Seu cavalo vai banhar;
Enquanto o cavalo bebe,
Armou um lindo cantar.
Com escuro que fazia
El-rei não o pode avistar.
Mal sabe a pobre da infanta
Se há-de rir, se há-de chorar.
- «Cala, minha filha, escuta,
Ouvirás um bel cantar:
Ou são os anjos no céu,
Ou a sereia no mar.»
- «Não são os anjos no céu
Nem a sereia no mar:
É o conde Nilo, meu pai,
Que comigo quer casar.»
- «Quem fala no conde Nilo,
Quem se atreve a nomear
Esse vassalo rebelde
Que eu mandei desterrar?»
- «Senhor, a culpa é só minha,
A mim deveis castigar:
Não posso viver sem ele...
Fui eu que o mandei chamar.»
- «Cala-te, filha traidora,
Não te queiras desonrar.
Antes que o dia amanheça
Vê-lo-ás ir a degolar.»
- «Algoz que o matar a ele,
A mim me tem de matar;
Adonde a cova lhe abrirem,
A mim me têm de enterrar.»
Por quem dobra aquela campa,
Por quem está a dobrar?
- «Morto é o conde Nilo,
A infanta já a expirar
Abertas estão as covas,
Agora os vão enterrar:
Ele, no adro da igreja,
A infanta, ao pé do altar.»
De um nascera um cipreste,
E do outro um laranjal;
Um crescia, outro crescia,
Co’as pontas se iam beijar.
El-rel, apenas tal soube,
Logo os mandara contar.
Um deitava sangue vivo,
O outro sangue real;
De um nascera uma pomba,
De outro um pombo torcaz.
Senta-se el-rei a comer,
Na mesa lhe iam poisar:
- «Mal haja tanto querer,
E mal haja tanto amar!
Nem na vida nem na morte
Nunca os pude separar.»
Romanceiro, Almeida Garrett