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22/09/2010

O velho Querecas


Eram três irmãs, muito pobres, que viviam do seu trabalho aturado. Naquela terra havia uma casa em que ninguém queria habitar, porque lá dentro ouviam-se de noite grandes gritos e terrores; as raparigas, para pouparem o aluguer, foram pedir para as deixarem morar naquela casa. A mais nova, como mais animosa, foi residir para o último andar.
Uma noite, mal se tinha acabado de deitar, ouviu uma voz gritar:
— Eu caio!
— Pois cai! — respondeu-lhe a rapariga. De um buraco do tecto caiu uma perna. Depois soou de novo o mesmo grito:
— Eu caio!
— Pois cai! — repetiu a rapariga; e assim foram caindo os braços, o tronco, até que afinal achou diante de si um homem já muito velho e calvo. O velho chegou-se próximo da rapariga, e perguntou-lhe:
— Não tens medo de mim?
— Não.
— Fazes muito bem; és a primeira e única pessoa que resiste ao medo de me ver. Em paga de tua coragem toma lá esta bolsa e quando te vires nalguma aflição diz sempre:
— Valha-me aqui o velho Querecas.
O dinheiro da bolsa nunca se acabava, e as três irmãs começaram a viver com largueza. No entretanto a mais nova começou a sentir que por mais que se fechasse no seu quarto parecia-lhe que sentia meter-se alguém na cama com ela. Lembrou-se se seria o velho Querecas e teve uma certa repugnância: mas para certificar-se, uma noite acendeu de repente a luz, e viu deitado ao pé dela um mancebo formoso, que estava adormecido. Estava tão embebida a olhar para ele, que lhe caiu um pingo de cera na cara. O mancebo acordou de repente, e disse:
— Ah! desgraçada, o que fizeste! Dobraste-me o encantamento, que estava quase no fim! Agora não me tornas mais a ver.
A menina chorou muito, e ainda mais quando conheceu o estado em que se achava. Lembrou-se então do segundo dom, e disse:
— Valha-me aqui o velho Querecas.
— Aqui estou já, e bem sei porque me chamas. Há só um modo de remediar o mal que a ti mesmo fizeste. Toma lá estes três novelos, e vai andando sempre sempre até onde eles se acabarem; aonde quer que seja, pede que te dêem aí pousada do ar da noite.
A rapariga chorou por ter de deixar as irmãs, mas o que ela queria era quebrar o encantamento daquele moço; foi andando, até ir dar ao fim de muito tempo a um palácio cercado de um vistoso jardim. Espreitou pelo buraco da chave, e viu lá dentro uma sala com muitas mulheres trabalhando em lindos vestidos de noivado, e fazendo as roupinhas de uma criança. Teve receio de bater àquela porta, e foi rodeando o palácio, até que encontrou o hortelão, a quem pediu pousada.
— O hortelão respondeu-lhe:
— Você sabe em casa de quem está, para vir assim pedir pousada?
— O que sei é que já me não tenho, de cansada; e é por uma esmola.
O hortelão teve dó da rapariga e deu-lhe um canto no palheiro; ela deitou-se mais morta que viva, e ali mesmo deu um menino à luz. Tudo aquilo se transformou num quarto muito asseado e rico. Quando o hortelão veio ao outro dia, ficou pasmado com o que viu. Foi dar logo parte à rainha, que também quis certificar-se da maravilha.
— Quando chegou ao lugar em que estava a menina, deu um grito ao ver a criança:
— Oh senhora! quem é o pai deste menino?
A rapariga ficou muito envergonhada por não poder logo dizê-lo; no meio da sua confusão contou o caso de velho Querecas. Foi então que a rainha se lembrou:
— Esse menino é o retrato de meu filho, que me desapareceu, sem eu nunca mais saber dele nova má nem boa.
A rainha levou a rapariga para o palácio, tratou de lavar a criança, e quando a despiu achou-lhe nas costas um grande sinal. Reparou, e viu que era um pequeno cadeado com uma chavinha. Quis ver se o abria, mas com receio disse à mãe que experimentasse a ver se dava volta àquela chavinha. Logo que a mãe pegou na chave abriu o cadeado, e imediatamente se quebrou o encantamento do príncipe, que deveu a sua liberdade ao ânimo daquela rapariga com quem casou logo. (Algarve)


Conto tradicional do Povo Português