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30/09/2010

O macaco e a onça


Andava o macaco, como sempre, de implicância com a onça, e a onça com o macaco. Um belo dia, o felino veio a encontrar o símio trepado em um galho de pau, a tirar cipós.
- Que fazes aí, compadre macaco? - perguntou a onça.
- Ah! então tu não sabes, comadre onça, o que estou fazendo? Trato da minha salvação...
- Como?
- Pois não tens notícias de que Nosso Senhor vai mandar um pé de vento muito forte e só se salvará quem estiver bem amarrado?
Amedrontada e por não ter mão com que ela própria se atasse, a onça pediu imediatamente:
- Então, compadre macaco, amarra-me também para eu não morrer... Tem pena de mim que não tenho mãos! Amarra-me também pelo amor de Deus!
O macaco obteve todas as juras e promessas que a comadre não lhe faria nenhum mal e desceu para atá-la num tôco de pau. À proporção que a ia amarrando, perguntava:
- Comadre, você pode se mexer?
A onça fazia esforços para desvencilhar-se, e o macaco atava mais fortemente o lugar que lhe parecia mais frouxo. Assim pôde conseguir amarrar a comadre, sem que esta, por mais que quisesse, pudesse fazer o mínimo movimento.
Vendo-a bem amarrada, o macaco apanhou um cipó bem grosso, deu na onça uma valente surra e fugiu em seguida.
As outras onças conseguiram soltar a irmã, e esta jurou a seus deuses vingar-se do macaco.
Veio uma seca muito grande e a onça, para pilhar o símio e cevar nele o seu ódio recolhido, pôs-se de alcatéia num único lugar em que havia água. Todos os animais iam até ali desalterar-se, sem serem incomodados pelo felino: mas o macaco, muito atilado e esperto, não foi, adivinhando o que o esperava.
Apertando-lhe a sede, entretanto, ideou um ardil para ir até à cacimba saciá-la.
Tendo encontrado um pote de melaço, besuntou todo o seu corpo com ele e, depois, espojou-se num monte de folhas secas, que se lhe grudaram aos pêlos.
Disfarçado desse modo, encaminhou-se para o bebedouro; a onça desconfiou daquele animal, mas não saiu da tocaia, limitando-se a perguntar:
- Quem vem lá?
O macaco com voz simulada, mas segura, respondeu:
- É o ará.
Ará é o que nós chamamos ouriço-caixeiro, com o qual a onça não tem implicância alguma. O suposto ouriço muito calmamente abeirou-se do poço e pôs-se a beber água a fartar, no que se demorou muito.
Comadre onça começou a desconfiar de tal bicho, que bebia tanta água, e exclamou admirada:
- Que sede!
O macaco precavidamente afastou-se e, logo que se pôs fora do alcance da terrível comadre, acudiu escarninho:
- Admiraste-te! Pois desde que surra te meti, água jamais bebi!
A vingança da onça foi mais uma vez adiada. Como esta, muitas outras passagens desta curiosa luta são contadas pelas pessoas do povo e eu tenho ouvido diversas. Além da que aí vai, possuo escritas mais algumas, que não reproduzo agora para não me tornar fastidioso.


Histórias de Macaco de Lima Barreto