe de Ako na data marcada.
Vários médicos vieram de Quioto para examinar Aya Hime, porém ninguém conseguiu diagnosticar de que doença se tratava. Como último recurso, o senhor feudal Naizen no Jô, interrogou com veemência Sadayo, a dama de companhia de sua filha, pois sabia que ela era a confidente da princesa.
– Os médicos chegaram a pensar que ela estava fingindo estar doente, só para não se casar com o prometido príncipe de Ako. Se você sabe de algum amor secreto dela, me diga, pois, se continuar assim, ela vai acabar morrendo. Você não quer que ela morra, quer? – perguntou o feudatário.
– Senhor, prometi à sua filha que jamais revelaria seu segredo. Porém, diante do risco de vida que ela está correndo por causa de sua enfermidade, sou forçada a revelá-lo, se é que isso contribuirá para sua salvação.
Assim, Sadayo contou detalhadamente o que aconteceu na noite de lua cheia no canteiro das peônias...
– Senhor, acho que a doença da princesa Aya é uma doença de amor. Ela está profundamente apaixonada pelo jovem que viu por alguns instantes e depois desapareceu misteriosamente. Tenho medo de que, se não conseguirmos encontrar o tal jovem, ela definhe dia a dia até morrer – disse Sadayo, a dama de companhia da princesa.
– Mas o nosso castelo é muito vigiado, é humanamente impossível que alguém consiga entrar e sair sem ser visto pelos guardas dos portões... – murmurou o pai de Aya, Naizen no Jô.
– Está sugerindo alguma coisa senhor?! Bem sabes que raposas e texugos têm o poder de se transformar em seres humanos e nos enganar. Será possível que algum desses bichos tenha entrado no castelo por alguma pequena abertura no muro?!
Nessa noite, para tentar reanimar a princesa, foi trazido da capital o famoso músico Yashakita Kengyo, mestre num instrumento de cinco cordas chamado biwa. A noite estava quente, e o concerto musical foi ao ar livre. Os acordes espalharam-se pelo ar, tomando conta do belo jardim do castelo. De repente, no canteiro das peônias, um jovem de ar nobre apareceu para ouvir a música. Desta vez todos o viram, e ele trajava a mesma roupa com bordados de peônias em fios de ouro.
– É ele! – gritaram todos os que assistiam o concerto. Diante da reação das pessoas, o jovem desapareceu instantaneamente.
A princesa ficou visivelmente excitada. Levantou-se e foi procurar pelo moço no jardim, mas nada encontrou. O pai dela, senhor do castelo, ficou muito confuso com a situação. No dia seguinte, mandou fazer uma busca minuciosa no jardim, revirando pedras, removendo canteiros de arbustos e procurando em cima das árvores, porém, não encontrou ninguém escondido, nem mesmo raposa ou texugo.
Nessa mesma noite, quando dois músicos da castelo, Yaesan e Yakumo tocavam seus instrumentos, respectivamente a shakuhachi (flauta) e o koto (instrumento de cordas), o jovem novamente apareceu e desapareceu ao ser notado. O mistério aumentou, pois a vigilância tinha sido triplicada, e tudo no castelo foi vasculhado palmo a palmo.
Yuki Naizen no Jô resolveu chamar, então, o renomado Maki Hyogo, um veterano oficial do exército que atuava como conselheiro na corte do Shogun, para capturar o jovem misterioso. O astuto Maki, que adorava desafios, aceitou prontamente a missão. Vestiu-se de preto, como um ninja, para fazer-se invisível e escondeu-se no canteiro das peônias.
Todos tinham percebido que a música exercia certo fascínio sobre o jovem misterioso. Conseqüentemente, os músicos Yaesan e Yakumo fizeram um concerto naquela noite. O público presente prestou mais atenção no canteiro das peônias do que na música. A certa altura, um belo jovem surgiu no jardim, com magnífica veste ornada de peônias bordadas.
Maki Hyogo levou um susto, pois o jovem surgiu do nada exatamente a um passo de onde ele estava escondido. Em seguida, agarrou o jovem por trás, na altura da cintura. Manteve-o apertado por alguns segundos, quando sentiu uma baforada de vapor na cara e caiu no chão agarrado firmemente ao jovem.
Os guardas e o pessoal do castelo que assistiram à cena correram para o canteiro e deparam-se com Maki Hyogo no chão:
– Vejam, consegui agarrá-lo – disse Maki, mas, vendo o que estava abraçando, descobriu que se tratava apenas de uma enorme peônia. Como Hiogo também era astrólogo, logo descobriu do que se tratava.
– Raposas e texugos não conseguiriam passar pelos portões e os guardas do castelo, porém, o jovem sim, pois ele é o espírito da peônia e nasceu aqui mesmo.
Os videntes que estavam no local concordaram plenamente com Maki Hiogo. O espírito da peônia manifestava-se sob aparição de um belo jovem, porém não era na verdade um ser material.
Esclarecido o caso, a princesa Aya levou a grande flor de peônia para seu quarto e colocou-a num vaso com água. Dia a dia, ela foi melhorando de saúde, até recuperar-se completamente. Inexplicavelmente, a grande peônia do vaso também ficava cada vez mais radiante, não dando nenhuma mostra de murchar, apesar de o tempo ir passando.
Como a princesa estava agora com ótima aparência, seu pai não via nenhum motivo para continuar adiando o casamento dela. Então, dias depois, o senhor de Ako e sua família chegaram com uma luxuosa comitiva, para realizar o casamento de seu segundo filho.
A princesa Aya despediu-se da grande peônia e foi para a cerimônia de casamento. Após o ofício, seguiu com seu marido para o castelo de Ako. As camareiras que acompanharam a princesa viram a incomparável beleza da flor quando foram para a cerimônia. E, após o evento, quando passaram pelo quarto da princesa novamente, viram a peônia murchar e despetalar-se. A alma da flor, não suportando a dor de ver sua amada princesa casando-se com outro, despedaçou-se de tristeza.
O povo local, quando contava o caso da princesa Aya ou Aya Hime, passou a referir-se a ela como Botan Hime, ou princesa Peônia.