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18/08/2010

Os dois primos Li



Eram dois primos, mas nem pareciam. Um, Li-Fong, um coração de oiro. O outro, Li-Kong, um patifório sem coração.
Trabalhavam ambos no mesmo ramo. Cada qual tinha um armazém de sementes e frutos secos, frente a frente, numa das ruas de mercadores da cidade Piong, na Península da Coreia.
Li-Kong passava o tempo a queixar-se de tudo. Eram os negócios que corriam mal. Eram as chuvas que vinham fora da época. Eram os pássaros que lhe roubavam as sementes.
Li-Fong sorria a tudo. Se tinha razões de queixa, não se dava por isso. Até os pássaros que depenicavam sementes, à porta do armazém, lhe davam motivo para sorrir.
Uma vez, uma pequena andorinha, que ainda não sabia voar, partiu uma asa, ao cair no beiral. Li-Fong cuidou dela e com muito carinho pôs-lhe uma tala, que atou com um fio à asa partida.
A andorinha recuperou e, chegado o Outono, ganhou forças para subir aos ares com as suas companheiras, em direcção a outras paragens. Mas não se esqueceu de quem a salvara...
Na Primavera seguinte, passou pelo armazém de Li-Fong e depositou nas mãos do seu protector uma semente, que trouxera no bico, sabe-se lá donde. Depois, abalou.
Li-Fong, que sabia tudo de sementes, mas não conhecia aquela, resolveu semeá-la no quintal. A semente germinou e uma planta de grandes folhas verdes trepou pela parede. Li-Fong regava-a cuidadosamente e animava-a a crescer, com palavras de mimo, como se ela o entendesse.
A planta deu flor e a flor fruto, um grande e estranho fruto dourado do tamanho de uma abóbora. Li-Fong cheirou-o, mas não o reconheceu pelo cheiro. A bem dizer, não cheirava a nada. Em contrapartida, encostando o ouvido à casca do fruto, parecia que se ouvia música e uma longínqua agitação de festa.
O primo Li-Kong troçou dele, com o seu habitual azedume:
- Esse fruto estapafúrdio vai dar-te para fazeres uma sopa de barulho.
Li-Fong resolveu-se a abri-lo e, quando o fez, diante do primo, ficaram ambos sem fala. Daquela espécie de abóbora saiu um exército de criados que armou mesas e dispôs iguarias para um grande banquete. Seguiu-se um exército de artesãos que montou móveis, estendeu tapetes, armou cortinados e transformou o armazém num palácio. Depois, vieram músicos e com eles um financeiro, carregado de sacos, cheios de moedas de ouro.
No fim - ah! ah!, no fim... - saiu do fruto mágico uma jovem linda que disse que queria casar-se com Li-Fong.
E tudo, num repente, num sopro, sem que os dois primos tivessem sequer tempo para fechar a boca.
O invejoso do Li-Kong não descansou enquanto não soube a origem de toda aquela fortuna. Quando o primo lhe contou a história da andorinha que socorrera, Li-Kong rangeu os dentes e disse:
- Só por isso? Então, não custa nada.
Foi ao beiral do seu armazém, pegou numa andorinha, que ainda estava no ninho, e partiu-lhe uma asa. Em seguida, muito despachadamente, depois de ter feito o mal, tentou fazer o bem. Tal como o primo lhe ensinara, atou uma tala à asa partida da pobre andorinha e recomendou-lhe, ameaçadoramente:
- Vê lá se agora não te esqueces de mim...
De facto, na Primavera seguinte, esta andorinha quis demonstrar a Li-Kong que estava bem lembrada do que ele lhe fizera. Trouxe-lhe uma semente.
Li-Kong enterrou-a no quintal e ficou à espera. Brotou da terra uma planta de grandes folhas verdes, que demorou a crescer, parede acima.
- Então cresces ou não cresces, maldita? - impacientava-se Li-Kong. - Dá-me frutos, depressa.
A planta fez-lhe a vontade e presenteou-o com três enormes frutos dourados.
- Vou ser três vezes mais rico do que o meu primo - rejubilava Li-Kong, de faca na mão.
Golpeou o primeiro fruto, que se abriu numa grande gargalhada e logo se desfez.
Segundo fruto e outra gargalhada enorme...
Furioso, Li-Kong atirou-se ao terceiro fruto, como se a faca fosse um punhal.
- Não quero que te rias mais de mim! Não quero que te rias! - gritava ele.
Pelos lanhos abertos no fruto disparou uma ventania que varreu as sementes todas do armazém. Saltaram portas e janelas, voaram as telhas e estremeceram as paredes até aos alicerces. Li-Kong, soprado para longe, perdeu os sentidos. Quando os recuperou viu-se sozinho, desamparado, no meio das ruínas.